Teatro/CRÍTICA
"A porta da frente"
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Reinventando a vida
Lionel Fischer
"Uma família típica: Rui, o pai; Lenita, a mãe; um casal de gêmeos de 16 anos, Jonas e Natália - ele, tímido, ainda faz xixi na cama; ela, dismórfica, angustiada, só pensa em mudar de aparência. No pequeno apartamento, mora ainda a mãe de Lenita, dona Marilu, que não anda bem da memória e troca fatos, nomes e datas. Uma nuvem de insatisfação paira sobre tudo e todos, até que um novo vizinho ocupa o apartamento em frente. Seu nome é Sascha, é professor de canto e sua voz invade o apartamento vizinho quando interpreta clássicos do rock. Isso incomoda particularmente a Lenita e mais ainda quando fica sabendo que Sacha é um crossdresser - um homem que se veste de mulher".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "A porta da frente", de Julia Spadaccini, em cartaz no Oi Futuro. Mais recente produção da Cia. Casa de Jorge, o texto chega à cena com direção de Jorge Caetano e Marco André Nunes e elenco formado por Jorge Caetano, Malu Valle, Maria Esmeralda Forte, Nina Reis, Rogério Freitas e Felipe Haiut.
Como se sabe, a existência de uma família isenta de problemas é praticamente impossível. Mas aqui temos alguns aspectos curiosos. Os adolescentes, por exemplo, querem mudar, mas não sabem como fazê-lo. Rui parece totalmente conformado com seu papel de corretor medíocre. Já dona Marilu refugia-se em fantasia amorosas bizarras, enquanto a histérica Lenita corresponde-se há algum tempo com um estranho, sem que ninguém o saiba.
Ou seja: a avó fantasia e delira, e Lenita inventa uma persona numa tentativa de escapar de sua tediosa rotina. As duas mulheres, portanto, e ainda que valendo-se de mecanismos que escapam ao real da vida, tentam em alguma medida torná-la mais suportável, enquanto os demais membros da família ou praguejam e vociferam (os adolescentes) ou nada fazem, como é o caso do pai.
Mas a presença do estranho, como já dito, começa a promover impensáveis mudanças, que aqui não detalharei porque isso privaria o leitor/espectador de muitas surpresas - uma delas, sem dúvida, mais surpreendente do que todas as outras. E o mais interessante é que Sascha não impõe nada, a ninguém procura doutrinar, apenas estimula o resgate de sonhos abortados ou encoraja atitudes transformadoras. Sem dúvida, um maravilhoso personagem.
Bem escrito, contendo ótimos papéis e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, em meu entendimento "Porta da frente" só merece uma única ressalva: o texto poderia ser um pouco mais curto. Mas esta ressalva em nada diminui o alcance da peça, cujo principal objetivo me parece ser o de demonstrar que será sempre possível transcender aquilo que nos desagrada em nossas vidas, desde que o desejemos e não tenhamos medo de empreender as mudanças que se fazem necessárias.
Quanto ao espetáculo, Jorge Caetano e Marco André Nunes impõem à cena uma dinâmica simples e despojada, priorizando o que de fato importa num texto desta natureza: o caráter dos personagens, suas personalidades e as relações que estabelecem. E a dupla consegue valorizar, em igual medida, tanto as passagens mais engraçadas quanto aqueles em que o humor predomina.
No que se refere ao elenco, Nina Reis e Felipe Haiut convencem plenamente na pele dos adolescentes perdidos e eventualmente furiosos. A mesma eficiência se faz presente na atuação de Maria Esmeralda Forte, impecável na pele da avó tresloucada, mas não totalmente isenta de lucidez. Malu Valle faz uma Lenita irrepreensível em seus momentos mais histéricos e mal-humorados (por sinal, engraçadíssimos), da mesma forma que consegue nos comover nas passagens em que fica implícita sua amargura diante de um casamento falido.
Vivendo Rui, Rogério Freitas exibe um dos melhores desempenhos de sua carreira - comediante por excelência, aqui o ator tem oportunidade de trabalhar sentimentos mais interiorizados, chegando muitas vezes a comover profundamente a plateia. Com relação a Jorge Caetano, estamos diante de outra performance exemplar - o ator exibe forte presença cênica e por renunciar a qualquer tipo de trejeito capaz de provocar risos, confere ao personagem a grandeza que lhe é inerente, fruto de sua tolerância com as fraquezas e indecisões alheias, o que lhe possibilita estimular insuspeitadas transformações.
Na equipe técnica, considero impecáveis as participações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Márcia Rubin (direção de movimento), Aurora dos Campos (cenário), Renato Machado (iluminação), Rui Cortez (figurinos, aqui cabendo destacar a belíssima roupa usada por Sascha), Josef Chas (visagismo), Jorge Caetano e Marco André Nunes (trilha musical) e Felipe Storino (direção musical).
A PORTA DA FRENTE - Texto de Julia Spadaccini. Direção de Jorge Caetano e Marco André Nunes. Com Jorge Caetano, Malu Vale, Maria Esmeralda Forte, Rogério Freitas, Felipe Haiut e Nina Reis. Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
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