terça-feira, 27 de agosto de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Sexo, drogas & rock'n'roll"

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Divertida e crítica reflexão sobre a realidade

Lionel Fischer


Em um de seus textos mais conhecidos, "Seis personagens à procura de um autor", Luigi Pirandello (1867-1936) parte de uma situação inusitada: em meio ao ensaio de uma peça, surgem seis personagens que, rejeitados pelo dramaturgo que os criou, solicitam ao diretor que encene suas vidas. Estão à procura de um autor.

Aqui, obviamente que o contexto é outro. Mas também estamos diante de seis personagens: um mendigo que intimida a plateia solicitando ajuda, um roqueiro praticamente destituído de neurônios, um jovem completamente desregrado, um empresário calhorda, um consumista de espantosa arrogância e, finalmente, um artista impregnado de curioso cinismo. São seis histórias aparentemente independentes, das mesma forma que os personagens sugerem nada possuir em comum. 

No entanto, saí do teatro com a sensação de que, ao menos em alguma instância, as histórias não seriam assim tão independentes e que os personagens teriam algo em comum. Mas o que seria? Estariam todos eles à procura de algo, ainda que não tenham consciência disto? Ou tudo se limitaria à exposição de personalidades que o autor considera típicas do mundo em que vivemos, que prioriza o sucesso a qualquer preço e que, portanto, conduz inevitavelmente ao egoísmo e à solidão?

Admito que não cheguei a uma conclusão definitiva sobre as questões acima levantadas, mas isso não chegou a me incomodar. O primordial, para mim, foi ter deixado o teatro com a sensação de ter assistido a algo bastante perturbador. E, como todos sabemos, uma das funções primordiais do teatro é justamente a de gerar dúvidas e inquietações.

De autoria do norte-americano Eric Bogossian, "Sexo, drogas e rock'n roll" está cumprindo ótima temporada no Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra). Victor Garcia Peralta assina a direção do espetáculo, que tem como único intérprete Bruno Mazzeo.

Embora o texto contenha, em sua maioria, passagens muito engraçadas, para minha total surpresa ri muito pouco - e devo confessar que rio com muita freqüência. Assim sendo, por que permaneci muito mais tenso do que relaxado? Não sei ao certo, mas suponho que o ácido humor do autor me remeteu bem mais ao trágico do que ao cômico, como se pouco a pouco me visse contaminado por uma droga que não desejava tomar. Como se o autor me obrigasse a "ingerir" uma realidade que gostaria que não existisse, mas que é absolutamente real. Enfim...

Bem escrito, contendo ótimos personagens e reflexões mais do que pertinentes sobre o mundo em que vivemos, o texto recebeu exemplar versão cênica de Victor Garcia Peralta. Valendo-se de uma dinâmica cênica despojada, mas nem por isso isenta de sofisticação, o diretor investiu basicamente no que interessa: a capacidade de Bruno Mazzeo de dar vida aos seis personagens e estabelecer fortíssima comunicação com a plateia.

Mais conhecido do grande público por seus trabalhos na TV, em sua maioria voltados para o humor, aqui o ator não deixa de estar engraçadíssimo, mas cumpre registrar que seu registro humorístico contém evidente teor crítico. Ou seja: Bruno Mazzeo não "faz graça", não explora o riso inconsequente, mas aquele que advém do desconforto, da forma como expõe determinadas mazelas que preferimos negar. E por isso sua atuação é tão impactante e se insere entre as mais brilhantes da atual temporada. 

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Maria Clara Mattos (tradução), Plínio Profeta (trilha sonora), Dina Levy (cenografia), Dani Sanchez (iluminação) e Rico e Renato Vilarouca, responsáveis pelos maravilhosos vídeos.

SEXO, DROGAS & ROCK'IN ROLL - Texto de Eric Bogosian. Direção de Victor Garcia Peralta. Com Bruno Mazzeo. Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 23h.  

















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