sexta-feira, 23 de agosto de 2013

SOBRE O SENTIDO DAS PRÁTICAS DO TEATRO NO MEIO ESCOLAR 
SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos – DAD / UFRGS – verabertoni@terra.com.br 
GE: Educação e Arte / n.01 

Neste trabalho sintetizo algumas idéias discutidas na minha tese de doutorado, em que procurei problematizar o “fazer teatral” no âmbito escolar, frente a alguns aspectos que a condição contemporânea significa à evolução do teatro como fenômeno artístico, ou seja, considerando o teatro como experiência estética e de produção de sentido através do domínio de formas de expressão e comunicação vinculadas ao desenvolvimento da inteligência, à autonomia de pensamento e à ampliação de visões de mundo. 

O ponto de partida da minha discussão é a concepção de “experiência criativa” em teatro, que, no sistema de jogos teatrais de Viola Spolin (1963), relaciona-se à prática do teatro pela via da improvisação e da espontaneidade. Nesse sentido, apresento princípios reunidos por Spolin sob o título de “os sete aspectos da espontaneidade”, buscando enfocar os elementos constitutivos da experiência teatral. Em seguimento à discussão apresento 
uma reflexão sobre o espetáculo de teatro contemporâneo, que se faz através da leitura particular de um objeto específico da nossa cultura teatral. 

E, por fim, faço um breve apanhado das principais formas de abordagem, ou “práticas”, do teatro no meio escolar, das 
condições de emergência dessas diferentes formas, e das concepções epistemológicas que as sustentam, na busca de evidenciar a importância do fortalecimento dos vínculos entre o 
fazer teatral dentro e fora do ambiente escolar. O teatro como experiência lúdica de aprendizagem 

Ingrid Koudela, responsável pela tradução da obra de Spolin no Brasil e empreendedora de diversos estudos acerca do sistema dos jogos teatrais, aproxima a metodologia de Spolin à perspectiva interacionista de Jean Piaget, relacionando a atividade lúdica e as condutas de imitação, em geral, e a prática do teatro, em particular, ao desenvolvimento do sujeito na sua totalidade, dessa forma enfatiza o caráter formativo e estético da aprendizagem do teatro nos mais diferentes níveis de conhecimento e abarcando diversos âmbitos do seu ensino. 2

Ao referir-se à “experiência criativa” relacionada à prática da improvisação teatral, Spolin identifica “sete aspectos da espontaneidade” (SPOLIN, 1963, p. 4-15), que se constituem, segundo a sua teoria, numa relação de complementaridade e interdependência. O primeiro desses aspectos é a estrutura do “jogo”, que permeia o seu trabalho como um todo, insurgindo-se como condição e viabilidade técnica dos exercícios de 
atuação que, por sua vez, se constituem na autodisciplina e no envolvimento individual do “aluno-ator” e do grupo, no qual se inclui o “professor-diretor”. 

O segundo aspecto é a intenção de superação da díade “aprovação / desaprovação” (polarização tão enfatizada nos sistemas tradicionais positivistas e autoritários de ensino, como fator de julgamento dos esforços do indivíduo ou de comparação entre condutas), em 
direção à construção de um sistema de avaliação em que pese, tanto a responsabilidade do professor-diretor, na busca de sustentação de uma postura que promova a tomada de consciência dos alunos-atores sobre o seu fazer, quanto a experiência e a mobilidade do 
pensamento de todos os envolvidos no processo de criação teatral. 

A formação do espírito de “grupo”, que se constrói na interação entre os indivíduos que participam da experiência teatral, constitui um terceiro aspecto dos jogos teatrais na perspectiva de Spolin (1963, p.8). Ele desenvolve-se na medida da transformação das 
condutas predominantemente competitivas inerentes às formas mais precoces dessa interação, em condutas predominantemente cooperativas, próprias às formas mais evoluídas que os jogos teatrais tendem a assumir com o tempo, com a prática e na medida em que os jogadores tornam-se capazes de transformar a sua relação com as regras, inicialmente mais arbitrárias, mais sagradas (inquestionáveis) e mais exteriores e, progressivamente, mais consensuais, mais internalizadas e mais consentidas. 

O quarto caráter dos jogos é a “platéia”, segundo Spolin (1963, p. 13), “membro mais reverenciado do teatro”, compreendido como instituidor do sentido do “fenômeno teatral”. Parte fundante do processo de experimentação das soluções aos problemas de 
atuação que originam as cenas, a platéia impulsiona a pesquisa de propósitos cênicos e as escolhas estéticas, avaliando as suas medidas e cooperando com o processo de improvisação como um todo. 

Um quinto aspecto designa o conjunto, não rígido e tampouco mecânico, mas deliberadamente adotado, de “técnicas teatrais”, justapostas ou sobrepostas, de acordo com o seu nível de dificuldade e que variam conforme a capacidade do grupo e as necessidades evidenciadas na prática; segundo Spolin (1963, p. 20), tratam-se de “problemas para solucionar problemas”; 

O movimento de “transposição do processo de aprendizagem para a vida diária” (SPOLIN, 1963, p. 13) constitui o sexto aspecto apontado pela autora, que caracteriza o processo de criação no teatro por um constante vaivém entre o real, do qual o sujeito que 
joga retira (e, nesse retirar, já transforma) a matéria para a sua ação no palco, e o ficcional, que expressa novos estados dessa matéria (surgidos da manipulação desse sujeito sobre o real), que são “devolvidos”, tornando-se objeto de apreensão (abstração; transformação) de outros sujeitos, os espectadores. 

Por fim, o aspecto da “fisicalização” abrange a expressão física do ator, ou seja, a forma corpórea assumida para mostrar (em oposição a contar) a realidade teatral. Para Spolin (1963, p. 14): 

Um ator pode dissecar, analisar, intelectualizar ou desenvolver uma valiosa história de caso para seu papel, mas se for incapaz de assimilar e comunicá-la fisicamente, terá sido tudo inútil dentro da forma teatral. Isto nem liberta seus pés nem traz o fogo da inspiração aos olhos da platéia. O teatro não é uma clínica, nem deveria ser um lugar para se juntar estatísticas. O artista deve captar e expressar um mundo que é físico mas que transcende os objetos – mais do que a informação e observação acurada, mais do que o objeto físico em si, mais do que seus olhos podem ver. 

Essa bela passagem em que Spolin traduz a relação que o teatro, como processo de significação e de encontro, instaura, bem caberia para ilustrar a relação pedagógica, tão desencontrada e empobrecida de sentido, quando movida pela escusa demonstração e 
verificação de conteúdos isolados da vida do sujeito, e tão acolhedora e significativa, quando motivada pela necessidade da experiência, que cria novas formas para a estruturação dos conteúdos e os reinventa, cheios de significado. 

Assim, considero de suma importância que os processos educacionais compreendam o sentido lúdico do teatro, o que exige a compreensão da arte como fenômeno da cultura, como objeto estético com características próprias e como forma de abordagem relacionada à construção do conhecimento. 

Apoiada nesses princípios e buscando compartilhar algumas idéias sobre a dimensão educativa do teatro, encaminho a minha discussão refletindo sobre o caráter lúdico da experiência teatral, enfocando um modo particular de “leitura” (Ryngaert, 1993) 
do fenômeno teatral calcado na apreciação estética.
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