Al Pacino, o Bom Companheiro
Em entrevista exclusiva, Al Pacino fala do desejo de continuar na ativa aos 73 anos, do prazer de ser pai e de seu novo filme, Amigos Inseparáveis, no qual Pacino faz o papel de um ex assassino de aluguel que acaba de sair da prisão
Flavia Guerra/ Los Angeles
“Toda vez que eu sinto a urgência de atuar, eu me deito e espero até que passe.” Foi assim que Alfredo James Pacino respondeu ao Estado quando questionado se, aos 73 anos, está mais inclinado a continuar na ativa ou a se aposentar, feito o personagem de seu mais novo filme, o ex assassino de aluguel de Amigos Inseparáveis, que estreia em abril no Brasil. “Oscar Wilde disse isso. Estou sendo irônico, obviamente, porque hoje até sou mais seletivo e pondero muito mais antes de decidir por um papel. Mas o fato é que não considero a opção de parar. Aposentadoria? Nem sei o que isso significa”, continuou o ator que ganhou fama mundial ao viver Michael Corleone nas três versões de O Poderoso Chefão (1972) e recebeu o Oscar de melhor ator por Perfume de Mulher (1992).
Hoje, como poucas vezes, estrela um longa que fala, justamente, de um tema que é lhe é muito atual e familiar. “Ele está ficando velho. Sei o que está sentindo. Mas, a aposentadoria para ele ocorre de forma meio compulsória, já que acaba não tendo outra opção. Não tem mais a mesma força física que costumava ter, o mundo mudou a seu redor, mas ele ainda tem muita energia, sabedoria e uma nova forma de olhar tudo”, comentou o ator sobre seu personagem.
Na trama dirigida pelo também ator Fisher Stevens , Pacino vive Val, este ex assassino de aluguel que, após passar décadas na cadeia, é finalmente libertado. Para ajudá-lo na tarefa de voltar ao mundo, tem o amigo Doc (o genial Christopher Walken) na sua retaguarda. Os dois decidem ter um último dia de velhos tempos e, para completar a trupe, resgatam Hirsch (Alan Arkin, de Argo) em um asilo.
Bandidos à moda antiga, Doc (Christopher Walken) e Val (Pacino) vivem um último dia de ‘velhos tempos’
O que o fez entrar para o projeto de Amigos Inseparáveis?
Li e adorei o roteiro. Gosto dos personagens. Eles são ao mesmo tempo incomuns e exóticos, mas também muito humanos. É um filme pequeno, em que dá prazer de trabalhar. É leve e também fala de um tema difícil. Conheço o Fisher, somos bons amigos e confio muito nele. Além de ser um ator incrível, ele dirige muito bem. E para completar, soube que o longa seria rodado em um região próxima de minha casa, em Los Angeles, o que me permitiria trabalhar e continuar vendo meus filhos. Em geral os roteiros me motivavam a fazer um filme. Hoje em dia levo em conta outros fatores, como onde vai ser. Hoje o fato de eu coseguir cuidar dos meus filhos, que têm 12 anos, é importante.
E poder filmar e continuar em cartaz com uma peça (como até há pouco, em que estava com Glengarry Glen Ross em Nova York)? Também é importante?
Sim. Comecei no teatro. Me sinto mais livre no palco. E mais à vontade também. Me dá mais prazer e poder de expressão. Sempre senti isso. Mas, por outro lado, é também mais exaustivo. Quando estamos em cartaz com uma peça, dependendo do personagem, muita energia é consumida. Se o teatro é toda sua vida, pode ser tornar muito difícil. É mais fácil quando se têm outros projetos. Há mais equilíbrio quando a gente faz filmes, temos roteiros para ler, cuidamos da família e dos filhos. É importante. Se fazemos só teatro, nos vemos sempre ajustando a vida em torno disso.
Ainda que incomum, Amigos Inseparáveis é uma comédia. Em geral, você não é associado a papeis cômicos. Como foi encontrar humor neste personagem?
É sempre preciso encontrar humor nos personagens. Isso nos ajuda a enfrentar passagens que são mais trágicas. Sempre me vi como alguém que permite que a graça exista. Até mesmo personagens como Scarface têm humor. Isso torna o drama mais palatável. E a vida também. O humor nos torna humanos.
No início da carreira, você fez stand up comedies. Por que disse que era um trabalho melancólico?
Fiz comédias quando jovem para me ajudar a pagar as contas e encarar minha própria vida, que era repleta de tristezas e áreas sombrias. O humor me ajudou. Ao mesmo tempo, era melancólica esta sensação.
O que ainda o seduz em um personagem hoje?
Varia muito de projeto para projeto. Roteiro é importante. Não penso muito nisso. Às vezes se faz algo porque ‘se está lá’. E é assim que tem de ser.
Em Amigos Inseparáveis, há muitas piadas sobre o fato de como os personagens estão envelhecendo e se aposentando. Você pensa em se aposentar?
Não. Em vez de parar, tudo é mais questão de entender do que a gente é ainda capaz de fazer. E rir de nossas limitações. Às vezes ficamos cansados, mas descobrimos energias novas. Se um papel me interessa, anima ou desafia, não vejo porque não o fazer. E se este papel se distancia de mim no processo, tudo bem. Meus personagens sempre foram extensões de minha vida e de mim mesmo. Não há regras. É preciso seguir o fluxo.
Dirigir também extensão? Sente-se realizado dirigindo?
De forma alguma. Sinto que estou fazendo tudo errado. Às vezes quando faço um filme, vou às sessões testes, para ver como o público vai reagir. Sento no fundo da sala e penso: ‘Espero que algum bom editor pegue este filme e o remonte e faça um filme bom’. Esta é minha fantasia.
Ao mesmo tempo, você é ótimo em descobrir novos talentos.
Sim, mas este é meu mundo. Meu olhar é treinado. Falando agora sério sobre dirigir, eu me divirto sim. E quando um filme está pronto, não é o pior sentimento do mundo. Se é bonito e entretém, o espectador responde a isso. Mas não é como diretor que eu vejo o mundo. Meu olhar é o do ator. É no lugar do ator que encontro minha expressão.
Sendo ator, é mais fácil dirigir?
Quando eu era mais jovem, dirigir era muito mais difícil. Hoje, depois de ter dirigido alguns filmes, entendo melhor os diretores. Entendo o que eles passam com os atores. E entendo melhor a arte do cinema também. E fiz meus filme com meu próprio dinheiro. E foi melhor assim. !uando eu tinha dinheiro, eu senti que era o que devia fazer. Foi uma forma de me livrar do moedor de carne que é ter de fazer tudo sob a pressão de fazer tudo de acordo com a ditadura do ‘prazo’. Muito de nosso trabalho é ditado pelo relógio. E você, como jornalista, sabe do que estou falando. A gente tem de entregar o trabalho de acordo com o tempo da engrenagem de produção. E este tempo afeta como criamos. Fiz Édipo em Nova York há dez anos. Levamos sete meses e meio. E nunca estreamos. Apresentamos para pequenas plateias só. Mas o Édipo que fizemos foi diferente do que teríamos feito se tivéssemos apenas dois meses. É diferente porque pudemos explorar mais. É disso que trata o Actors Studio. E isso foi importante para mim quando dirigi e paguei meus filmes. Não havia alguém batendo no meu ombro dizendo quando tinha que acabar. Spielberg uma vez me disse: ‘Nunca ponha seu próprio dinheiro em um filme seu.’ Ele tinha razão. Mas estou feliz de ter feito.
Faria novamente?
Sim! Vou fazer. Quero dirigir, ou produzir, a história de Modigliani, baseada na peça de Dennis McEntire Gostaria de atuar, mas estou velho para o papel.
Você também está mais velho e mais maduro. A idade o tornou mais fácil de trabalhar, já que ê sempre teve fama de ser difícil?
Definitivamente. As pessoas me dizem isso. Era muito duro quando era mais jovem.
Isso também se traduz na forma como aceita críticas? Porque sempre se referem a você ou como a um Deus ou ‘muito Al Pacino’ para este papel.
Depende de como a crítica é feita. Ouço coisas o tempo todo, mas não ligo mais. uma vez que o trabalho está feito, está feito. Quando estou no meio de um processo, ouço bem críticas, mas depois de pronto, não há porque. Não há mais nada que possa fazer. É inútil. Mantenho uma distância política das críticas.
Você já teve um amigo inseparável?
Sim. Principalmente quando estava crescendo. Sou do Bronx, Nova York, e tive amigos que me protegiam de verdade, com quem eu podia contar. Gostaria que meus filhos tivessem isso. Foi nas ruas que tive minha educação social. Sem amigos, não seria o que sou.
Foi esta lealdade, que está desaparecendo hoje em dia, que o atraiu a este filme?
Não acho que esteja desaparecendo, é só diferente hoje. Ter amigos de verdade sempre foi algo raro. Tive dois ou três amigos muito importantes para a minha vida, que já morreram, mas minha relação com eles sempre foi vívida, um presente. Mas temos outros grandes amigos, pessoas com quem eu poderia ter me casado. E que hoje são grandes amigas. Isso porque transformamos o amor em outra coisa. O amor existe. Está lá. É bom ser amigo de alguém que amamos.
Você fala muito de seus filhos. Até comentou que está cansado porque passou a noite cuidando deles, que estão gripados. Se considera um bom pai, amigo?
Tento ser. Anton e Olivia são gêmeos e estão com 12 anos. Quero fazer parte da vida deles, como não pude fazer da vida de minha filha mais velha, Julie Marie, de 22 anos. Ser pai é algo natural. O que não é muito natural é ser pai solteiro. É mais difícil. Se eu vivesse com a mãe deles, muitas coisas seriam diferentes. Quando não estou filmando, faço questão de levá-los e buscá-los na escola.
É diferente ser pai aos 70 que quando se é mais jovem?
Muito. Aprendi que ser pai não é sobre você. É algo que nos faz distanciar do ego. É gratificante, pois nos faz parar de nos preocuparmos tanto com nós mesmos e doar mais. Não pude estar muito próximo da minha filha mais velha. E fico feliz de ser um pai presente hoje.
Não estava maduro antes?
Não. Ser pai é muito mais sobre como os filhos vêm ao mundo, com quem os temos e onde estamos neste momento. Quando Julie nasceu eu não estava pronto para ser pai. Assumi as responsabilidades. Mas os gêmeos foram planejados. E posso curti-los mais.
O que te dá prazer hoje?
Fazer filmes como este. Não é sempre que ocorre. Neste caso, me divertir foi uma das grandes razões, pois trabalhei com amigos. Cuidar dos meus filhos. E dar palestras. Eu adoro dar palestras. É importante para mim. Relembro e revisito fatos da minha vida e os vejo de uma nova perspectiva. Aprendo sobre eles de uma nova forma. E os compartilho com os mais jovens.
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