segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Cândida"

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Amor, idéias e maçãs


Lionel Fischer


"Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã, e nós resolvermos trocar as maçãs, cada um continuará tendo uma maçã. Mas se você tem uma idéia e eu tenho uma idéia, e nós resolvermos trocar as idéias, cada um terá, ao final, duas idéias". A frase, extraída do programa, é obviamente de autoria de Bernard Shaw. E ali foi inserida pelo diretor Zé Henrique de Paula, conforme declara logo em seguida, para informar ao público que jamais um trabalho por ele dirigido foi tão debatido, discutido, tantas idéias foram trocadas entre todos os participantes. E nada mais aconselhável, posto que o teatro de Shaw é essencialmente um teatro de idéias - e aqui o debate se dá entre socialismo e capitalismo, a decadência da nobreza, a fé religiosa e o amor, dentre outros temas. E já que falamos em amor, voltemos às maçãs.

A protagonista Cândida se vê diante de um impasse. Devotada esposa do reverendo Morell, pastor anglicano de ideologia socialista, tem com ele uma relação serena, porém completamente isenta de paixão. O reverendo seria, metaforicamente, uma maçã verde é ácida. Ao mesmo tempo, encanta-se profundamente por um jovem poeta de 18 anos, com quem ela tem, segundo declara, "epifanias na relva". Marchbanks poderia, então, ser encarado com uma maçã vermelha e calorosa. Entretanto, o impasse acaba sendo solucionado de maneira previsível, como em geral ocorre em todas as épocas, salvo em raríssimas ocasiões.

Em cartaz no Tearo Municipal do Jockey, "Cândida" chega à cena com direção do já citado Zé Henrique de Paula e elenco formado por Bia Seidl (Cândida), Sergio Mastropasqua (Morell), Thiago Carreira (Marchbanks), João Bourbonnais (Sr. Burgess, capitalista insaciável e pai de Cândida), Fernanda Maia (Srta. Prosérpina, secretária do reverendo) e Thiago Ledier( reverendo Lexy Mill, assistente do pastor)

Como já foi dito, Bernard Shaw (1856-1950) estruturou sua obra teatral em cima de idéias, muito influenciado por Ibsen. E por tratar-se de um gênio, todos os pontos de vista que levanta são da maior pertinência, ainda que eventualmente polêmicos ou questionáveis. Ocorre, no entanto, que a extensão de seus textos é tamanha que, mesmo quando um tanto reduzidos, como no presente caso, seria preciso que o ritmo fosse um pouco menos acelerado, para que o espectador tivesse um mínimo de tranquilidade para apreender os conteúdos em jogo. E cumpre registrar que todo o elenco fala com absoluta clareza e perfeita compreensão do que está dizendo. Seja como for, certamente algumas idéias deverão ficar registradas na memória dos que comparecerem ao Teatro do Jokey.

Quanto ao espetáculo, Zé Henrique de Paula impõe à cena uma dinâmica austera e que sabiamente privilegia a palavra e as relações entre os personagens. Só não fica muita clara sua opção por determinadas marcas - evidentemente que fruto de uma decisão estudada -, que levam a reações corporais extremadas e que, em nosso entendimento, não se coadunam com o universo proposto pelo autor, ainda que tais marcas sejam executadas com precisão e convicção pelos intérpretes, que exibem atuações seguras e convincentes, só cabendo lamentar que o rendimento geral seria ainda melhor não fosse a excessiva velocidade da contracena.

Na equipe técnica, Zé Henrique de Paula assina ótima tradução, sendo corretos os figurinos e cenografia também de sua autoria, a mesma correção aplicando-se à direção musical e trilha sonora de Fernanda Maia, e à luz de Fran Barros. Só não entendemos a função desempenhada por Inês Aranha: preparação de atores. Mas preparação em que sentido? Vocal? Corporal? Ou será que coube a Inês ensaiar os atores, como está agora em voga no cinema nacional, com o diretor preocupando-se com outros aspectos da produção?

CÂNDIDA - Texto de Bernard Shaw. Direção de Zé Henrique de Paula. Realização do Núcleo Experimental. Teatro do Jokey. Sextas e sábado, 21h30. Domingo, 21h.

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