sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Orlando ou Um impulso de acompanhar os pássaros até o fim do mundo"


..................................
Obra-prima em excelente versão




Lionel Fischer


No dia 28 de março de 1941, após ter um colapso nervoso, Virgínia Woolf vestiu um casaco, encheu seus bolsos com pedras e entrou no rio Ouse, afogando-se. Seu corpo só foi encontrado no dia 18 de abril. Em seu último bilhete para o marido, Leonardo Woolf, escreveu:

"Querido,
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda a minha felicidade. Você foi bom para mim, como ninguém poderia ter sido. Eu queria dizer isto - todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade, sem igual. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ser tão felizes quanto nós fomos.V."

Escritora, ensaísta, poeta e editora, a britânica Virgínia Wollf (1882-1941) deixou uma obra vasta e diversificada, dentre elas "Orlando - uma biografia", na qual aborda a longa trajetória (três séculos) de um poeta à procura da forma perfeita para seu poema ('O carvalho'), ao mesmo tempo em que investiga a produção literária de seus contemporâneos e tenta conviver com sua dupla sexualidade. 

Aqui rebatizada de "Orlando ou Um impulso de acompanhar os pássaros até o fim do mundo", esta obra magistral chega à cena (Porão da Laura Alvim) com direção e adaptação de Alexandre Rudáh, dramaturgia de Rudáh e Patrícia Niedermeier e colaboração dramatúrgica de Maíra Kesten. Interpretando o monólogo, Patrícia Niedermeier - também escutamos a voz em off de Julia Bernat e vemos em vídeos as bailarinas Fabiana Nunes, Lavínia Bizzotto e Soraya Bastos, com Joaquim Tomé fazendo uma participação especial.

Por tratar-se, como dito acima, de obra magistral, a mesma já mereceu incontáveis ensaios de renomados críticos e pensadores, certamente muito mais qualificados do que eu. Ainda assim, ouso supor que, dentre outras coisas, a autora talvez tenha pretendido empreender uma espécie de exploração dos limites da consciência humana, assim como uma reflexão sobre o efeito do tempo no Homem - trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos.

Seja como for, o espectador terá acesso a uma trama surpreendende, originalíssima, repleta de humor e humanidade. E cuja transposição cênica exibe consistência e criatividade, já que as soluções encontradas pelo jovem diretor Alexandre Rudáh não são impactantes apenas por sua originalidade, mas sobretudo porque estão em sintonia com os principais conteúdos em jogo. Sem dúvida, uma montagem que merece ser prestigiada de forma incondicional pelo público.

Na pele de Orlando, Patrícia Niedermeier evidencia mais uma vez seus vastíssimos recursos expressivos, tanto no tocante ao corpo quanto ao texto articulado. E também mais alguns predicados que merecem ser destacados, tais como sua visceral capacidade de entrega, a inteligência de suas escolhas e - fato nem sempre presente em nossos palcos - a certeza que nos transmite de saber exatamente as razões que a levam, por exemplo, a executar um gesto, prolongar uma pausa ou modular a voz de forma imprevista. Em resumo: o público tem aqui a oportunidade de apreciar um dos desempenhos mais marcantes da atual temporada.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os irrepreensíveis trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Flávio Graff (cenografia), Renato Machado (iluminação), Pedro Tie (trilha sonora), Bruno Cezario (figurinos) e Alexandre Rudáh (concepção e direção dos belíssimos vídeos).

ORLANDO ou UM IMPULSO PARA ACOMPANHAR OS PÁSSAROS ATÉ O FIM DO MUNDO - Texto de Virgínia Woolf. Direção e adaptação de Alexandre Rudáh. Com Patrícia Niedermeier. Porão da Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário