quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Thérèse Raquin"

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Obra-prima em ótima versão


Lionel Fischer


"Na França do século 19, Thérèse Raquin é uma história de adultério, vingança e assassinato, baseada em livro de Émile Zola. Thérèse é casada com o fraco Camille. As coisas se complicam quando um amigo de Camille reaparece do passado para morar com o casal. Thérèse logo se interessa por Laurent, com quem passa a manter um caso extraconjugal. Vendo em Camille o único obstáculo para o amor, os dois resolvem matá-lo, mas eles não contavam com a aparição de seu fantasma, que passa a atormentar seus assassinos".

Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Ana Gaio, "Thérèse Raquin" comemora os 20 anos de estrada da Cia. Limite 151, que já levou à cena 17 espetáculos, quase todos priorizando clássicos da dramaturgia universal. 

Em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim, o espetáculo conta com tradução de Clara Carvalho, adaptação de Nicolas Wrigt e direção de João Fonseca, estando o elenco formado por Gláucia Rodrigues, Lucci Ferreira, Rodolfo Mesquita, Edmundo Lippi, Janaína Prado,  Suzana Faíni e Márcio Ricciardi - este último substituiu, por duas semanas, o ator Rogério Fróes, sendo que o papel passará a ser interpretado, a partir do próximo sábado, pelo ator Élcio Romar.

Uma leitura apressada do parágrafo inicial pode sugerir que estaríamos diante de um dramalhão com conotações assombradas. No entanto, tendo sido escrita por um autor de exceção como Zola
(uma referência do naturalismo literário), é óbvio que a obra nada tem de sobrenatural. Muito pelo contrário, já que investiga não apenas o conturbado universo da paixão, mas sobretudo o da culpa - se os protagonistas fossem completamente amorais, ou padecessem de inegável psicopatia, levariam adiante seu romance indiferentes ao crime que haviam perpetrado. O fantasma em questão, portanto, deve ser encarado como a materialização do remorso.

Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e uma carpintaria teatral de excelente nível - a presente adaptação foi feita a partir da realizada pelo próprio Zola - "Thérèse Raquin" recebeu irretocável versão cênica de João Fonseca. Diretor versátil e totalmente antenado com a modernidade, neste caso Fonseca teve a sabedoria de perceber que o texto não se prestaria a modernosas recriações, que só contribuiriam para comprometer a força do original. Assim, criou uma dinâmica cena sóbria e eficiente, priorizando o que de fato importa: a beleza e contundência do texto e as relações entre os personagens.

Na pele de Thérèse Raquin, Gláucia Rodrigues exibe aqui uma das melhores performances de sua sólida carreira. De ínício trabalhando exemplarmente a desvairada paixão que sente pelo amante, mais adiante a atriz mergulha visceralmente nos aspectos trágicos do papel, valorizando de forma exemplar a culpa que dela se apossa. A mesma eficiência está presente na atuação de Lucci Ferreira, irrepreensível no papel de Laurent - assim como Gláucia, o ator de início nos convence plenamente da paixão que sente pela protagonista, e na parte final valoriza muito bem o remorso do personagem, ainda que o mesmo relute, durante um certo tempo, em aceitar a recusa de Thérèse de levar adiante o romance que gerou o crime. 

Vivendo Madame Raquin, Suzana Faíni é outra fortíssima presença em cena, não apenas na primeira metade da peça, mas também - e sobretudo - quando a personagem sofre um derrame (ao que suponho) e luta desesperadamente para conseguir denunciar os artífices do crime, que por acaso descobrira. Com relação a Rodolfo Mesquita (Camille), Janaína Prado (Luxane) e Márcio Ricciardi (Michaud), todos exibem incontestável competência, ainda que em papéis com menores oportunidades.   

Mas antes de passarmos à equipe técnica, quero parabenizar o grupo pela corajosa decisão de não interromper o espetáculo em função da imprevista doença (já sanada, ou ao menos minimizada) que acometeu Rogério Fróes. Quando assisti ao espetáculo, o ator Márcio Ricciardi fez o personagem com o texto na mão, que eventualmente consultava, sem jamais ocultar este fato, que ao final da sessão foi explicado para a platéia que, diga-se de passagem, não esboçou qualquer reação negativa. Parabéns ao grupo, parabéns ao ator, por esta comovente demonstração de respeito pelo teatro e pelo público.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo o trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Clara Carvalho (tradução), Nicolas Wrigth (adaptação), Natalia Lana e Nello Marrese (cenografia), Ney Madeira, Daniela Vidal e Pati Faedo (figurinos), Wagner Campos (música original e direção musical) e Rogério Wiltgen (iluminação).

THERÉSÈ RAQUIN - Texto de Émile Zola. Direção de João Fonseca. Com a Cia. Limite 151. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h
  

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