segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"O lugar escuro"

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Uma preciosa lição de vida


Lionel Fischer


Descrita, pela primeira vez, em 1906, pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer, o Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa incurável, cujos primeiros sintomas são em geral confundidos com problemas de idade ou estresse. Mais adiante o paciente passa a exibir confusão mental, irritabilidade, agressividade, alterações de humor, falhas na linguagem, perda de memória a longo prazo e finalmente desliga-se completamente da realidade.

O presente texto, de Heloísa Seixas, é baseado em seu livro homônimo, publicado em 2007, que tem como tema central a doença que acometeu sua mãe. No entanto, e ainda que possa estar completamente equivocado, o que me parece mais relevante não é tanto a evolução da doença, mas os sentimentos (não raro insuspeitados) que ela faz aflorar na família - como não li o livro, estou me baseando nos três personagens que estão em cena: a avó, sua filha e sua neta. 

Com direção assinada por André Paes Leme, "O lugar escuro" (Espaço Sesc) chega à cena com elenco formado por Camilla Amado (avó), Clarice Niskier (filha) e Laila Zaid (neta).

Como bem assinala o diretor no programa oferecido ao público, o espetáculo constitui-se de quatro tempos: presente, passado, memória e fantasia. Isto significa que não estamos diante de uma narrativa estruturada de forma linear, o que faculta uma permanente alternância de fatos e climas emocionais.

Um pouco acima disse que, do meu ponto de vista, a progressão da doença não seria o ponto nevrálgico do texto e sim todos os sentimentos que afloram a partir do amargo diagnóstico, tais como, dentre outros, culpas, mágoas, rancores, ciúmes da filha em relação ao irmão que sopostamente a mãe preferia e que nunca esteve presente, enquanto ela segurou sozinha uma situação tão desesperadora. 

No entanto - e aqui reside o que de mais emocionante o texto possui  - a partir de um certo momento os sentimento negativos vão sendo  minimizados e alguns deles completamente aplacados, pois a filha acaba encontrando uma forma mais tranquila de se relacionar com a mãe e, como não poderia deixar de ser, consigo mesma. O que durante muito tempo restringiu-se ao campo da amargura ganha cortornos de inesperada paz.

E se por um lado é verdade que essa doença ainda não tem cura, por outro é inegável que pode gerar importantíssimas transformações naqueles que cuidam do doente. No fundo, é como se Heloísa Seixas nos dissesse: "Só pode conhecer a luz aquele que um dia esteve mergulhado nas trevas". Uma bela peça, sem dúvida, e mais ainda porque nos faculta uma preciosa lição de vida.

Quanto ao espetáculo, André Paes Leme impõe à cena uma dinâmica sem marcações muito rígidas, conferindo à arena do Espaço Sesc uma salutar conotação de liberdade - é claro que existem marcas, mas em nenhum momento as sentimos como marcas, o que nos dá sempre a sensação de que as atrizes estão se movimentando em função de seus impulsos. Tarefa delicada e sutil, sem dúvida, mas muito bem sucedida.

Na pele da avó, Camilla Amado demonstra, uma vez mais, não apenas seus vastíssimos recursos expressivos e sua imensa capacidade de entrega, mas também a inteligência de suas escolhas - 
uma vez somados, tais atributos me parecem suficientes para afirmar, sem nenhuma hesitação, que Camilla Amado é uma das mais brilhantes atrizes deste país. Vivendo a filha, Clarice Niskier exibe predicados semelhantes, e consegue materializar na cena toda uma vasta e diferenciada gama de sentimentos, a todos eles imprimindo total verdade. Encarnando a neta, Laila Zaid se sai muito bem em papel de menores oportunidades.

Com relação á equipe técnica, Renato Machado assina uma iluminação deslumbrante, que acompanha e reforça com notável sensibilidade todos os climas emocionais em jogo. Carlos Alberto Nunes (cenografia), Kika Lopes (figurinos) e José Maria Braga (direção musical) contribuem de forma decisiva para o sucesso do espetáculo, o mesmo aplicando-se à direção de movimento de Joice Niskier e à preparação vocal de Rose Gonçalves.

O LUGAR ESCURO - Texto de Heloísa Seixas. Direção de André Paes Leme. Com Camilla Amado, Clarice Niskier e Laila Zaid. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h30. Domingo, 18h30.
  


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