quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Teatro/CRÍTICA


"Oportunidade rara"

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Rara oportunidade


Lionel Fischer


"A peça trata do caminho que o Brasil está construindo para se tornar um bom lugar para se viver na Terra. São cinco pequenas peças teatrais que animam a idéia de que o mundo e o brasileiro vivem uma ocasião única. Temas da vida diária - a existência como um lance de ouro; a necessidade de outro projeto de humanidade; o país com suas questões básicas insolúveis - são abordados nos cinco episódios através de personagens que sentem, observam, descobrem, criam uma chance em mil no seu quintal e no vasto universo".

O trecho acima, extraído do programa e assinado por Hamilton Vaz Pereira, sintetiza a opinião do autor sobre "Oportunidade rara", em cartaz no Teatro dos Quatro. Com direção também assinada por Hamilton, o espetáculo tem elenco formado por Lena Brito, Bel Kutner, Luana Martau e Saulo Rodrigues, que dividem a cena com uma banda formada por Iuri Brito, Thomás Jagoda, Guilherme Lírio e Pedro Fonte - Hamilton também está no palco, cantando músicas de sua autoria que introduzem as pequenas peças e enfatizam os diversificados climas emocionais em jogo.

Composto, como já dito, de cinco episódios - "Humanidade suicida", "Malditos filhos de Adão", "Business e saúde corporal", "Bonito" e "Volta depressa" -, não sei até que ponto os espectadores que lerem o que Hamilton escreveu no programa encontrarão sua justa correspondência no texto encenado. Caso isto se dê, ótimo. Não sendo assim, não enxergo aí o menor problema. E pelas razões que se seguem.

Como conheço Hamilton desde o tempo em que estudamos juntos no Tablado e tendo acompanhado toda a sua trajetória artística, não hesito em afirmar que, dentre suas muitas virtudes, duas me parecem essenciais: sua singular capacidade de criar textos como fragmentos aparentemente isolados e depois a eles conferir unidade, e fundamentalmente seu notável talento para mesclar o real e o imaginário, o que confere a quase tudo que faz uma transbordante teatralidade. No presente caso, o exemplo mais significativo do que acabo de dizer - em especial no que diz respeito à segunda virtude de Hamilton - pode ser apreciado no episódio "Bonito".

Aqui estamos diante de duas sócias falidas de uma confecção de biquínis. Surge um potencial comprador endinheirado, oriundo de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ele é quase um caipira. Pouco antes da entrada deste personagem, as sócias Matilda e Marocas fumam um baseado e recordam uma viagem que fizeram à Grécia, onde viveram curiosas peripécias. Teria mesmo havido esta viagem? Pouco importa. O fato é que, ante a iminência de perder o poderoso cliente, elas decidem (e conseguem) envolvê-lo por completo na bizarra odisséia grega, a ponto de o comprador não resistir ao apelo de trocar sua roupa, fantasiar-se de turista e viver efetivamente o jogo proposto.

Pois bem: um espectador, digamos, ainda aferrado à vetusta idéia de que o teatro deve reproduzir a realidade, haverá de espantar-se e ruminar com seus botões: "Isso não acontece na vida". E certamente que não, posto que a função primordial do teatro não reside em copiar a vida, mas em recriá-la. O que aqui merece ser destacado é a forma delirante e inventiva com que Hamilton brinca com o jeitinho brasileiro de encontrar alternativas para situações aparentemente sem saída. Este é, sem a menor dúvida, um de seus melhores textos.

Quanto aos demais, todos eles exibem o refinado e crítico humor de Hamilton Vaz Pereira, os mesmos predicados presentes em sua direção - ágil, inventiva, sempre surpreendente e irretocável no tocante aos tempos rítmicos. E a tais méritos acrescento sua ótima participação junto ao elenco.

Vivendo vários e diversificados personagens, Lena Brito, Bel Kutner, Luana Martau e Saulo Rodrigues exibem notável versatilidade e uma alegria de estar em cena que só é possível quando todos acreditam totalmente no projeto e dele se tornam cúmplices. E essa energia tão positiva certamente contagia a platéia - falando apenas em meu nome, quero deixar claro que me diverti do começo ao fim e caso fossem apresentadas mais duas ou três histórias, acredito que meu prazer só faria aumentar, assim como me veria estimulado a refletir sobre mim mesmo e sobre a realidade que me cerca.

No tocante à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta rara oportunidade -  Hélio Eichbauer (cenografia), Jorginho de Carvalho (iluminação), Antonio Medeiros (figurinos), Laís Rodrigues (vídeo) e Melanie Dimantas (colaboração dramatúrgica). Cumpre ainda ressaltar a excelência da banda, as ótimas canções de Hamilton e sua bela voz, que em algum momento do espetáculo - não sei por que razões - concluí ser a resultante de uma mescla das vozes de Zé Ramalho e Caetano Veloso.

OPORTUNIDADE RARA - Texto e direção de Hamilton Vaz Pereira. Com Lena Brito, Bel Kutner, Luana Martau e Saulo Rodrigues. Teatro dos Quatro. De segunda a quarta, 21h.           

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