sexta-feira, 15 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA


"Vestido de noiva"


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Frenético e alucinatório carrossel


Lionel Fischer


Como se sabe, o moderno teatro brasileiro começou com a antológica montagem de "Vestido de noiva", em 1943, no Theatro Municipal. E isto se deve, por um lado, à extraordinária versão do encenador polonês Ziembinski, que conseguiu conferir notável e revolucionária teatralidade à obra de Nelson Rodrigues. Mas tal êxito também deve ser creditado à peça de nosso maior autor, não menos extraordinária do que a referida encenação.

Estruturada em três planos, no da realidade vemos a protagonista Alaíde sendo operada em um hospital, vítima de atropelamento. No plano alucinatório, Alaíde entra em contato com madame Clessi, prostituta assassinada por seu amante de 17 anos. E a relação entre ambas introduz a memória, que pouco a pouco leva Alaíde a recordar-se de sua relação com a irmã Lúcia, que com ela disputara o amor de Pedro. E muitos outros episódios se mesclam, mas me abstenho de revelá-los pois isso privaria o leitor/espectador de desconcertantes surpresas contidas nesta trama magistralmente arquitetada.

Em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, "Vestido de noiva" chega à cena com direção de Renato Carrera e elenco formado por Andreza Bittencourt, Rita Elmôr, Felipe Koury, José Karini, Rodolfo Mesquita, Hugo Germano, Maria Clara Herz, Patrícia Pinho, Dani Ornellas e Isabel Pacheco.

Por estarmos diante de uma obra-prima já exaustiva e brilhantemente analisada pelos mais renomados críticos deste país, assim como por não menos renomados psicanalistas, julgo dispensável tentar acrescentar algo a tudo que já foi dito, limitando-me apenas a ressaltar meu assombro ante a capacidade de Nelson de retratar aspectos obscuros da classe média e também a forma como trabalha os sentimentos de culpa. Isto posto, vamos ao espetáculo.

Não sei se foi esse o objetivo do encenador, mas me parece que Renato Carrera optou por imprimir à cena uma dinâmica algo operística, exacerbando ao máximo todos os conflitos e imprimindo à montagem um ritmo avassalador, impregnado de urgência, como se tudo ocorrese numa atmosfera de pesadelo, não facultando ao espectador outra opção a não ser a de integrar-se ao frenético e alucinatório carrossel de emoções expostas. Posso estar equivocado, naturalmente, mas ainda que esteja o fato é que me envolvi por completo com esta corajosa e ousada leitura da peça. E não reluto em afirmar que a presente encenação se insere entre as mais interessantes da atual temporada.

Com relação ao elenco, Andrezza Bittencourt faz uma Alaíde poderosa, de felina agressividade, trabalhando igualmente bem tanto as passagens mais angustiadas quanto aquelas em que a perplexidade predomina. A mesma eficiência se faz presente na atuação de Rita Elmôr na pele de Lúcia - a triz consegue valorizar, com a mesma potência, a inicial fragilidade da personagem e sua posterior perversão. José Karini, que vem de excelente performance em "A serpente", do mesmo autor, revela uma vez mais sua total identificação com o universo rodriguiano - o Pedro a que dá vida, exemplar canalha, certamente haveria de ser apaludido por Nelson. Vivendo madame Clessi, Patrícia Pinho exibe uma atuação refinada, plena de constrastes vocais, corporais e rítmicos. Sob todos os pontos de vista, uma performance brilhante.

Quanto a Felipe Koury (pai, médico, malandro), Rodolfo Mesquita (jornalista, transeunte, cara do velório e médico), Hugo Germano (Alfredo Germon, médico, prostituta), Maria Clara Herz (D. Laura, prostituta do cabaré, transeunte), Dani Ornellas (prostituta, mãe de Alfredo Germon, testemunha, transeunte) e Isabel Pacheco (mãe de Alaíde, transeunte, prostituta), todos exibem atuações seguras e convincentes, que muito contribuem para o êxito do espetáculo.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas contribuições de todos os profissionaius envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - André Sanches (cenário), Daniele Geammal (figurinos), Alexandre Elias (trilha sonora), Renato Machado (iluminação), Flavio Souza (visagismo) e Felipe Koury (direção de movimento).

VESTIDO DE NOIVA - Texto de Nelson Rodrigues. Direção de Renato Carrera. Com Andreza Bittencourt, Rita Elmôr, José Karini, Patrícia Pinho e grande elenco. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a domingo, 19h.

        

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Apareci lá para ver a peça, no teatro Ginástico... e vi tudo... a carpintaria do diretor, a coragem do elenco e saí, como se deve ao assistir qualquer montagem deste dramaturgo... deliciosamente assombrado por Nelson Rodrigues e sem pecados!!! Uhuuuuuu!!! Vestido de Noiva foi fomidavel!!!!!!

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