quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Um novo porto seguro para
o Théâtre du Soleil
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·         Em visita ao Rio, a diretora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine inicia parceria com o Armazém da Utopia que servirá de base a atividades do grupo na cidade
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LUIZ FELIPE REIS (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
Publicado:22/07/13

Ariane
RIO — Assim que pôs os pés no Armazém da Utopia, o galpão de número 6 localizado na Zona Portuária do Rio, Ariane Mnouchkine passou um bom tempo em silêncio, observando o lugar e antevendo suas possibilidades de ação ali. A amplidão do espaço, o pé direito alto e a estrutura arquitetônica fabril não poderiam deixar de remeter à Cartoucherie, antiga fábrica de armamentos parisiense que, desde 1970, se tornou a sede oficial do Théâtre du Soleil. A convite de Luiz Fernando Lôbo, diretor da Cia. Ensaio Aberto, que ocupa há dois anos e meio o Armazém, Ariane esteve ali na última quinta-feira para estabelecer o início de uma futura parceria entre as duas companhias.

O que ambos planejam é transformar o Armazém da Utopia numa espécie de casa extraoficial do Soleil na cidade. Ao lado da produtora Maria Júlia, responsável pelas duas últimas encenações da companhia no país — “Les éphémères” (2008) e “Os náufragos do Louca Esperança” (2011), que gerou um filme dirigido por Ariane, com lançamento previsto para este ano — Ariane e Lôbo planejam intensificar a presença de artistas do Soleil no Rio para a realização de oficinas, além da encenação de espetáculos do repertório do grupo e também da Aftaab, um grupo-filhote do Soleil criado há dez anos em Kabul, no Afeganistão.

— Aftaab quer dizer sol em afegão, e é o que chamamos de satélite, um grupo integrado à dinâmica do Soleil. Hoje em dia eles têm cinco peças no repertório, e a ideia é trazer uma delas para cá — diz a atriz Juliana Carneiro da Cunha, parceira de Ariane e atriz do Soleil há 22 anos.

— É um grupo de 17 artistas com suas famílias — diz Ariane sobre os afegãos que vivem em trailers nos arredores da sede do Soleil. A companhia ocupou o galpão em Paris em 1970.

Lôbo, que conduz uma série de atividades formativas e encena as peças da Ensaio Aberto no Armazém, acredita que a trajetória dos grupos se relaciona não só teatralmente, mas pelo modo como ambos transformaram espaços públicos ociosos e abandonados em pólos culturais, além de servir como sede de seus grupos.

— Lutamos muito para conseguir ocupar esse galpão, que estava completamente abandonado. Passamos os últimos dois anos e meio transformando-o num espaço de formação e criação. Agora, nosso objetivo é integrá-lo cada vez mais à cidade — diz. — Do mesmo modo que já recebemos diversos festivais, queremos abrir espaço para residências e intercâmbios com companhias internacionais, e o Soleil é a prioridade. Ele vai nos ajudar muito como exemplo. Estamos num momento em que a cidade precisa repensar a questão cultural e formular políticas públicas que mantenham os grupos trabalhando e com suas sedes funcionado.

Prestes a completar 50 anos de atividades, em 2014, o Théâtre du Soleil tem sua história ligada à Cartoucherie desde 1970. Até ali, Ariane Mnouchkine já havia dirigido cinco montagens, mas continuava sem uma sede. Drama de todo grupo que planeja um trabalho contínuo, a busca pela casa própria acabou num ato de ousadia. Ao deparar com diversos galpões abandonados no bosque de Vincennes, em Paris, Ariane escolheu um, entrou e nunca mais saiu de lá.

— Às vezes, os artistas precisam ocupar os espaços. E toda ocupação artística é uma espécie de fertilização. Já o capital, por exemplo, geralmente não pensa em fertilização, mas em comercialização. Então o que fizemos com a Cartoucherie foi um processo de fertilização.

À época, para conseguir encenar o espetáculo “1789” na Cartoucherie, Ariane conseguiu um documento forjado dentro da prefeitura de Paris que “autorizava” a permanência do grupo.

— Não tinha nada de oficial, mas quando vinham tentar nos tirar eu mostrava o papel e eles voltavam para a prefeitura para tentar saber que documento era aquele. Nesse meio tempo, a peça fez tanto sucesso que foi impossível nos tirarem dali. Imagina, eles queriam transformar a Cartoucherie num aquário de tubarões.

Ao lado de Ariane, Lôbo se entusiasma:

— Até hoje é assim, ou a cultura ocupa ou não consegue. O governo não cede.

E Ariane toma a palavra final:

— Desde a primeira vez que vim aqui, em 1993, sempre ouço dos artistas que o país não tem uma política cultural, e aí me pergunto: “Mas como vocês não fazem um movimento tão forte que faça finalmente esse dinheiro existir?” — diz. — É preciso fazer entender que a arte é primordial para o progresso social e para a educação. Falo com veemência, sabendo que venho de um país privilegiado, mas que se mantém deste jeito porque a luta é de todo instante. Artistas precisam sempre lutar pela solidificação do teatro público e pela manutenção da educação artística nas escolas. É fundamental.



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