O teatro na Suécia
Antonio Gilberto
Na atualidade, a Suécia possui três teatros nacionais e 27 estaduais e municipais, assim como mais de 100 grupos e unidades de produção independentes, sendo que metade destes grupos recebem subvenções e apoios de fundos públicos. Existe ainda uma série de teatros privados e comerciais.
Dos nove milhões de habitantes do país, cerca de quatro milhões freqüentam os teatros, o que permite um contato com quase todas as formas de arte dramática: peças clássicas, assim como obras dramáticas suecas e estrangeiras de recente criação; musicais para crianças e jovens; óperas, operetas e comédias musicais; teatro de entretenimento e revistas; ballet, teatro de marionetes e teatro ao ar livre.
O rei Gustaf III, chamado “o rei do teatro”, mandou construir dois teatros nacionais no final do século XVIII visando criar uma arte cênica em língua sueca. Em 1773, funda o Teatro Real (atualmente Ópera Real), seguido, em 1788, do Real Teatro Dramático, ambos situados em Estocolmo e hoje em grande atividade.
Política cultural
Nos anos 20 se acelerou a industrialização da Suécia, e a partir daí, entre 1921 e 1954, foram fundados vários teatros municipais em distintas regiões do país: Helsingborg, Götenborg, Malmö, Norrköping/Linköping, Uppsala e Boräs.
Nas décadas de 60 e 70 foram criados os teatros estaduais, seguindo a nova política cultural estatal de 1974, cujo objetivo era ter uma instituição teatral em cada estado. Objetivo que foi atingido quase totalmente. E paralelamente, surgiram os “grupos livres”, com uma orientação política e artística bastante radical. No final dos anos 70, estavam em atividade cerca de 250 desses grupos, que representavam todas as formas de teatro, incluindo o infantil e o juvenil.
Templo
O Dramaten, como é chamado o Kungliga Dramatiska Teatern (Real Teatro Dramático), o maior templo do teatro em Estocolmo, foi fundado por Gustaf III em 1788. Este rei, que desde a infância demonstrou grande paixão pela arte de representar (aos dez anos escreveu sua primeira peça), tinha como ambição “estabelecer um palco nacional, onde os textos dos dramaturgos suecos fossem representados por atores suecos, para benefício da língua sueca e do gosto do povo.” Este teria um teatro equivalente à Comédie-Française.
Na fase inicial vários autores nacionais foram apresentados, inclusive sete peças do rei foram encenadas no Dramaten, antes de sua morte, em 1792. Mas a realidade mostrou o quanto era difícil a tarefa de apresentar somente peças de autores suecos e logo começaram a ser encenadas obras estrangeiras, principalmente francesas. A partir da segunda metade do século XIX, uma vital dramaturgia sueca começou a emergir.
Esperança
Mas as esperanças do rei só se realizaram com Strindberg, que se tornou um dos mais importantes escritores dramáticos da língua sueca - a partir dele surgiram notáveis dramaturgos, como os vencedores do Prêmio Nobel Selma Lagerlöf, em 1909, e Harry Martinsson (1974); e mais recentemente Lars Forsell, Per Olov Enquist e Lars Norén.
O rei Gustaf também teve o mérito de perceber que o sucesso dos textos suecos nos palcos dependia da interpretação dos mesmos por atores talentosos. E para contribuir na formação destes profissionais, fundou em 1787 a Escola Drama, onde os alunos aprendiam recitação, canto e dança.
A escola
Formou inúmeros atores, como Alf Sjöberg - aluno na classe de 1922 e também diretor de 138 peças. Desta turma também fez parte Greta Garbo. Ela abandonou o curso em 1925 para seguir carreira na América. Outra sueca que realizou sua formação na escola do “Dramaten”, e que ganhou sucesso internacional a partir de sua carreira em Hollywood, foi Ingrid Bergman.
A escola ensinava uma técnica específica baseada na tradição francesa do século XVIII: mímica, postura, dicção e recitação. O mais valioso, provavelmente, foi o estreito contato dos alunos com performances diárias e com os grandes nomes da atuação da época. Os estudantes eram obrigados a trabalhar como extras ou em papéis menores sempre que necessário. Assim experimentavam na prática suas aptidões e testavam sua vocação. Tradição e conhecimento foram transmitidos dessa forma de uma geração à outra, até alguns anos atrás, quando o treinamento foi levado para o palco itinerante.
Estrelas
Podemos citar ainda, como ex-alunos do Real Teatro Dramático, inúmeros atores, alguns conhecidos no Brasil graças aos filmes de Ingmar Bergman, como: Eva Dahlbeck (Sorrisos de uma noite de verão), Max von Sydow (O sétimo selo), Bibi Andersson (Persona), Gunnar Björnstrand (Luz de inverno) e Ingrid Thulin (Gritos e sssurros).
Se o século XIX pertenceu às grandes estrelas, o século XX foi o período dos diretores. Além de Alf Sjöberg, podemos citar Olof Molander - lembrado inicialmente por suas interpretações de textos de Strindberg, participou como ator e/ou diretor de 118 produções no Dramaten - e Ingmar Bergman, conhecido mundialmente como cineasta, e que trabalha neste teatro desde 1951 (com alguns pequenos intervalos), tendo sido diretor-chefe da casa de 1963 a 1966. É importante lembrar que Bergman já havia dirigido os teatros municipais de Helsingborg (1944/1946), Göteborg (1946-1949) e Malmö (1954-1960), ao mesmo tempo em que trabalhava como cineasta.
Maria Stuart
Atualmente, Bergman dirige um espetáculo por ano e na temporada de 2001 encenou Maria Stuart, de Schiller. No grande elenco destacavam-se Lena Endre, como Elizabeth (o público brasileiro teve a oportunidade de conferir seu talento no filme Infiel, direção de Liv Ullmann); Pernilla August, como Maria Stuart (que conhecemos dos filmes Melhores intenções e Jerusalém, ambos dirigidos por Bille August); Gunnel Lindblom no papel de Anna Kennedy (atriz de vários filmes de Bergman, como O silêncio); e Erland Josephson como Melvin (o ator protagonizou, com Liv Ullmann, o filme Cenas de um casamento).
Uma curiosidade: Erland Josephson - contratado do Dramaten desde 1956 e tendo em seu curriculum (teatro, cinema, tv e rádio) mais de 200 títulos, substituiu Bergman na direção do teatro de 1966 a 1975. Nesta temporada, Bergman dirigiu para o Dramaten Fantasmas, de Ibsen (a montagem estreou dia 9 de fevereiro).
Casa de Baile
O primeiro prédio do Real Teatro Dramático foi a Casa de Baile, restaurada, situada perto do Castelo Real. No final de 1700 o prédio se apresentava em péssimas condições, fazendo com que o Dramaten fosse transferido para um palácio do século XVII, chamado de “o inigualável”. Ali permaneceu por mais de 25 anos, até se mudar para a Ópera Real, após o espaço ter sido destruído por um incêndio.
No entanto, apesar da beleza da Ópera Real, este teatro não era adequado para o drama falado. Então, em 1863, o rei Carl XV comprou a propriedade particular de Mindre Teatern, em Kungsträndgarden. O local era ideal para as peças de suspense que estavam na moda naquela época e nele os atores podiam apurar a forma realista de interpretação necessária para os dramas.
Elegância
Desde 1908, o Real Teatro Dramático está situado na Nybroplan, num dos prédios Art-Nouveau mais elegantes da capital. Peças são representadas em seis palcos distintos, sendo que cinco estão no prédio da Nybroplan:
Stora Scenen - a maior sala, com 805 lugares.
Lilla Scenen - pequena sala localizada no anexo do prédio principal.
Mälarsalen - espaço experimental com capacidade para 200 lugares, com platéia móvel.
Fyran - espaço experimental.
Lejounkulan - pequena sala usada para montagens infanto-juvenis.
A sexta sala, a Elverket, criada em 1997, se localiza em uma antiga estação de eletricidade (Linnégatan, 69) que estava abandonada e foi reformada para abrigar o teatro.
Herança
Todas essas salas funcionam ao mesmo tempo, de segunda a segunda, com um rodízio de repertório, mudando a programação de dois em dois dias, utilizando atores fixos e convidando outros e diretores estrangeiros para participarem de suas produções.
Contando com formidável infra-estrutura (que envolve a confecção de cenários, figurinos, adereços, material gráfico, etc) dentro do prédio principal e do seu anexo (que abriga também a biblioteca e o arquivo do teatro), o Dramaten favorece a divulgação de uma herança clássica, bem como o incentivo à experimentação do teatro moderno sueco. Afora exibir algumas de suas produções pelas principais cidades do mundo. Em 2001, Sonata dos espectros, de Strindberg, dirigida por Bergman, foi apresentada no Brooklyn Academy of Music de New York, em língua sueca com tradução simultânea pelos fones de ouvido.
Operan
A Ópera Real tem se destacado por formar cantores que se converteram em estrelas internacionais, tais como Birgit Nilsson, Elisabeth Söderström, Ingvar Wixell e Gösta Winbergh. A Ópera é também sede do Ballet Real da Suécia. Com 75 bailarinos, é a maior companhia de dança do país e o quarto corpo de baile do mundo pela sua antigüidade.
Riksteatern
O Teatro Nacional Itinerante, financiado pelo estado, realiza exclusivamente produções para excursionar. Foi fundado em 1934, como parte da política social-democrata para difundir a cultura por todo o país. Fazendo em média 1.700 apresentações em 300 locais, incluindo pequenos municípios, esse teatro pode satisfazer a um grande público, que do contrário dificilmente teria oportunidade de assistir a um espetáculo de teatro.
Além do repertório clássico e moderno, o Riksteatern exibe obras do teatro musical. O teatro infantil também está presente e desenvolve uma atividade própria, bastante reconhecida, que muito tem revelado em termos desta dramaturgia específica. Este teatro realiza um trabalho multicultural, que conta com a participação de artistas estrangeiros, com o objetivo de fundir as manifestações culturais suecas e internacionais. Também realiza produções com o grupo Teatro Silencioso (Tyst Teater), mesclando atores surdo-mudos com atores sem esta deficiência. Outro grupo de trabalho, o Riks Finlandês (Finska Riks), atua em finlandês para uma grande parte da população que fala esta língua na Suécia.
O Teatro Nacional Itinerante é também a sede do Ballet Cullberg, fundado em 1967 pela bailarina e coreógrafa Birgit Cullberg. Essa companhia de dança, considerada uma das melhores do mundo, esteve no ano passado no Rio de Janeiro, apresentado O lago dos cisnes, com coregorafia de Mats Ek.
Outros espaços
O Teatro Municipal de Estocolmo (Stockholms Stadsteater), situado na Casa da Cultura, na Praça Sergels Torg, conta com vários espaços cênicos e um repertório muito variado, especialmente voltado para obras contempoâneas, tanto suecas como estrangeiras. Também abriga um dos teatros infantis e juvenis mais importantes da Suécia, o Jovem Clara (Unga Klara), dirigido há muitos anos por Suzanne Osten. Faz parte do Teatro Municipal o Teatro dos Parques (Parkteatern), que no verão se apresenta gratuitamente em espaços abertos. O Teatro Municipal também é itinerante, levando seus espetáculos para subúrbios com maior deficiência cultural.
Outro teatro municipal de destaque se localiza na segunda mais importante cidade da Suécia, Götenborg, que apesar das dificuldades que enfrenta atualmente, teve grande destaque durante a Segunda-Guerra Mundial, quando se notabilizou por exibir um repertório antinazista. A cidade ainda tem a sua Ópera (Göteborgs Operan) e seu teatro popular, o Folkteatern.
Na cidade de Malmö destacam-se o Malmö Musikteater, que tem em sua programação ópera, opereta, comédias musicais e ballet, e o Malmö Dramatiska Teater, considerado por muitos como o teatro mais interessante da Suécia, principalmente por suas modernas montagens de obras clássicas, como Lulu (1995), de Franz Wedekind.
Praticamente todos os estados/regiões possuem uma instituição teatral, subvencionada pelo Estado. Podemos citar ainda o Helsingborgs Stadsteater, o teatro municipal mais antigo do país (1912), o Byteatern , da cidade de Kalmar, que trabalha com uma mescla de marionetes e atores, e a Folkoperan (Ópera Popular) de Estocolmo, que é uma alternativa com seu repertório e estilo de encenação pouco convencionais.
Uma posição especial é a que tem o Teatro do Palácio de Drottningholm (Drottningholms Slottsteater), uma vez que é o único teatro original do século XVIII que está completamente conservado. Construído em 1766, tem sido utilizado para ópera, canto e ballet dos períodos do barroco e rococó. Em 1991, junto com o palácio de Drottningholm – residência atual da família real sueca – foi declarado pela UNESCO parte do Patrimônio Cultural da Humanidade.
Grupos livres
Os principais grupos livres de teatro se encontram nas três maiores cidades (Estocolmo, Götenborg e Malmö), porque nelas se concentra uma maior competência em todos os setores das artes cências. Normalmente abrigam produções de vanguarda, que mesclam teatro, artes plásticas, música, vídeo, etc.
Teatro privado
O teatro completamente privado, ou seja, “comercial”, ganha terreno na Suécia, e apresenta sobretudo farsas, comédias e musicais.
Teatro infantil
Apesar de seus problemas econômicos, o teatro infantil sueco continua servindo como referência e inspiração para o mundo. Abriga autores como Steffan Göthe, diretores como Suzanne Osten e Eva Bergman, e tem realizando um trabalhode formação de platéia, fundamental para a continuidade da forte tradição teatral do país, e de grande estimulo para o surgimento de novas pesquisas estéticas na área das artes cênicas.
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Antonio Gilberto é diretor e produtor teatral
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