quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014








PÓS-MODERNO (TEATRO)

Designa-se como pós-moderna a produção cultu­ral
nascida na era pós-industrial, genericamente engolfada 
pela lógica do capitalismo tardio e situa­da no contexto 
das sociedades altamente tecnoló­gicas do Ocidente. 
Verificou-se que, após os anos de 1950, manifestações
como a arquitetura, a dan­ça, a música e o cinema
passaram a fornecer procedimentos de linguagem 
para as incontáveis no­vas mídias surgidas com a 
revolução cibernética, propiciando um amálgama 
de novos e inusitados formatos expressivos. 

Tais fatores engendraram uma pluralidade de
manifestações junto à área artístico-cultural, 
dificultando as generalizações ou agrupamentos
em séries; sugerindo o desenvolvimento de novas
formas de conhecimento, de vida e comportamento, 
em que a questão dos gêneros afirmou-se e 
transformou-se em motor de (novas) proposições. 

Como resultante, obser­vamos uma cultura que
manifesta caráter anti­totalitário e não-hegemônico, 
nos antípodas das posturas que demarcaram o 
advento da modernidade. As dimensões social, 
cultural, industrial, arquitetural, técnica, de engenharia 
e sistemas operacionais surgem fundidas, 
consubstanciando corporações, holdings e tradings 
como seus mais elo quentes paradigmas 
de manifestação.

Neste ambiente sociocultural ultradesenvol­vido, novos
procedimentos de linguagem mar­cam presença, 
estreitando o antigo fosso entre uma cultura erudita e 
outra de massa, tais como a intertextualidade, a citação,
a paródia*, a ironia, o humor, o entretenimento, a
desconstrução de todos os discursos instituídos. 
Apontam eles para a falência das meganarrativas
do passado (o que fará com que sejam redimensionadas
as ciências humanas), recobrindo todas as estruturas 
com a pátina do cotidiano, provocando descrença nas 
utopias que impulsionaram o advento da moder­nidade. 
Do ponto de vista da recepção, opera-se uma 
revalorização do espectador, abordado atra­vés de 
uma retórica que privilegia a nova sensibi­lidade -
aberta, provisória, capaz de deslocamento rápido entre
múltiplos estímulos simultâneos.

As artes cênicas assistirão, a partir de 1950, ao
surgimento do happening: e da performan­ce* como 
procedimentos modelares destas novas configurações. 
A atitude experimental que lhes é subjacente ganhará 
impulso, apontando o teor vanguardista com que surgiram. 
Insuflarão gru­pos como o Living Theatre, o Open-Theatre 
ou o Performing Group, nos EUA; assim como, do ou­tro 
lado do Atlântico, fornecerão os procedimen­tos de base
mobilizados por Tadeusz KANTOR e Jerzi GROTOVSKI.
O caráter gestual inerente à action painting e à body-art 
muito em breve con­taminará a dança, e esta, as demais 
manifestações cênicas, conformando novos modelos,
apoios e técnicas para a abordagem da interpretação.
O resultado desses processos será o 
redimensiona­mento da noção de representação, 
que trabalha agora com fenômenos de mestiçagens 
e hibridi­zações, sem fronteiras demarcadas: é o
 work in progress em franco desenvolvimento.

Uma dramaturgia que se assume fora do
tex­tocentrismo nasce com as experiências de criação 
coletiva privilegiadas por inúmeras equipes artís­ticas. 
O pensamento de ARTAUD ressurge com ímpeto ao longo
da década de 1960, assim como as práticas ritualísticas,
a ensejarem um teatro per­formático como preconizado 
por SCHECHNER e CHAIKIN. O teatro de imagens 
ganhará relevo com Robert WILSON e Richard
FOREMAN, de­pois de 1970.

Macunaíma, espetáculo de ANTUNES FILHO de 1978,
pode ser considerado o marco instaura-dor da pós-
modernidade no Brasil. Associando códigos da 
intertextualidade, da paródia, da ironia, do humor, 
soube preencher o palco nu com signos impactantes, 
a oferecerem uma nova face ao ho­mem brasileiro, 
assim como a instauração de um renovado padrão de 
eatralidade. Junto ao Centro de Pesquisa Teatral CPT, 
ANTUNES dedicou-se a criações de fôlego: 
Nelson Rodrigues, o Eterno Re­torno (1980), Romeu 
e Julieta (1984), Paraíso Zona Norte (1989), Trono 
Manchado de Sangue-Macbeth (1992), Vereda 
da Salvação (1993).

Em 1982, inúmeros artistas foram reunidos em
"14 Noites de Performances", num megaeven­to 
promovido pelo SESC-SP, e pela FUNARTE, cuja 
função era disseminar essas novas experiências em 
curso. O grupo Ponkã estreia Aponkâlipse em 1984, 
inspirado no I Ching e no livro bíblico de João,
colocando em destaque as imagens termi­nais do
século da cibernética. O Próximo Capítulo, 
coordenado por Luiz Roberto GALIZIA, empre­gava
a performance como motor de sua estrutu­ra, que admitia
um convidado a cada noite. Pás­saro do Poente, 
espetáculo de Márcio AURÉLIO, de 1987, fundia uma 
tradicional lenda nipônica com elementos da Commedia
dell'Arte, bonecos de kyõgen e paródia sertaneja,
teatro nô e kabuki, para narrar uma história de trás 
para frente, le­vando o Ponkã à máxima miscigenação 
cultural, como era seu propósito original.

O multiculturalismo*, em seu corolário mais am­plo,
encontra-se na fundação do Bando de Teatro Olodum, 
capitaneado por Márcio MEIRELES, em Salvador,
1991, com o espetáculo Essa É Nossa Praia. A cultura
do Pelourinho, entrecruzamento do arcai­co e do moderno, 
do negro pobre brasileiro e do tu­rista estrangeiro, 
das contradições de classe e raça, ganhou expressão
nacional com este primeiro elenco formado exclusivamente
por negros que fundiram o teatro à dança, à música, 
ao ritmo e à carnavalização, sintetizando a cultura 
baiana contemporânea.

Outra dimensão pós-moderna encontra-se no trabalho
dos intérpretes. Denise STOKLOS inaugurou o teatro 
essencial: com Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico, 
em 1983. Desde en­tão apresentou inúmeras criações,
com destaque Para Mary Stuart (1987), Casa (1989),
Um Fax para Cristóvão Colombo (1992). O Lume, 
criado por Luís Otávio BURNIER em Campinas,
en­veredou pelos métodos difundidos por Eugenio BARBA,
chegando à mimese corpórea, em reali­zações como 
Kibilin o Cão da Divindade, Cravo, Lírio e Rosa
e Café com Queijo. A ISTA (Inter­national School of
Theatre Antropology), funda­da por BARBA para difundir 
seus ensinamentos, inicia suas atividades em 1980, 
em Bonn. Após sessões em diversos países, aporta em 
Londrina em 1994, consolidando este inusual 
enquadra­mento do trabalho do ator, através de uma 
es­tratégia autodefinida como terceiro teatro. Maura 
BAIOCCHI tornou-se uma empenhada difusora do butô 
entre nós, após as instigantes visitas de Kazuo OHNO 
(1980) e Sankai JUKU (1981), em realizações
radicais como Tanz-Butoh (1986).

Oriundo das artes plásticas e da música, o grupo XPTO
estreia, em 1984, Buster Keaton e a Infecção Sentimental, 
revitalizando a centená­ria arte dos bonecos e das formas 
animadas. Com Kronos (1987) e Coquetel Clown (1989) 
le­vam o gênero a um máximo de desenvolvimento, abrindo 
as portas para outros artistas da mesma linhagem, como 
o Pia Fraus e o Manhas e Ma­nias, estes mais próximos 
da entonação circense. Rodrigo MATEUS allcança 
desenvoltura junto ao teatro físico*, afirmando e ampliando 
o repertó­rio expressivo desta tendência, francamente 
dis­tante da representação tradicional.

A encenação conhece insuspeitos e instigan­tes desafios,
como o proposto por Gerald THO­MAS em Carmem com Filtro 
(1986), Eletra Com Creta (1986), Trilogia Kafka (1988) e 
Mattogrosso (1989), que abusivamente valeu-se da paródia, 
da intertextualidade, da citação como alavancas de uma 
dicção que objetivava a auto exibição, em se­guida 
contextualizada como a de um encenador" de si mesmo. 
Neste mesmo influxo, vale lembrar o teor fortemente
autoral das criações do cario­ca Márcio VIANNA, como
Marat, Marat (1988), O Caso dos Irmãos Feininger, 
Coleção de Bonecas, O Circo da Solidão, em que explorou
 ao paroxis­mo a desvinculação entre intenção e gesto no 
trabalho de seus intérpretes, em agudas pesqui­sas sobre 
as convenções da cena. 

O apelo autoral também está presente no trabalho de
Bia LES­SA: Exercício n. 1 (1987), Orlando (1989), 
Cartas Portuguesas (1991) e Viagem ao Centro da 
Terra (1993). Renato COHEN surpreendeu a todos, em 1986, 
com Espelho Vivo,  mergulhando no univer­so figural de 
René MAGRITTE, bem urdido em­prego da performance 
e do teatro-imagem. Sturm und Drang/Tempestade e Ímpeto
(1991) revisitou matrizes do pré-romantismo alemão fazendo
deambular pelo Parque Modernista uma série de figuras 
em busca da essência da poesia. 

Em 1995, Renato COHEN volta-se para a vanguar­da
russa, redescobrindo Vitória sobre o Sol, espe­táculo 
embasado pelo butô. Mais radical foi seu trabalho
Ka-Poética de Vélimir Khlébnikov, em que o emprego
da linguagem zaún possibilitou repetidos exercícios 
em torno da pura sonorida­de. Tais repetições, uma das 
matrizes identifica­das com o minimalismo, já estavam 
presentes em Você Vai Ver o que Você Vai Ver (1986), 
de Gabriel VILLELA, que recontava,  em estilos diversos, 
qua­torze vezes o mesmo enredo. Esse diretor minei­ro
criou um Romeu e Julieta minimalista com o grupo Galpão,
em 1991, assim como A Rua da Amargura, apelando 
para uma revisão estilística da Paixão de Cristo
que tinha na paródia, no uso das alegorias e no perfil
neobarroco de seu tra­çado as marcas da pós-modernidade.

O Centro para Construção e Demolição do Es­petáculo
surgiu em 1988, por iniciativa de Aderbal FREIRE - FILHO 
que levou ao palco, em sua íntegra  e sem adaptação, 
o romance A Mulher Carioca aos 22 Anos. Em anos
subsequentes, o encenador evo­cará a história do país,
revivendo episódios  em tor­no de Getúlio VARGAS e 
TIRADENTES. Em 2003 voltará ao antigo formato com 
O que Diz Molero, radicalizando a narratividade do romance.
Em 1991, José Celso Martinez CORRÊA volta aos palcos
com As Boas, lançando dois anos após Ham-Iet, a primeira 
produção do novo Teatro Ofi­cina, remodelado como uma 
rua cultural. Misté­rios Gozozos (1995), As Bacantes e 
Para Dar um Basta no Juizo de Deus (1996), Ela (1997)
e Cacil­da! (1998) constituíram-se em momentos de forte
extração dionisíaca, novos apelos ao rito e à tea­tralidade 
prenhe de erotismo, festa, desregramen­to. Os Sertões, 
adaptado de Euc1ides da CUNHA, conheceu três partes,
apresentadas entre 2000 e 2004. 

Esta vertente perseguida pelo Oficina, que entrecruza vida
e arte, já havia arrebatado outros adeptos, como o 
Terreira da Tribo, de Porto Ale­gre, através de criações 
como Ostal (1987), Antígo­na (1990), Missa para Atores e 
Público sobre  a Pai­xão e o Nascimento do dr. Fausto 
de Acordo com o Espírito de nosso Tempo 1994), 
A Morte e a Don­zela (1997) e Kassandra in Process (2001).

A exploração de novos espaços cênicos e a eleição
de lugares da memória coletiva como marcos simbólicos 
da cidade ajudaram o Tea­tro da Vertigem, em São Paulo, 
a delinear seu projeto artístico, efetivado com as montagens
de o Paraíso Perdido (1992), ambientado na igre­ja de Santa
lfigênia; O Livro de Jó (1995), que ocupou os três andares do 
hospital Umberto I, e Apocalipse 1, 11 (2000), sediado no 
presídio do Hipódromo. Antônio ARAÚJO distingue­-se como 
um encenador que busca no sagrado um apoio decisivo, 
levando seu elenco a contun­dentes confrontos para viver o 
hiper-realismo de cenas sempre rentes ao paroxismo. 

Em trilha as­semelhada, Ricardo KARMAN investe em novos
espaços, como a exploração de um túnel escavado no 
coração do Parque Ibirapuera, para a monta­gem de Viagem 
ao Centro da Terra (1992), na qual a visão de seres 
mitológicos e heróis de diversas epopeias coagulavam 
a paisagem. Em 1996, cria A Grande Viagem de Merlim, 
levando o espepa­dor a percorrer um longo percurso dentro 
de um ônibus multimídia que o despejava num aterro
sanitário na periferia de São Paulo seguindo, na sequência,
para as ruínas do Teatro Polytheama, em Jundiaí, culminando 
a excursão à beira de um lago na Serra do Iapí. Nesse teatro 
de estações, não apenas a tradição medieval ressurge 
como experiência arcaica como, em igual medida, a 
parafernália eletroeletrônica se faz triunfante, numa 
justaposição de ingredientes que almeja arrebatar o 
espectador em todos seus sentidos.

Dois encenadores paranaenses despontaram nos últimos
anos: Felipe HIRSH obteve consa­gração nacional com 
A Vida É Cheia de Som e Fú­ria (2000) e, especialmente, 
Os Solitários (2002), voltando-se para os fenômenos 
da memória  e as interconexões psíquicas que ensejam 
a identida­de dos indivíduos. Fernando KINAS construiu 
um espetáculo radical em Carta aos Atores, tor­nando quase
inexistente o intervalo entre vida real e representação (2002).
Perpétua, Opus Profundis e Desembestai! cons­tituem 
uma trilogia na qual Dionísio NETO ex­plorou, com 
desenvoltura, recursos da perfor­mance, do rock, da dança, 
da intertextualidade, da paródia e da citação, em 1996. 
Com a Cia. Cachorra criou, em 2000, novas realizações: 
Co­rações Partidos e Contemplação de Horizontes, O Dia 
Mais Feliz de sua Vida e A Milagrosa História da Imagem 
que Perdeu o seu Herói, exacerban­do procedimentos 
multimídia e fazendo desfilar personagens da cultura junkie 
das megalópoles. 

A marginalidade, a vida boêmia nos grandes cen­tros
de diversões, a subcultura os mitos da socie­dade de 
consumo estão presentes nos espetáculos de Mário
BORTOLOTTO, ora como autor ora como encenador,
cujas marcas distintivas estão no acabamento precário, 
nas montagens sujas e mal ajanbradas, através de 
incompletudes que enfatizam a falta de artesanato como 
uma chan­cela da arte contemporânea.

Personagens periféricas assumem a cena nas obras
de dramaturgos do final do século, revelan­do textos irados 
e comprometidos com um novo enquadramento socioestético. 
São os jovens sem perspectivas de Budro (1994) e Atos 
e Omissões (1995), de Bosco BRASIL; os marginais de 
Um Céu de Estrelas, de Fernando BONASSI (1996); 
os estudantes criminosos de Vermuth (1998), os alternativos
de A Boa (1999) e os militantes de MSTesão (2001),
de Airnar LABAKI. A que se so­mam os aspirantes a 
atores de A Máquina (2000), de João FALCÃO, os
degradados sociais de Ba­bilônia (2002), de Reinaldo
MAlA, todos eles compondo facetas do Brasil desigual, 
dividido, construído sobre exclusões sociais. Evidenciam 
aspectos de amargura, sofrimento e abandono, a maré 
montante que coloca em cheque o sistema econômico 
globalizado. (EM)

(GUINSBURG, J., FARIA, João Roberto e LIMA,
Mariângela Alves de (Coord.). Dicionário do Teatro 
Brasileiro: temas, formas e conceitos. 2. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Perspectiva: Edições SESC SP,
2009, p. 275 - 278)

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