Teatro/CRÍTICA
"Agreste Malvarosa"
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Bela fábula contra o preconceito
Lionel Fischer
Após ganhar os prêmios Shell e APCA (São Paulo) em 2004, a peça "Agreste", de Newton Moreno, foi exibida no Rio de Janeiro, no início de 2006, com o mesmo elenco (Paulo Marcello e João Carlos Andreazza) e direção (Márcio Aurélio) da versão paulista. E naquela ocasião, quando o jornal Tribuna da Imprensa ainda circulava, fiz uma excelente crítica, que tinha por título "Encontro inesquecível no Poeira". Agora o texto volta a ser exibido aqui com novo título ("Agreste Malvarosa") e numa versão completamente diversa, a começar pelo fato de que os personagens são interpretados por atrizes. Em cartaz no Teatro Municipal do Jockey, a peça chega à cena com direção assinada por Ana Teixeira e Stephane Brodt (Cia. Amok Teatro) e elenco formado por Millene Ramalho e Rita Elmôr.
Para os que não assistiram à montagem anterior, reproduzo agora um trecho do release que me foi enviado, e que sintetiza muito bem o enredo: "A história começa com um flerte no meio da cerca, quando um casal de lavradores descobre o amor. Cada um de um lado da cerca. Apesar de perceber que há 'algo no amor deles que não deveria aconntecer', um dia o casal de lavradores foge, rompe a cerca para viver junto em um casebre sertão adentro".
A percepção que ambos têm de que há algo de errado na paixão que começam a nutrir um pelo outro, de certa forma já induz o espectador a perceber o que é. Em todo caso, vou me abster de revelar o que o texto deixa implícito, em respeito aos espectadores que eventualmente não se dêem conta do que ocorre nas entrelinhas. Mais adiante, no entanto, tudo se esclarece, o que conduz a um desfecho trágico.
Bela e original, contundente em sua investida contra o preconceito relativo ao amor incondicional, esta fábula de Newton Moreno recebeu uma versão cênica bem ao estilo da Cia. Amok Teatro, que, dentre outras características, privilegia a música como elemento integrante da ação e confere a esta um caráter algo ritualístico.
No presente caso, porém, os diretores se excederam um pouco neste último aspecto, pois quase toda a ação transcorre em um ritmo por demais lento, e tal lentidão acaba minimizando a inegável riqueza do universo gestual das atrizes, assim como a forma sempre intensa com que articulam o texto. Acredito que, sem renunciar à estética da Amok Teatro, os encenadores poderiam ter imposto à cena uma pulsação mais vigorosa, o que impediria, por exemplo, que muitas vezes o sentido de algumas frases se perca, dada a forma tão cortada como são enunciadas.
Com relação às músicas criadas por Beto Lemos, sem dúvida belas e expessivas, certamente elas cumprem um papel importantíssimo no transcorrer da narrativa, mas às vezes seu volume chega a impedir a compreensão do que é dito - nessas passagens, pelo menos no que diz respeito a mim, fiquei indeciso sobre o foco que deveria privilegiar, até porque Beto Lemos toca muito bem violão, acordeão, tambor e rebeca.
No tocante ao elenco, Millene Ramalho e Rita Elmôr se entregam apaixonadamente à tarefa de narrar e viver múltiplos personagens, e o fazem de forma irrepreensível, exibindo total domínio de seus recursos expressivos. E a mesma excelência se faz presente na cenografia e figurinos assinados por Brodt, assim como na iluminação de Renato Machado.
AGRESTE MALVAROSA - Texto de Newton Moreno. Direção de Ana Teixeira e Stephane Brodt. Com Millene Ramalho e Rita Elmôr. Teatro Municipal do Jockey. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 21h.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
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ResponderExcluirOlá, tudo bem? Li seu texto sobre a obra de Newton Moreno. Percebi que era entendido do assunto e logo vi que é crítico e professor de teatro! Então soube que estaria procurando a informação de que preciso com a pessoa certa.
ResponderExcluirVou prestar uma prova de Habilidade Específica, em que pede a leitura da peça "Agreste", encontrada na obra dele "Agreste - Body Art - A Refeição". Porém não tive acesso a ela. Mas depois descobri a existência da obra "Agreste Malvarosa", também de Newton Nascimento (que aliás encontrei para poder lê-la). Mas então fiquei me perguntando: "Seriam estas duas obras iguais, mas intituladas de maneira diferente por conta de uma publicação, ou seriam diferentes mesmo?"
Pelo que entendi ao ler sua crítica, são bem diferentes. Mas a diferença é grande mesmo? Daria para eu ler "Agreste Malvorosa" no lugar de "Agreste"?