Os signos no teatro:
introdução à semiologia
da arte do espetáculo
Tadeuz Kowzan
(Devido à sua extensão, o artigo original está aqui um pouco reduzido e "editado", tendo sido extraído do livro "Semiologia do Teatro" - Editora Perspectiva, 1978).
* * *
A arte do espetáculo é, entre todas as artes e, talvez, entre todos os domínios da atividade humana, aquela onde o signo manifesta-se com maior riqueza, variedade e densidade. A palavra pronunciada pelo ator tem, de início, sua significação linguística, isto é, ela é o signo de objetos, de pessoas, de sentimentos, de idéias ou de suas inter-relações, as quais o autor do texto quis evocar. Mas a palavra pode mudar seu valor. Quão inúmeras maneiras de pronunciar as palavras "eu te amo" podem significar tanto a paixão, quanto a indiferença, a ironia como a piedade! A mímica do rosto e o gesto da mão podem sublinhar a significação das palavras, desmenti-la, dar-lhe uma nuança particular. Isto não é tudo. Muita coisa depende da atitude corporal do ator, e de sua posição em relação aos coadjuvantes.
As palavras "eu te amo" possuem um valor emotivo e signicativo diferente, segundo sejam pronunciadas por uma pessoa negligentemente sentada em sua poltrona, um cigarro na boca (papel significativo suplementar do acessório), por um homem que abraça uma mulher, ou que está de costas para a pessoa a quem dirige estas palavras.
Tudo é signo na representação teatral. Uma coluna de papelão significa que a cena se desenrola diante de um palácio. A luz do projetor destaca um trono e ei-nos no interior do palácio. A coroa sobre a cabeça do ator é o signo da realeza, enquanto que as rugas e a brancura de seu rosto, obtidas graças à maquilagem, e sua caminhada arrastada, são signos de velhice. Enfim, o galope de cavalos intensificando-se nos bastidores é o signo de que um viajante se aproxima.
O espetáculo serve-se tanto da palavra como de sistemas de significação não-linguística. Utiliza-se tanto de signos auditivos como visuais. Aproveita os sistemas de signos destinados à comunicação entre os homens e os sistemas criados em função da atividade artística. Utiliza-se de signos tomados em toda parte: na natureza, na vida social, nas diferentes ocupações, em todos os domínios da Arte.
Se examinarmos, por curiosidade, a lista das artes "maiores" e artes "menores", em número de cem, estabelecida por Thomas Munro, é fácil constatar que cada uma delas pode encontrar seu lugar em uma representação teatral, aí desempenhando um papel semântico e que mais ou menos trinta, entre elas, ligam-se diretamente ao espetáculo. Praticamente, não há sistema de significação, não existe signo que não possa ser utilizado no espetáculo. A riqueza semiológica da arte do espetáculo explica, ao mesmo tempo, por que este domínio foi, de preferência, evitado pelos teóricos do signo. É por que riqueza e variedade querem dizer, neste caso, complexidade.
Os signos, no teatro, raramente se manifestam em estado puro. O simples exemplo das palavras "eu te amo" acabou de dizer-nos que o signo linguístico é acompanhado frequentemente do signo da entonação, do signo mímico, dos signos do movimento, e que todos os outros meios de expressão cênica - cenário,vestuário, maquilagem, ruídos etc. - atuam simultaneamente sobre o espectador, na qualidade de combinações de signos que se completam, se reforçam, se especificam mutuamente ou, então, que se contradizem.
A análise de um espetáculo, do ponto de vista semiológico, apresenta sérias dificuldades. Deve-se proceder a cortes horizontais ou verticais? Trata-se, antes de tudo, de separar-se os signos superpostos de diferentes sistemas, ou de dividir o espetáculo em unidades no seu desenvolvimento linear? Mas o espetáculo, e a maioria das combinações de signos, situam-se tanto no tempo como no espaço, o que torna a análise e a sistematização ainda mais complicadas.
Enfim...não procuraremos criar nomenclaturas e definições novas. Tentaremos escolher as nomenclaturas e definições que nos parecem mais racionais e, ao mesmo tempo, mais adaptadas ao nosso assunto, a saber, a semiologia do espetáculo.
1) Aceitamos o termo sem recorrer a outros termos do mesmo campo nocional;
2) Adotamos o esquema sassuriano significado e significante, dois componentes do signo (o significado corresponde ao conteúdo, o significante à expressão;
3) Quanto a classificação dos signos, aceitamos aquela que os divide em signos naturais e signos artificiais.
Este último ponto requer alguns comentários. A distinção citada aparece no "Vocabulário técnico e crítico da filosofia", de André Lalande (1ª ed., 1917). Eis o essencial de suas definições:
Signos naturais são aqueles onde a relação com a coisa significada não resulta senão das leis da natureza: por exemplo, a fumaça, signo de fogo. Signos artificiais, aqueles onde a relação com a coisa significada repousa numa decisão voluntária e, frequentemente, coletiva.
Esta distinção fundamental entre signos naturais e signos artificiais, adotada por vários autores, repousa num princípio bastante claro. Tudo é signo de qualquer coisa, em nós mesmos e no mundo que nos rodeia, na natureza e na atividade dos seres vivos. Os signos naturais são aqueles que nascem e existem sem participação da vontade; eles têm caráter de signos para aquele que os recebe, que os interpreta, mas são emitidos involuntariamente. Esta categoria abarca principalmente os fenômenos da natureza (relâmpago: signo de tempestade; febre: signo de uma doença; cor da pele: signo de uma raça) e as ações dos seres vivos não destinadas a significar (reflexos).
Os signos artificiais são criados pelo homem ou pelo animal, voluntariamente, para assinalar qualquer coisa, para comunicar com alguém. Modificando um pouco as definições de Lalande, pode-se afirmar que é ao nível da emissão, e não da percepção, que se situa a diferença essencial entre signos naturais e signos artificiais, e que esta diferença é determinada pela ausência ou existência da vontade de emitir um signo. Mas, apesar de bastante clara, esta distinção não resolve todos os problemas práticos.
Tomemos um exemplo de signo linguístico. A exlamação "ai", de um fumante que queimou a mão com seu cigarro, é um signo natural. Mas seu xingamento, enunciado na ocasião, é um signo natural ou artificial? Isto depende de certas circunstâncias, como os hábitos linguísticos daquele que os pronuncia, a presença ou ausência de testemunhas. Tomemos um signo procedente da mímica. Em que medida uma expressão de desgosto é um signo natural (reflexo involuntário) ou um signo artificial (ato voluntário para comunicar o desgosto)?
Os signos de que se serve a arte teatral pertencem todos à categoria dos signos artificiais. São signos artificiais por excelência. Resultam de um processo voluntário, são criados, geralmente, com premeditação, sua finalidade é a de comunicar no próprio instante. Isto não é nada extraordinário numa arte que não pode existir sem público. Emitidos voluntariamente, com plena consciência de comunicar, os signos teatrais são plenamente funcionais. A arte teatral faz uso dos signos extraídos de todas as manifestações da natureza e de todas as atividades humanas.
Mas, uma vez utilizados no teatro, cada um destes signos obtém um valor significativo bem mais pronunciado que no seu emprego primitivo. O espetáculo transforma os signos naturais em signos artificiais (o relâmpago); daí seu poder de "artificializar" os signos. Mesmo que eles não sejam, na vida, senão simples reflexos, tornam-se, no teatro, signos voluntários. Mesmo que na vida não tenham função comunicativa, obtém esta função, necessariamente, em cena.
Por exemplo: o solilóquio de um sábio que procura formular seus pensamentos, ou de uma pessoa em um estado de superexcitação nervosa, compõe-se de signos linguísticos. Logo, de signos artificiais, mas sem intenção de comunicar. Pronunciadas em cena, as mesmas palavras reencontram seu papel comunicativo, o monólogo do sábio ou da personagem, em estado de raiva, não tem outra intenção senão a de comunicar aos espectadores os seus pensamentos ou seu estado emotivo.
Acabamos de afirmar que todos os signos de que a arte teatral se serve são signos artificiais. Isto não exclui a existência, em uma representação teatral, de signos naturais. Os meios e as técnicas do teatro estão demasiadamente enraizados na vida para que os signos naturais possam ser inteiramente eliminados. Na dicção e na mímica de um ator, os hábitos estritamente pessoais são vizinhos das nuanças criadas voluntariamente e os gestos conscientes mesclados de movimentos reflexos. Os signos naturais confundem-se, neste caso, com os signos artificiais. Mas as complicações para o teórico vão ainda mais longe.
A voz trêmula de um jovem ator interpretando um velho é um signo artificial. Contrariamente, a voz trêmula de um ator octagenário, não tendo sido criada voluntariamente, é um signo natural tanto na vida como na cena. Mas ela é, ao mesmo tempo, um signo empregado voluntária e conscientemente na medida em que este ator interpreta uma personagem muito idosa. Esta voz está presente não pela vontade do ator, que não pode falar de outro modo; sua voz torna-se signo artificial pela vontade do diretor que escolheu esse ator para este papel. Vemos então que a escolha do ator para um papel ou a escolha da peça em função de um ator, escolha efetuada pelo seu físico (expressão do olhar, voz, idade, porte, constitução, temperamento, tudo aquilo que entra na noção de emprego) já é um ato semântico, visando obter os valores mais adequados às intenções do autor ou do diretor.
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segunda-feira, 12 de abril de 2010
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