Teatro/CRÍTICA
"As pontes de Madison"
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Belíssima história de amor
Lionel Fischer
Em uma de suas muitas frases imortais, Shakespeare um dia formulou a conhecidíssima "há mais coisas entre o céu e a terra do que pode supor nossa vã filosofia". Concordo inteiramente com o fabuloso bardo e dentre essas "coisas" considero o acaso uma das mais misteriosas, posto que fruto de algo que poderíamos chamar de Destino. E me parece ser ele que determina a materialização de certos momentos em nossa vida capazes de transformá-la ou de pelo menos nos levar a encará-la sob uma nova perspectiva. É o que ocorre no presente texto.
Fotógrafo da revista National Geographic, Robert Kincaid viaja há anos pelo mundo e num dado momento é incumbido de fotografar as famosas pontes cobertas de Madison, em Iowa/EUA. Lá chegando, o acaso o leva a bater à porta de Francesca Johnson, uma professora de literatura casada e mãe de dois filhos, a fim de obter informações sobre como chegar às tais pontes. O marido de Francesca e seus dois filhos adolescentes estão ausentes, numa feira agropecuária, e só retornarão quatro dias depois. Pois bem: o que poderia limitar-se a um breve encontro se converte no encontro mais importante da vida dos dois personagens, que jamais poderiam imaginá-lo e muito menos as consequências que geraria em ambos.
Eis, em resumo, o enredo de "As pontes de Madison", baseada no romance de Robert James Waller e narrada em flashbacks pelo casal de filhos de Francesca, agora adultos, a partir de uma carta que ela deixa para ambos. Após cumprir bem sucedida temporada em São Paulo, o texto chega à cena (Teatro dos Quatro) com tradução e adaptação de Alexandre Tenório, direção de Regina Galdino e elenco formado por Marcos Caruso (Robert), Denise Del Vecchio (Francesca), Adriana Londoño (Caroline) e Marcos Damigo (Michael).
Como já foi dito acima, o que poderia ter-se se limitado a um breve encontro converte-se em um divisor de águas na vida dos protagonistas. Ela, desde que se casou, se viu obrigada a conviver com um marido que nada entende de poesia ou literatura, e com pessoas absolutamente provincianas, unicamente preocupadas com problemas de colheita e gado. Era, ainda que não o admitisse abertamente, ou sequer o percebesse, uma pessoa inteiramente deslocada. Então surge em sua vida um homem "do mundo", ligado a cores e aromas, apaixonado por registrar com sua câmera toda a beleza e mistério da natureza. E que logo percebe que Francesca não é feliz e que ele também não, pois ambos carecem do essencial: o verdadeiro encontro entre duas almas que, mesmo não sendo gêmeas, foram feitas para constituir um entidade indissolúvel. Mas tudo dura apenas quatro dias...ou será que não?
Aí cabe a cada espectador fazer sua leitura desta breve e apaixonante história de amor, chegar à conclusão sobre sua maior ou menor validade etc. Quanto a mim, fiquei emocionadíssimo e se tivesse que escolher entre viver uma relação morna com alguém durante 30 anos ou uma paixão avassaladora que durasse apenas quatro dias (ou aé mesmo quatro horas), não hesitaria um segundo em optar pela segunda hipótese, mesmo que a partir daí jamais viesse a me ligar profundamente a alguém.
Contendo ótimos personagens, diálogos mais do que pertinentes sobre o amor e muitos outros temas, "As pontes de Madison" chega à cena em ótima versão de Regina Galdino. Optando por um desenho cênico simples, completamente isento de desnecessárias firulas formais, a diretora consegue materializar todos os conteúdos propostos pelo autor, valorizando com a mesma eficiência tanto as passagens mais amargas quanto aquelas em que a paixão, o humor e o lirismo predominam. E Regina Galdino exibe o mérito suplementar de haver extraído maravilhosas atuações dos protagonistas - em papéis com menores oportunidades, Adriana Londoño e Marcos Damigo têm atuações convincentes.
Na pele de Robert, Marcos Caruso reitera o que todos já sabemos: trata-se de um dos melhores atores do país, capaz de transitar com o mesmo brilho tanto na comédia como no drama. E aqui os risos e as lágrimas se fazem presente, mas sempre na medida certa, sem qualquer caráter apelativo. Caruso constrói seu personagem enfatizando tanto sua fortaleza como sua fragilidade, e por isso Robert se torna tão cativante. E a mesma eficiência se faz presente na performance de Denise Del Vecchio, e praticamente pelas mesmas razões. Para quem aprecia a dificílima arte de representar, Denise nos dá uma verdadeira aula de como ir, pouco a pouco, "descontruindo" seu papel, permitindo o lento aflorar de carências, desejos e sentimentos há tanto tempo adormecidos. De início uma caipira típica, mais adiante ela se torna uma mulher de irresistível sensualidade, entregando-se sem reservas a uma paixão que jamais imaginara viver.
Na equipe técnica, destacamos a sobriedade e eficiência dos trabalhos de todos s profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna produção - Marco Lima (cenário), Fábio Namatame (figurinos), Ney Bonfante (iluminação), Mario Manga (música original), Johannes Freiberg (preparação corporal) e Alexandre Tenório (tradução e adaptação).
AS PONTES DE MADISON - Texto de Robert James Waller. Tradução e adaptação de Alexandre Tenório. Direção de Regina Galdino. Com Marcos Caruso, Denise Del Vecchio, Adriana Londoño e Marcos Damigo. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
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Lionel,
ResponderExcluirFiquei com tanta vontade de ver esse espetáculo! A afinidade traz consigo algo de tão sublime que é irresistível imaginar que as personagens tenham se encontrado por algo tão sublime quanto. E o acaso, por si só, não o é. Acabo sendo levada a acreditar no destino.
Uma paixão de apenas quatro dias pode ter levado a personagem ao aprendizado de apaixonar-se por si própria, já que a afinidade que faz com que os seres se apaixonem pelo outro, demonstra a admiração pelo próprio "eu" interior. Sem amor próprio não haveria amor nascido da afinidade.
Estou dando palpites, mas é necessário que eu a assista. Direi o que achei depois.
Beijos!
Nathália
alguem me pode dar o contacto do tradutor, sou produtor em portugal.
ResponderExcluircaro amigo,tinha muita urgencia em falar com o tradutor da obra. celsocleto@gmail.com
ResponderExcluirobrigado pela sua atençao