segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Incêndios"

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Montagem imperdível no Poeira

Lionel Fischer



"A engenhosa carpintaria de Wajdi Mouawad exibe a saga da árabe Nawal, cuja vida é atravessada por décadas de uma guerra civil que parece nunca ter fim. Ela passa seus últimos anos em voluntário exílio no Ocidente, onde morre e deixa em testamento uma difícil missão para seu casal de filhos gêmeos: encontrar o pai e também um irmão perdido em seu remoto passado no Oriente".

Extraído (e levemente editado) do ótimo release que me foi enviado por Canivello/Factoria Comunicação, o trecho acima resume o enredo de "Incêndios", que acaba de estrear no Teatro Poeira. Aderbal Freire-Filho assina a direção do espetáculo, estando o elenco formado por Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabiana de Mello e Souza, Julio Machado e Isaac Bernat.

Resumir o enredo desta obra extraordinária é o máximo que me permiti, pois se decidisse estendê-lo um pouco mais privaria o leitor/espectador de ir aos poucos decifrando o intrincado e fascinante quebra-cabeça proposto pelo autor. Reunindo elementos épicos e igualmente trágicos, Mouawad (libanês de origem que vive no Canadá) constrói uma narrativa que, segundo ele próprio, "não é propriamente uma peça sobre a guerra, mas sobre promessas que não são cumpridas, sobre tentativas desesperadas de consolo, sobre maneiras de se permanecer humano em um contexto desumano. É a história de três destinos que buscam suas origens, em uma tentativa de solucionar a equação de suas existências".

Como já dito, estamos diante de uma obra extraordinária, tanto por sua original estrutura narrativa como pela relevância dos temas que aborda, afora a capacidade do autor de criar personagens maravilhosamente estruturados e valer-se de uma linguagem ao mesmo tempo áspera e impregnada de poesia. 

Com relação ao espetáculo, este é sem dúvida um dos melhores já assinados por Aderbal Freire-Filho. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - exasperante, trágica, de uma objetividade angustiante e implacável -, o encenador evidencia seu enorme talento até mesmo nas transições entre as cenas, de magnífica teatralidade. E gostaria de citar apenas um exemplo de um momento que ficará marcado para sempre em minha memória: a passagem em que os gêmeos, entrelaçados, realizam uma espécie de dança lenta e aparentemente irreal, mas que provavelmente retrata suas vidas antes do nascimento.

No que diz respeito ao elenco, a escolha dos atores não poderia ter sido mais feliz. Na pele do tabelião Lebel, Marcio Vito defende com brilhantismo o único personagem que exibe algum humor. Felipe de Carolis (Simon) e Keli Freitas (Jeane) interpretam os gêmeos deles extraindo seu máximo potencial - a atriz está particularmente brilhante nas passagens em que apenas escuta e reage sutilmente ao que está sendo dito.

Julio Machado exibe atuação segura e convincente nos três personagens que interpreta (Ralph/ Miliciano/ Nihad), o mesmo aplicando-se a Fabianna de Mello e Souza (Jihane/ Elhame/ Nazira / Marie/ Fotógrafa. Vivendo Savvda, Kelzy Ecard evidencia uma estupenda força expressiva, cabendo registrar a passagem em que pinta ferozmente seu rosto com uma tinta de camuflagem. Isaac Bernat dá vida a sete personagens e a todos valoriza com a mesma intensidade, exibindo acertadas variações vocais e corporais, sem jamais investir no intento de criar meros tipos.

Finalmente, Marieta Severo. Vivendo a protagonista Navval em variadas idades, em todas elas a atriz consegue valorizar ao máximo todos os conteúdos propostos pelo autor. Por tratar-se de uma profissional completa, seria uma perda de tempo aqui enumerar seus vastíssimos recursos expressivos. Portanto, me contento em afirmar que estamos diante de uma atriz que, dentre seus muitos predicados, evidencia notável inteligência cênica (fruto de suas escolhas) e uma visceral capacidade de entrega, o que confere a seu desempenho um patamar de excelência só constatável em intérpretes de exceção. 

Na equipe técnica, Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia funcional e altamente expressiva, com Luiz Paulo Nenen iluminando a cena com a indispensável dramaticidade exigida tanto pelo texto como pela encenação. Antonio Medeiros assina figurinos irretocáveis, em total consonância com o caráter dos personagens e os contextos que habitam. A mesma excelência se faz presente na dramática trilha sonora de Tato Taborda, o mesmo aplicando-se à maravilhosa tradução de Angela Leite Lopes.

INCÊNDIOS - Texto de Wajdi Mouawad. Direção de Aderbal Freire-Filho. Com Marieta Severo, Felipe de Carolis, Keli Freitas, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Fabianna de Mello e Souza, Julio Machado e Isaac bernat. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.







2 comentários:

  1. INCÊNDIOS é fantástico, envolve o público o tempo inteiro!

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  2. Regina amiga,

    certamente um dos melhores espetáculos da atual temporada.

    Beijos,

    Eu

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