sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Conversando com mamãe"

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Amor, humor e humanidade


Lionel Fischer


Sempre que escuto alguém dizer que uma peça é excelente porque partiu de uma ótima idéia, invariavelmente me recordo daquela que é considerada a melhor dentre todas já escritas: "Hamlet", de Shakespeare. Reduzida à sua essência, a obra gira em torno de um príncipe que, logo no início do texto, é informado pelo fantasma de seu pai que fora assassinado pelo irmão, que logo em seguida se casou com a viúva, obviamente cúmplice da macabra trama. Uma vez feita esta revelação, o jovem príncipe passa cinco atos imerso em dúvidas, até finalmente consumar a vingança prometida ao pai. Pois bem: trata-se de uma idéia genial? Em absoluto. O que converte o texto em uma inigualável obra-prima é a forma como Shakespeare expandiu a idéia inicial, os fantásticos personagens que criou, as reflexões que empreendeu, a avassaladora ação que impõe à narrativa - dentre muitas outras virtudes. Ou seja: uma idéia inicial que nada tem de extraordinária pode gerar uma obra-prima, da mesma forma que uma idéia brilhante pode resultar em um produto final bisonho.

Tais considerações foram feitas para explicitar minha crença absoluta de que um texto como "Conversando com mamãe", cujo tema já foi explorado infinitas vezes e nada propõe de novo em termos formais, ainda assim pode tocar profundamente o coração do espectador, e certamente levá-lo a reavaliar muitos aspectos de suas relações familiares. Em cartaz no Centro Cultural Correios, "Conversando com mamãe", de autoria do cineasta argentino Santiago Carlos Oves, chega à cena com versão teatral do catalão Jordi Galceran, direção de Susana Garcia e elenco formado por Beatriz Segall e Herson Capri.

Em termos de enredo, este pode ser assim resumido: um homem de 50 anos, atualmente desempregado e vivendo um casamento fracassado, vai até o apartamento da mãe, uma senhora de 82 anos, com o objetivo de convencê-la de que o imóvel (de sua propriedade e de sua esposa) precisa ser vendido para quitar dívidas, o que implica que a mãe tenha de deixá-lo. A partir daí, no entanto, o autor desenvolve uma narrativa em que a venda ou não do imóvel passa a um plano secundário, e o que prevalece é um progressivo processo de inesperadas revelações de ambas as partes, algumas impregnadas de humor, outras de melancolia. Mas todas elas contribuem para estreitar os laços afetivos entre os dois personagens, assim como para ampliar o pouco conhecimento que tinham um do outro.

Bem escrito, contendo ótimos personagens, pleno de delicadeza, humor e humanidade, "Conversando com mamãe" chega à cena com ótima direção de Susana Garcia, que sabiamente investiu no que realmente importa: a relação entre os personagens. Isto significa que reduziu a movimentação ao estritamente necessário, investindo muito mais no potencial expressivo de eventuais e constrangedores silêncios, na dificuldade dos personagens de se colocarem com absoluta franqueza, no humor que brota inesperadamente em função de imprevistas cumplicidades, enfim, explorou ao máximo os conteúdos propostos pelo autor. Mas é claro que tal êxito também se deve, e muito, à sua capacidade de extrair atuações irretocáveis dos dois intérpretes.

Estão em cena dois profissionais de reconhecido talento e vastíssima experiência. Mas isso, por si só, não garantiria o sucesso da montagem. O que me parece fundamental é a química entre Herson Capri e Beatriz Segall, a evidente cumplidade entre ambos, a capacidade de se entregar totalmente às emoções em causa, de viver profundamente todos os sentimentos inerentes ao contexto, sendo tais atributos os maiores responsáveis pela total adesão do público ao espetáculo, que o assiste alternando muitos risos e furtivas lágrimas - com relação a estas últimas, me vejo obrigado a confessar que, em muitas passagens, só não chorei em voz alta como uma carpideira grega por temor de incomodar aos que me circundavam, mas não foram poucas as ocasiões em que lamentei o fato de jamais ter um lenço como acessório...

Com relação à equipe técnica, são maravilhosas e decisivas as contribuições de todos os profissionais envolvidos neste sensível e mais do que oportuno projeto - Kalma Murtinho (figurinos), Marcos Flaksman (cenografia), Paulo César Medeiros (iluminação), Alexandre Elias (trilha sonora original) e Pedro Freire (tradução)

CONVERSANDO COM MAMÃE - Texto de Santiago Carlos Oves. Versão teatral de Jordi Galceran. Direção de Susana Garcia. Com Beatriz Segall e Herson Capri. Centro Cultural Correios. Quinta a domingo, 19h.

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