Teatro/CRÍTICA
"Histórias de amor líquido"
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Bela reflexão sobre o efêmero
Lionel Fischer
"São três histórias de amor líquido. Três histórias que Walter Daguerre criou inspirado pela obra de Zygmunt Bauman, sociólogo polonês com mais de cinqüenta livros publicados, a maioria abordando a falta de contornos definidos nas relações humanas, a existência líquida, o trabalho líquido, amizades líquidas, amores líquidos. Nesta aventura, vamos compartilhar a concepção de Bauman sobre o amor que não consegue ter vínculos sem se sentir aprisionado, essa impossibilidade de avaliar com maturidade um relacionamento, imaginando sempre que devemos estar perdendo alguma coisa melhor".
A este fragmento, extraído do programa e escrito por Paulo José, acrescento mais um, em que o encenador resume as três histórias: "'Rua sem saída', que abre o espetáculo, é a mais soturna das três. Dois seres que não dormem, um homem e uma mulher, se identificam pelo que têm em comum: a insônia. 'A corretora' cumpre uma importante função social como já o fizeram, em outras épocas, as cafetinas de luxo. 'A casa da ponte' é a mais familiar das histórias, debatendo-se os personagens num mundo que não aceita relações sólidas, uma sociedade hedonista na qual é moral aquilo que nos dá prazer".
Em cartaz no Teatro Poeira, "Histórias de amor líquido" chega à cena com direção de Paulo José e elenco formado por Ana Kutner (Graça/Sofia), Alcemar Vieira (Ricardo/Rudson/Marcus), Bel Kutner (Maritza/Teresa/Mãe), Márcio Vito (Zé Carlos/Antonio/Pai) e Natália Garcez (Michele/Raquel).
Embora Walter Gaguerre tenha tido a gentileza de me enviar o texto, não o li antes de assistir ao espetáculo, da mesma forma que não leio nenhum release ou programa, pois prefiro ignorar informações prévias para assim poder me colocar de forma inteiramente disponível e desarmada com relação ao texto e a montagem - quando se trata de uma obra por demais conhecida, é óbvio que seria ridículo fingir que não a conheço. Seja como for, tão logo o espetáculo começou, tive a intuição de que sofreria do início ao fim. E tal intuição se confirmou inteiramente, pois meu olhar sobre a cena está em total sintonia com a visão que o encenador tem do texto.
Realmente, vivemos em uma época em que as relações, quaisquer que sejam elas, têm como principal característica o efêmero, como se nada de mais sólido ou duradouro pudesse ser estabelecido. Em termos amorosos, por exemplo, se eu não encontro no real alguém que preencha minhas expectativas, posso tentar suprir esta carência no plano virtual, cuja amplitude de opções se afigura, ao menos aparentemente, como ilimitada. Aliás, em dado momento da montagem, um dos personagens diz exatamente isso: "Hoje em dia, só fica sozinho quem quer".
Mas a questão que se impõe não se resume a estar ou não estar com alguém, e sim na qualidade e intensidade do encontro, nas cumplicidades e parcerias que se estabelecem ou não, na capacidade de escutar sem emitir julgamentos apressados, na indispensável e irrestrita confiança, enfim, no desejo de escrever uma história a dois. Na ausência de tais premissas, ou se as julgamos irrealizáveis, aí realmente vale mais a pena vagar pela vida usufruindo efêmeros prazeres, mesmo sabendo que no dia seguinte acordaremos deprimidos - mas Rivotril existe para quê, não é mesmo?
Enfim...Walter Daguerre escreveu um texto belíssimo, em total sintonia com algumas das questões mais pertinentes da atualidade, valendo-se de ótimos personagens e de uma estrutura fragmentada que a mim, particularmente, só contribuiu para aumentar meu desconforto e desamparo - sim, pois quando imaginava que uma das histórias já estaria encerrada, eis que a mesma retorna, reabrindo, digamos, uma espécie de ferida que supunha já estar em processo de cicatrização.
Quanto ao espetáculo, Paulo José impõe à cena uma dinâmica em perfeita consonância com os conteúdos propostos pelo autor, valorizando-os ao máximo não apenas em função da ousadia, beleza e imprevisibilidade de suas marcações, mas também da ótima atuação que conseguiu extrair de todo o elenco. Neste quesito, aliás, já escrevi umas duzentas vezes, ao longos desses 21 anos de crítica teatral, o que torno a repetir agora: este país pode carecer de tudo, menos de excelentes intérpretes. E são excelentes os intérpretes que dão vida a este texto tão tocante e oportuno. E todos exibem performances irrepreensíveis nos vários papéis que interpretam, sendo, pois, injusto particularizar a atuação de alguém.
Mas a todos agradeço o privilégio de vê-los sobretudo numa noite em que a cidade, aterrorizada pela guerra civil em que está mergulhada, parecia resignada a conformar-se com tal quadro. Ao sair do teatro, em meio a ruas desertas, um único pensamento me ocorreu: se por acaso uma bala perdida me levar desta para melhor (ou para pior, depende do ponto de vista), deixarei este curioso planeta impregnado de lembranças de um espetáculo que dificilmente esquecerei.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a brilhante cenografia de Fernando Mello da Costa (talvez a melhor de sua bela carreira), a soturna e expressiva iluminação de Maneco Quinderé, os irretocáveis figurinos de Kika Lopes, os deslumbrantes vídeos de Rico Vilarouca e Renato Vilarouca e a sensível direção musical de Lucas Marcier.
HISTÓRIAS DE AMOR LÍQUIDO - Texto de Walter Daguerre. Direção de Paulo José. Com Ana Kutner, Alcemar Vieira, Bel Kutner, Márcio Vito e Natália Garcez. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
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Olá,meu nome é Beatriz Borsatto e eu me interessei muito pelo seu artigo.Como moro em São Paulo, não poderei ver o espetáculo, mas gostaría de saber se consigo o texto em algum lugar dessa peça, porque eu estou estudando o filósofo Zygmunt Bauman na escola.Estou no terceiro colegial ainda e meu objetivo não é montar nenhuma cena, apenas conhecer o trabalho.Pode entrar em contato comigo pelo meu e-mail - biaborsatto@hotmail.com - Agradeço desde já a atenção.
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