Pequeno ensaio sobre um homem só
de Lionel Fischer
Há dez anos que tudo aqui é silêncio, que nada mais se indaga. Existe ordem. Não que seja necessário a um homem, na iminência de cometer uma ação que mereça a forca, ter consciência de que a forca o aguarda. Não. Reina, aqui, uma outra espécie de ordem. As ações deixaram de ser cometidas e por isso se extinguiram as possibilidades de castigo. Seja como for, daria tudo na mesma, porque nós somos sós, terrivelmente sós. As nossas mãos nasceram cansadas. O nosso gesto, preguiçoso. A nossa ajuda, tardia. Mas por que me olham assim, como se estivessem diante de um louco ou de um ator que ensaiasse um trecho de uma peça? É realmente curioso o julgamento humano. Não permite a uma pessoa travar diálogos consigo mesma: ou é louca ou está representando. Mas pode ser que um dia passem a achar que a loucura também seja uma forma de representação. Aí, talvez, nós possamos monologar em voz alta, livremente, em paz com a nossa solidão, num mundo repleto de atores. É o que nós somos. Fantoches de um espetáculo violento e absurdo, no qual nos envolvemos e que nunca chegamos a compreender. A vida assim o exige e para viver é necessário não pensar, não tentar compreender e, sobretudo, não sonhar. Quem estiver disposto a pagar esse preço, muito bem, será feliz. Aos outros, aos que se fazem perguntas, aos que contemplam esse desfile de mãos crispadas, esses mergulharão em infernos que imaginação alguma, até hoje, foi capaz de descrever. Nós buscamos tudo, menos explicações. Elas não nos interessam. Quanto mais complexa for nossa existência, mais nos sentiremos felizes, com mais convicção ainda rastejaremos de quatro e com maior ânsia lamberemos as botinas dos deuses e profetas. O vagabundo tinha razão. A paz só virá para os que se fartaram das pesadas condições impostas. Para os que mergulharam as mãos no lodo. Para aqueles que se jogaram no fundo do poço. Para aqueles cuja vida não foi mais que uma procura. Para os pequenos homens indefesos e humilhados. Para os rostos de vidro que se debruçaram sobre as folhas. Para os que tentaram ser otimistas num mundo amargo.
Para os que tentaram o sorriso e encontraram o silêncio. Para os que estenderam as mãos e agarraram o vazio. Para os que fecharam os olhos e sentiram medo. Para os que choraram de pena e embaçaram seus óculos. As cartas marcadas foram feitas para os jogadores desonestos. Quem quiser que embaralhe e distribua a sorte. Eu cansei.
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de Lionel Fischer
Há dez anos que tudo aqui é silêncio, que nada mais se indaga. Existe ordem. Não que seja necessário a um homem, na iminência de cometer uma ação que mereça a forca, ter consciência de que a forca o aguarda. Não. Reina, aqui, uma outra espécie de ordem. As ações deixaram de ser cometidas e por isso se extinguiram as possibilidades de castigo. Seja como for, daria tudo na mesma, porque nós somos sós, terrivelmente sós. As nossas mãos nasceram cansadas. O nosso gesto, preguiçoso. A nossa ajuda, tardia. Mas por que me olham assim, como se estivessem diante de um louco ou de um ator que ensaiasse um trecho de uma peça? É realmente curioso o julgamento humano. Não permite a uma pessoa travar diálogos consigo mesma: ou é louca ou está representando. Mas pode ser que um dia passem a achar que a loucura também seja uma forma de representação. Aí, talvez, nós possamos monologar em voz alta, livremente, em paz com a nossa solidão, num mundo repleto de atores. É o que nós somos. Fantoches de um espetáculo violento e absurdo, no qual nos envolvemos e que nunca chegamos a compreender. A vida assim o exige e para viver é necessário não pensar, não tentar compreender e, sobretudo, não sonhar. Quem estiver disposto a pagar esse preço, muito bem, será feliz. Aos outros, aos que se fazem perguntas, aos que contemplam esse desfile de mãos crispadas, esses mergulharão em infernos que imaginação alguma, até hoje, foi capaz de descrever. Nós buscamos tudo, menos explicações. Elas não nos interessam. Quanto mais complexa for nossa existência, mais nos sentiremos felizes, com mais convicção ainda rastejaremos de quatro e com maior ânsia lamberemos as botinas dos deuses e profetas. O vagabundo tinha razão. A paz só virá para os que se fartaram das pesadas condições impostas. Para os que mergulharam as mãos no lodo. Para aqueles que se jogaram no fundo do poço. Para aqueles cuja vida não foi mais que uma procura. Para os pequenos homens indefesos e humilhados. Para os rostos de vidro que se debruçaram sobre as folhas. Para os que tentaram ser otimistas num mundo amargo.
Para os que tentaram o sorriso e encontraram o silêncio. Para os que estenderam as mãos e agarraram o vazio. Para os que fecharam os olhos e sentiram medo. Para os que choraram de pena e embaçaram seus óculos. As cartas marcadas foram feitas para os jogadores desonestos. Quem quiser que embaralhe e distribua a sorte. Eu cansei.
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