SOBERBA
de Lionel Fischer
Personagens
Tesudetta
Rei
Conselheiro do Rei
Príncipe Arlindoorlandus
Conselheiro do Príncipe
Cenário
Duas escadas
(Cortina fechada. Surge a princesinha Tesudetta. Ela se dirige à platéia)
de Lionel Fischer
Personagens
Tesudetta
Rei
Conselheiro do Rei
Príncipe Arlindoorlandus
Conselheiro do Príncipe
Cenário
Duas escadas
(Cortina fechada. Surge a princesinha Tesudetta. Ela se dirige à platéia)
Tesudetta - Como podeis constatar sem grande esforço, estou possuída de grave melancolia, salpicada de aflição e fustigada pela desesperança. E se aqui me encontro, diante de vós, e diante de vós me prostro de joelhos (Ela se põe de joelhos), é porque em vós deposito minha última esperança. Caso m’a negueis, o que não posso crer que o façais, todo meu ser se verá tomado pela mais cava depressão, morada fatídica de onde ninguém consegue escapar, desde que nela adentre - ainda mais no século em que vivo, o XIII, quando Freud ainda não havia sido concebido e muito menos os medicamentos específicos aos quais tendes acesso quando tal moléstia, a melancolia, vos assalta. Acompanhai, portanto, e com a atenção devida, a breve narrativa que ora vos exponho, finda a qual talvez consigais lançar alguma luz sobre as trevas abissais em que me encontro, fruto do impasse que me dilacera por dentro e em toda a minha periferia. (Entra uma música, a cortina se abre lentamente. Vemos duas escadas. No topo de uma delas se encontra o Rei; no topo da outra, o príncipe Arlindorlandus. Junto a cada uma das escadas, um Conselheiro. Sai a música)
Tesudetta - Toda a tragédia começou no dia que seria o dia mais feliz de minha vida: quando completei 15 anos de radiosa existência, fato ocorrido há um mês. Para comemorar a marcante data, meu pai resolveu promover um grandioso baile, para o qual convidou todos os governantes dos reinos fronteiriços, dentre eles o príncipe Arlindorlandus. E lá pelas tantas, quando os trovadores começaram a entoar uma seqüência de baladas dançantes que muito sucesso faziam, eis que Arlindorlandus me saca pra bailar. (Entra uma música medieval. Arlindorlandus desce da escada e dança com Tesudetta. O Rei descongela, assim como os dois Conselheiros)
Conselheiro do Rei - E todos acompanhávamos, embevecidos, a evolução dos pares, e em especial o formado por Tesudetta e Arlindorlandus, que até então não se conheciam e, surpreendentemente, exibiam total entrosamento.
Conselheiro do Príncipe - Num dado momento, porém, o assombro tomou conta de todos. (Sai a música medieval. Todos congelam, menos o Conselheiro do Príncipe) Como que embalados pelo som de uma música que ninguém ouvia, Tesudetta e meu senhor, Arlindorlandus, passaram a evoluir estranhamente acoplados, e rebolando de tal forma que tivemos a impressão de que um processo de cópula estava em marcha. (Entra um forró. O Rei se ergue, estupefato, a mesma estupefação estampada no rosto dos Conselheiros. Após um tempo,o Rei pula da escada. Cessa o forró)
Rei - Mas o que é isso? Estais possuídos pelo demo? É ele que impregna vossos ouvidos de uma canção que não ouvimos e vos instiga a projetarem para a frente e para trás os mútuos ventres, assim promovendo indecorosa intimidade entre vossas partes pudendas?
Tesudetta - Meu pai, estais interpretando erroneamente...
Rei - Calai-vos, antes que a cólera me domine por completo e te esbofeteie até ver tua rosada face deformada!
Príncipe - Senhor, por que partiríeis para uma agressão tão descabida se...
Rei - Calai-vos vós, igualmente, pois do contrário tuas bochechudas faces receberão idêntico flagelo!
Tesudetta - Oh meu Deus, fazei com que papai...
Rei - Como ousaste sarrar minha única e dileta filha, diante de minhas barbas, em meu castelo, e tendo por testemunha toda a minha nobreza e a fronteiriça?
Arlindorlandus - Perdão, senhor, mas não a sarrava!
Rei - Ah, não? E o que fazíeis, grudando o que imagino que possuís entre as pernas na região análoga de Tesudetta?
Tesudetta - Oh, meu pai, acreditai em vossa filha: nada senti de ofensivo, da parte de Arlindorlandus, na região que mencionais!
Rei - Talvez nada tenhais sentido porque o objeto da ofensa, no presente caso, seja um tanto diminuto! (Tesudetta desvia o olhar do pai, com expressão dúbia)
Arlindorlandus - Sugeris acaso que o pedúnculo que ostento em meu baixo ventre...
Rei - Cagando estou para a dimensão de vosso pedúnculo! Quero apenas que saibas que, de ora em diante, e para todo o sempre, sois persona non grata neste reino!
Todos - Oh!
Rei - E que estão cortadas para todo o sempre as amistosas relações que até então mantínhamos, tanto pessoais como comerciais!
Todos - Oh!
Rei - Assim sendo, ordeno que vos retireis imediatamente de meus domínios, ficando desde já implícito que, se neles fordes algum dia surpreendido, sereis torturado implacavelmente até a morte!
Todos - Oh!
Arlindorlandus - Pois que seja. E o mesmo vaticínio aplico a vós, se porventura e sob qualquer pretexto, fordes surpreendido nos domínios sob minha tutela!
Tesudetta - Meu nobre pai! Gracioso Arlindorlandus! Estais ambos agindo como crianças insensatas! Ponderai com um mínimo de calma acerca da grotesca decisão que acabais de tomar e logo percebereis suas graves conseqüências!
Rei/Arlindorlandus - E quais são elas?
Tesudetta - Afora a perda da mútua amizade que até então vos unia, vos vereis privados daquilo que mais amais!
Rei/Arlindorlandus - E o que seria?
Tesudetta - Não sejais cínicos! Vós, meu pai, sabeis perfeitamente que não conseguireis sobreviver sem degustar diariamente os brocolitos...
Conselheiro do Rei (À platéia) - Palitinhos de brócolis.
Tesudetta - ...que para cá são exportados por Arlindorlandus!
Rei - Serei forte o bastante para suportar a brutal abstinência!
Tesudetta - E quanto a vós, Arlindorlandus: imaginais poder viver sem as trulhetas...
Conselheiro do Príncipe - Trufas em forma de caneta.
Tesudetta - ...que só aqui existem e que meu pai vos envia mensalmente?
Arlindorlandus - Serei forte o bastante para suportar a brutal abstinência!
Tesudetta - Por Deus, sabeis que não! Da mesma forma que não ignorais que todo esse mal-entendido pode ser agora dissipado!
Rei/Arlindorlandus - Jamais!
Tesudetta - Meu pai, por tudo que pode haver de mais sagrado: eu vos juro que não tive minhas partes pudendas fustigadas pelo colossal ariete de Arlindorlandus!
Rei - Como sabeis ser colossal o dito ariete?
Tesudetta - Bem, eu...
Arlindorlandus - Inóspito vizinho: embora esta não seja a ocasião propícia para a revelação de detalhes anatômicos, posso vos garantir que o pedúnculo que ostento se enquadra nos padrões da mais absoluta normalidade!
Conselheiro do Príncipe - Isso é verdade.
Príncipe - E se Tesudetta o adjetivou de “colossal”, isto se deve apenas a um mimo de sua parte, posto que toda mulher sabe que todo homem gostaria de possuir um tarugo capaz de aterrorizar a mais devastada das prostitutas!
Conselheiro do Rei - Tesudetta já nasceu sabendo das coisas...
Arlindorlandus - Assim sendo, reitero o que já vos disse: ao bailar com vossa filha, em nenhum momento me ocorreu a obscena idéia de sarrá-la. E o mesmo, vos afirmo, jamais passou pela cabeça de Tesudetta, flor ainda em botão, a inocência personificada. Portanto...
Rei - Nem uma palavra mais! Ou a espada desembanharei e vossa rotunda cabeça cortarei!
Arlindorlandus - Se vossa mão buscar o rumo de vossa espada, o mesmo se dará com a minha! E serei eu a decepar vossa cabeça, por sinal muito mal feita! (Ambos sacam as respectivas espadas. Os Conselheiros se agarram aos seus monarcas, enquanto Tesudetta, após correr para o procêncio, solta um grito lancinante. Toda a cena congela. Tesudetta, à platéia, sob a luz de um único foco)
Tesudetta - Como já vos disse no início desta dolorosa narrativa, já 30 dias se passaram. E nada se modificou. Ou por outra: tudo se modificou. Privado de seus brocolitos, meu pai se encontra neste lamentável estado...(Um foco no Rei, trepado na escada. Ele está com o peito à mostra, onde se vêem manchas arroxeadas) Pústulas nauseabundas adornam seu outrora majestoso peito...(O Rei geme e chora) Quanto a Arlindorlandus, uma vez privado das trulhetas, assim ficou...(Foco no Príncipe, também trepado na escada, a peruca que usava em uma das mãos) Estão lhe caindo todos os pelos, a começar pelos de cima...(Arlindorlandus chora e geme) Quanto a mim, já não sei mais o que fazer. A não ser contemplar impotente os trágicos efeitos da soberba. Sim, pois é ela que os impede de fazer as pazes. Por desmedido orgulho, nenhum dos dois se dispõe a dar o primeiro passo, a estender a mão que selaria a paz. E aqui não se trata, em absoluto, da ferrenha defesa de princípios, pois meu pai tem plena consciência de minha natureza galinácea e se porventura Arlindorlandus a desconhecia, não resta a menor dúvida de que fustigou minha caçapinha com seu inflado bastonete. Seja como for, estamos todos diante deste doloroso impasse. E a menos que algum dos senhores ou senhoras me diga o que fazer para levá-los a renunciar ao capital pecado que os consome, nada me restará a não ser aguardar, resignada, a morte de meu pai e a de meu ardente forrozeiro! (Tempo) E então, senhores? Nenhuma idéia salvadora?
Rei (Agonizando) - Meu reino por um brocolito...
Tesudetta - Por Deus, meu pai agoniza!
Arlindorlandus (Agonizando) - Tudo daria por uma trulheta...
Tesudetta - Vede o lamentável estado em que se encontra Arlindorlandus!
Conselheiro do Rei - É inútil prosseguir com vossas súplicas, Tesudetta (Toda a cena se ilumina)
Conselheiro do Príncipe - Deles não obtereis a salvadora dica.
Tesudetta - E por que não?
Conselheiro do Rei - Porque vossa história não os comoveu.
Conselheiro do Príncipe - E nem convosco se identificaram.
Conselheiro do Rei - E quando a platéia não estabelece com a protagonista a indispensável empatia...
Conselheiro do Príncipe - Narrativa e cena vão ambas pro caralho!
Conselheiro do Rei - Assim, que o pano se feche e as luzes se apaguem!
Conselheiro do Príncipe - E para as coxias marchemos conscientes do próprio fracasso!
Tesudetta - Pois daqui não saio até que um conselho receba!
Conselheiro do Rei - Aceitai a derrota, ninfa pervertida!
Conselheiro do Príncipe - E permiti que a humildade de vosso ser se aposse!
Tesudetta - Poupai meus ouvidos de tão estéril cantilena! Já disse e repito: deste palco só saio quando algum deles se pronunciar!
Conselheiro do Rei - Se assim é, preparai-vos para uma longa agonia...
Conselheiro do Príncipe - Em tudo semelhante à que o destino reservou a vosso pai e a meu senhor...
Conselheiro do Rei - Pois no fundo, assim como no raso, não passais de almas gêmeas...
Conselheiro do Príncipe - Todas padecendo do mesmo e pavoroso pecado.
Tesudetta - E qual seria ele, se não vos importais de m’o dizê-lo?
Conselheiros - A soberba!!! (Acorde dramático. Tesudetta tomba no chão, vítima de soberbo enfarte, ao mesmo tempo em que o Rei e Arlindorlandus exalam o último suspiro. Após constatarem a tripla morte, os Conselheiros vão saindo de cena, cada qual por um lado, lentamente, enquanto as luzes caem em resistência)
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Tesudetta - Toda a tragédia começou no dia que seria o dia mais feliz de minha vida: quando completei 15 anos de radiosa existência, fato ocorrido há um mês. Para comemorar a marcante data, meu pai resolveu promover um grandioso baile, para o qual convidou todos os governantes dos reinos fronteiriços, dentre eles o príncipe Arlindorlandus. E lá pelas tantas, quando os trovadores começaram a entoar uma seqüência de baladas dançantes que muito sucesso faziam, eis que Arlindorlandus me saca pra bailar. (Entra uma música medieval. Arlindorlandus desce da escada e dança com Tesudetta. O Rei descongela, assim como os dois Conselheiros)
Conselheiro do Rei - E todos acompanhávamos, embevecidos, a evolução dos pares, e em especial o formado por Tesudetta e Arlindorlandus, que até então não se conheciam e, surpreendentemente, exibiam total entrosamento.
Conselheiro do Príncipe - Num dado momento, porém, o assombro tomou conta de todos. (Sai a música medieval. Todos congelam, menos o Conselheiro do Príncipe) Como que embalados pelo som de uma música que ninguém ouvia, Tesudetta e meu senhor, Arlindorlandus, passaram a evoluir estranhamente acoplados, e rebolando de tal forma que tivemos a impressão de que um processo de cópula estava em marcha. (Entra um forró. O Rei se ergue, estupefato, a mesma estupefação estampada no rosto dos Conselheiros. Após um tempo,o Rei pula da escada. Cessa o forró)
Rei - Mas o que é isso? Estais possuídos pelo demo? É ele que impregna vossos ouvidos de uma canção que não ouvimos e vos instiga a projetarem para a frente e para trás os mútuos ventres, assim promovendo indecorosa intimidade entre vossas partes pudendas?
Tesudetta - Meu pai, estais interpretando erroneamente...
Rei - Calai-vos, antes que a cólera me domine por completo e te esbofeteie até ver tua rosada face deformada!
Príncipe - Senhor, por que partiríeis para uma agressão tão descabida se...
Rei - Calai-vos vós, igualmente, pois do contrário tuas bochechudas faces receberão idêntico flagelo!
Tesudetta - Oh meu Deus, fazei com que papai...
Rei - Como ousaste sarrar minha única e dileta filha, diante de minhas barbas, em meu castelo, e tendo por testemunha toda a minha nobreza e a fronteiriça?
Arlindorlandus - Perdão, senhor, mas não a sarrava!
Rei - Ah, não? E o que fazíeis, grudando o que imagino que possuís entre as pernas na região análoga de Tesudetta?
Tesudetta - Oh, meu pai, acreditai em vossa filha: nada senti de ofensivo, da parte de Arlindorlandus, na região que mencionais!
Rei - Talvez nada tenhais sentido porque o objeto da ofensa, no presente caso, seja um tanto diminuto! (Tesudetta desvia o olhar do pai, com expressão dúbia)
Arlindorlandus - Sugeris acaso que o pedúnculo que ostento em meu baixo ventre...
Rei - Cagando estou para a dimensão de vosso pedúnculo! Quero apenas que saibas que, de ora em diante, e para todo o sempre, sois persona non grata neste reino!
Todos - Oh!
Rei - E que estão cortadas para todo o sempre as amistosas relações que até então mantínhamos, tanto pessoais como comerciais!
Todos - Oh!
Rei - Assim sendo, ordeno que vos retireis imediatamente de meus domínios, ficando desde já implícito que, se neles fordes algum dia surpreendido, sereis torturado implacavelmente até a morte!
Todos - Oh!
Arlindorlandus - Pois que seja. E o mesmo vaticínio aplico a vós, se porventura e sob qualquer pretexto, fordes surpreendido nos domínios sob minha tutela!
Tesudetta - Meu nobre pai! Gracioso Arlindorlandus! Estais ambos agindo como crianças insensatas! Ponderai com um mínimo de calma acerca da grotesca decisão que acabais de tomar e logo percebereis suas graves conseqüências!
Rei/Arlindorlandus - E quais são elas?
Tesudetta - Afora a perda da mútua amizade que até então vos unia, vos vereis privados daquilo que mais amais!
Rei/Arlindorlandus - E o que seria?
Tesudetta - Não sejais cínicos! Vós, meu pai, sabeis perfeitamente que não conseguireis sobreviver sem degustar diariamente os brocolitos...
Conselheiro do Rei (À platéia) - Palitinhos de brócolis.
Tesudetta - ...que para cá são exportados por Arlindorlandus!
Rei - Serei forte o bastante para suportar a brutal abstinência!
Tesudetta - E quanto a vós, Arlindorlandus: imaginais poder viver sem as trulhetas...
Conselheiro do Príncipe - Trufas em forma de caneta.
Tesudetta - ...que só aqui existem e que meu pai vos envia mensalmente?
Arlindorlandus - Serei forte o bastante para suportar a brutal abstinência!
Tesudetta - Por Deus, sabeis que não! Da mesma forma que não ignorais que todo esse mal-entendido pode ser agora dissipado!
Rei/Arlindorlandus - Jamais!
Tesudetta - Meu pai, por tudo que pode haver de mais sagrado: eu vos juro que não tive minhas partes pudendas fustigadas pelo colossal ariete de Arlindorlandus!
Rei - Como sabeis ser colossal o dito ariete?
Tesudetta - Bem, eu...
Arlindorlandus - Inóspito vizinho: embora esta não seja a ocasião propícia para a revelação de detalhes anatômicos, posso vos garantir que o pedúnculo que ostento se enquadra nos padrões da mais absoluta normalidade!
Conselheiro do Príncipe - Isso é verdade.
Príncipe - E se Tesudetta o adjetivou de “colossal”, isto se deve apenas a um mimo de sua parte, posto que toda mulher sabe que todo homem gostaria de possuir um tarugo capaz de aterrorizar a mais devastada das prostitutas!
Conselheiro do Rei - Tesudetta já nasceu sabendo das coisas...
Arlindorlandus - Assim sendo, reitero o que já vos disse: ao bailar com vossa filha, em nenhum momento me ocorreu a obscena idéia de sarrá-la. E o mesmo, vos afirmo, jamais passou pela cabeça de Tesudetta, flor ainda em botão, a inocência personificada. Portanto...
Rei - Nem uma palavra mais! Ou a espada desembanharei e vossa rotunda cabeça cortarei!
Arlindorlandus - Se vossa mão buscar o rumo de vossa espada, o mesmo se dará com a minha! E serei eu a decepar vossa cabeça, por sinal muito mal feita! (Ambos sacam as respectivas espadas. Os Conselheiros se agarram aos seus monarcas, enquanto Tesudetta, após correr para o procêncio, solta um grito lancinante. Toda a cena congela. Tesudetta, à platéia, sob a luz de um único foco)
Tesudetta - Como já vos disse no início desta dolorosa narrativa, já 30 dias se passaram. E nada se modificou. Ou por outra: tudo se modificou. Privado de seus brocolitos, meu pai se encontra neste lamentável estado...(Um foco no Rei, trepado na escada. Ele está com o peito à mostra, onde se vêem manchas arroxeadas) Pústulas nauseabundas adornam seu outrora majestoso peito...(O Rei geme e chora) Quanto a Arlindorlandus, uma vez privado das trulhetas, assim ficou...(Foco no Príncipe, também trepado na escada, a peruca que usava em uma das mãos) Estão lhe caindo todos os pelos, a começar pelos de cima...(Arlindorlandus chora e geme) Quanto a mim, já não sei mais o que fazer. A não ser contemplar impotente os trágicos efeitos da soberba. Sim, pois é ela que os impede de fazer as pazes. Por desmedido orgulho, nenhum dos dois se dispõe a dar o primeiro passo, a estender a mão que selaria a paz. E aqui não se trata, em absoluto, da ferrenha defesa de princípios, pois meu pai tem plena consciência de minha natureza galinácea e se porventura Arlindorlandus a desconhecia, não resta a menor dúvida de que fustigou minha caçapinha com seu inflado bastonete. Seja como for, estamos todos diante deste doloroso impasse. E a menos que algum dos senhores ou senhoras me diga o que fazer para levá-los a renunciar ao capital pecado que os consome, nada me restará a não ser aguardar, resignada, a morte de meu pai e a de meu ardente forrozeiro! (Tempo) E então, senhores? Nenhuma idéia salvadora?
Rei (Agonizando) - Meu reino por um brocolito...
Tesudetta - Por Deus, meu pai agoniza!
Arlindorlandus (Agonizando) - Tudo daria por uma trulheta...
Tesudetta - Vede o lamentável estado em que se encontra Arlindorlandus!
Conselheiro do Rei - É inútil prosseguir com vossas súplicas, Tesudetta (Toda a cena se ilumina)
Conselheiro do Príncipe - Deles não obtereis a salvadora dica.
Tesudetta - E por que não?
Conselheiro do Rei - Porque vossa história não os comoveu.
Conselheiro do Príncipe - E nem convosco se identificaram.
Conselheiro do Rei - E quando a platéia não estabelece com a protagonista a indispensável empatia...
Conselheiro do Príncipe - Narrativa e cena vão ambas pro caralho!
Conselheiro do Rei - Assim, que o pano se feche e as luzes se apaguem!
Conselheiro do Príncipe - E para as coxias marchemos conscientes do próprio fracasso!
Tesudetta - Pois daqui não saio até que um conselho receba!
Conselheiro do Rei - Aceitai a derrota, ninfa pervertida!
Conselheiro do Príncipe - E permiti que a humildade de vosso ser se aposse!
Tesudetta - Poupai meus ouvidos de tão estéril cantilena! Já disse e repito: deste palco só saio quando algum deles se pronunciar!
Conselheiro do Rei - Se assim é, preparai-vos para uma longa agonia...
Conselheiro do Príncipe - Em tudo semelhante à que o destino reservou a vosso pai e a meu senhor...
Conselheiro do Rei - Pois no fundo, assim como no raso, não passais de almas gêmeas...
Conselheiro do Príncipe - Todas padecendo do mesmo e pavoroso pecado.
Tesudetta - E qual seria ele, se não vos importais de m’o dizê-lo?
Conselheiros - A soberba!!! (Acorde dramático. Tesudetta tomba no chão, vítima de soberbo enfarte, ao mesmo tempo em que o Rei e Arlindorlandus exalam o último suspiro. Após constatarem a tripla morte, os Conselheiros vão saindo de cena, cada qual por um lado, lentamente, enquanto as luzes caem em resistência)
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