Teatro/CRÍTICA
"Aquelas mulheres"
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As aparências enganam
Lionel Fischer
Costuma-se dizer que as aparências enganam. Talvez não enganem sempre, mas com toda certeza no presente caso. Senão, vejamos: numa leitura apressada e superficial, poderíamos supor estar diante de um enredo girando em torno de um jovem escritor em ascensão que, tendo decidido se casar, ao mesmo tempo sente inadiável necessidade de se redimir perante algumas de suas ex-namoradas, as quais abandonou. Então, ele se encontra com quatro delas, em quartos de hotel, sempre em cidades diferentes, e com elas tenta travar diálogos que, em sua opinião, teriam o poder de aliviar sua suposta culpa.
No entanto, não é nada disso que acontece. Autor de um único conto de relativo sucesso, conto este "levemente inspirado" em suas experiências amorosas, o homem agora objetiva escrever um romance. Mas como não consegue extrair de si mesmo a matéria ficcional, procura as ex-namoradas munido de um gravador - fato só revelado no quarto e último encontro -, o que destrói por completo a imagem que dele poderíamos fazer até então: um homem realmente arrependido do que fez e que parte determinado em busca da própria redenção.
De autoria de Neil LaBute, "Aquelas mulheres" está em cartaz no Teatro Fashion Mall, com direção assinada pelo cineasta Flávio R. Tambellini e elenco formado por Pedro Brício (Homem), Larissa Maciel (Sam, namorada de Seattle), Tyler (Paula Braun, namorada de Chicago), Lorena da Silva (Lindsay, namorada de Boston) e Luiza Mariani (Bobbi, namorada de Los Angeles). Como se vê, o protagonista, além de conquistador inveterado e especialista em abandonos, deve nutrir também especial fascínio pela geografia...
Como imagino já estar ao menos sugerido, amor e redenção são coisas que nada interessam ao protagonista. E ele só não assume contornos de um verdadeiro crápula porque, em primeiro lugar, carece - e tudo sugere que tenha consciência disto - do indispensável talento que lhe permitiria escrever sem lançar mão do expediente acima mencionado. Ou seja, é a impotência criativa que o move. E também porque não consegue camuflar sua insegurança, infantilidade e uma certa debilidade emocional típica dos norte-americanos, que, além disso, tentam ser sempre objetivos e pragmáticos, mesmo em questões amorosas, que, como todos sabemos, passam ao largo de quesitos como objetividade e pragmatismo.
Quanto ao texto articulado, Labute sem dúvida objetiva criticar o modus vivendi (cruzes!!!) de seu país, como o faz em todas as suas peças. E certamente consegue criar personagens interessantes e levanta questões pertinentes. Achamos, no entanto, que o texto poderia ter sido um pouco reduzido, o que o tornaria mais contundente.
No que se refere ao espetáculo, Flávio Tambellini impõe à cena uma dinâmica em consonância com o texto, conseguindo diversificar as marcações em função da relação do protagonista com as quatro ex-namoradas. Mas talvez pudesse ter encontrado uma solução mais teatral para a mudança dos cenários (seria mesmo imprescindível alterá-los completamente, com isso perdendo-se um tempo precioso?). Tudo bem que são quatro histórias distintas, mas como todas têm algo em comum, é possível que um intervalo menor entre elas - ou até mesmo a ausência de qualquer intervalo - conferisse à montagem um caráter menos previsível e impregnado de maior nervosidade. Pensando não realisticamente, talvez fosse interessante imaginar que o protagonista, ao invés de visitar sua ex-namoradas, fosse por elas "visitado", como se as tais visitas já tivessem ocorrido e se materializassem na cena como penosas lembranças.
No tocante ao elenco, Pedro Brício intepreta com segurança e variedade emocional um personagem que só não chega a ser abominável porque é patético - o efetivo mal que causou às ex-namoradas me parece inferior ao mal que ele causou, e continuará a causar, a si mesmo. Na pele de Sam, Larissa Maciel faz de forma irretocável aquela típica caipira do interior, com capacidade mínima de refletir com maior profundidade sobre qualquer coisa. Paula Braun está excelente vivendo a descolada e irônica Tyler, cujo maior mérito é o de viver cada momento como se fosse o último, sem ficar inutil e neuroticamente presa a lembranças do passado. Lorena da Silva constrói muito bem a segura e algo vingativa Lindsay, cabendo ressaltar o modo como a atriz consegue mesclar o caráter autoritário e ao mesmo tempo sarcástico da personagem. Finalmente, Luiza Mariani (Bobbi) desenha com perfeição a personalidade mais lúcida do texto, aquela que desmascara o protagonista e por isso o leva ao desespero, sem no entanto em nenhum momento apiedar-se dele e sequer cogitar a hipótese de reatar o relacionamento que tiveram, como ele acaba desejando.
Com relação à equipe técnica, Maneco Quinderé cria sutis variações luminísticas para cada uma das histórias, sublinhando com sensibilidade os múltiplos climas emocionais em jogo. Bettine Silveira responde por figurinos em total consonância com o caráter e condição social dos personagens, sendo corretas a cenografia de Cristina Borges e a trilha sonora do DJ Nepal.
AQUELAS MULHERES - Texto de Neil LaBute. Direção de Flávio R. Tambellini. Com Pedro Brício, Larissa Maciel, Paula Braun, Lorena da Silva e Luiza Mariani. Teatro Fashion Mall. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
domingo, 31 de janeiro de 2010
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