Emily Dickinson
(1830-1886)
"À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickinson". (Harold Bloom).
* * *
Emily Elizabeth Dickinson nasceu em Amherst, Massachusetts, em 10 de dezembro de 1830. Começou seus estudos numa escola local e, aos 17 anos, se matriculou no Mount Holyoke Female Seminary, um colégio para moças que abandonou menos de um ano depois, alegando problemas de saúde. Após essa experiência, optou pela reclusão e foi então que começou a escrever. Publicou seu primeiro poema no periódico Springfield Republican.
Em uma das poucas viagens que realizou, a poeta apaixonou-se pelo reverendo Charles Wadsworth, um amor que nunca foi correspondido. Dickinson viveu grande parte de sua vida na casa paterna, em um quase isolamento físico, e enfrentou diversas crises depressivas. As pessoas mais próximas da poeta foram seus irmãos, Lavinia e Austin, e a mulher dele, Susan Gilbert, que além de amigos eram parceiros intelectuais. Emily morreu de nefrite, em 1886, praticamente desconhecida do público. Após seus falecimento, a família encontrou entre seus pertences mais de 1.750 poemas, escritos a partir de 1850.
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A seguir, coloco aqui alguns poemas curtos, todos desprovidos de títulos, traduzidos por Ivo Bender.
* * *
Eu fui um pintassilgo, nada mais;
Pintassilgo, nada menos -
A pequena nota musical desprezada,
Em seu lugar a inscrevia.
Por andar tão junto ao solo,
Ninguém me procurava;
Era tão tímido que não me acusavam de nada -
Um pintassilgo deixa pegadas mínimas
No assoalho da fama.
* * *
Se o mar, uma vez rasgado,
Outro, mais além, revelar
E esse, ainda outro, e os três
Forem suposição apenas
De mares periódicos
Dessapossados de praias,
À beira dos mares do vir-a-ser,
Eis aí a Eternidade.
* * *
Há uma certa obliqüidade
Na luz das tardes hibernais,
Que oprime feito o peso
Dos Cânticos, nas catedrais.
Com celeste golpe nos fere
E não lhe achamos a cicatriz,
Apenas uma diferença interna,
Lá, onde jazem os sentidos.
Inalterável, essa luz
É signo de desesperança;
É aflição majestosa
Dos altos ares baixando.
Quando chega, fica atenta a paisagem
E não mais respiram as sombras;
Quando parte, é como a distância
Que no olhar da morte se encontra.
* * *
Para as assombrações, desnecessária é a alcova,
Desnecessária, a casa -
O cérebro tem corredores que superam
Os espaços materiais.
Mais seguro é encontrar à meia-noite
Um fantasma,
Que enfrentar, internamente,
Aquele hóspede mais pálido.
Mais seguro é galopar cruzando um cemitériio
Por pedras tumulares ameaçado,
Que, ausente a lua, encontrar-se a si mesmo
Em desolado espaço.
O "eu", por trás de nós oculto,
É muito mais assustador,
É um assassino escondido em nosso quarto,
Dentre os horrores, é o menor.
* * *
Ao varrer o sagrado desvão
Denominado Memória,
Escolhe uma vassoura reverente
E faz em silêncio o teu trabalho.
Será um labor de surpresas -
Além da própria idenditade,
Outros interlocutores
São uma possibilidade.
Nesses domínios é nobre a poeira,
Deixe que repouse intocada -
Não tens como removê-la,
Mas ela pode silenciar-te.
* * *
Banir a mim de mim mesma,
Tivera eu esse dom!
Inexpugnável fosse a minha fortaleza,
Ante toda a audácia.
Uma vez, porém, que eu mesma me assalto,
Como terei paz
A não ser sujeitando
A consciência?
E desde que somos monarcas um para o outro,
Como poderei alcançá-lo
A não ser abdicando
De mim mesma?
* * *
Morri pela beleza, mas estava apenas
No sepulcro acomodada
Quando alguém que pela verdade morrera
Foi posto na tumba ao lado.
Perguntou-me, baixinho, o que me matara:
"A Beleza", respondi.
"A mim, a Verdade - são ambas a mesma coisa,
Somos irmãos".
E assim, como parentes que certa noite se encontram,
Conversamos de jazigo a jazigo,
Até que o musgo alcançou nossos lábios
E cobriu os nossos nomes.
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quarta-feira, 28 de julho de 2010
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