quarta-feira, 7 de julho de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Eu te amo mesmo assim"

.............................................
Musical imperdível na Gávea


Lionel Fischer


"Aqui jaz Nasão, cantor de suaves amores, que pereceu por causa do próprio engenho". (Epitáfio de Ovídio). Mas quem foi Ovídio e o que ele tem a ver com o presente espetáculo, anunciado como um musical sobre o amor e que exibe canções de Cartola, Chico Buarque, Geraldo Azevedo, Gilberto Gil, João Falcão, Roberto Carlos e Vinicius de Moraes, dentre outros ícones da MPB? Bem, vamos por partes. Comecemos com Ovídio.

Poeta latino, Públio Ovídio Naso nasceu em 20 de março de 43 a.C. em Sulmo, atual Sulmona, em Abruzos (Itália) e morreu em 7 d.C em Tomos, hoje Kustendje (Constança), na Romênia, para onde foi exilado oito anos antes de falecer, por razões até hoje não muito claras. Contrariando a vontade de seu pai, que queria vê-lo seguindo uma carreira administrativa, Ovídio optou pela poesia, legando à humanidade obras geniais, com especial destaque para "Metamorfoses", "Heróides" e "Os Fastos", dentre outras, e uma que justamente origina o presente espetáculo, "A arte de amar", na época considerada imoral. E por quê considerada imoral? Porque se resumia a um verdadeiro tratado sobre sedução e o jogo amoroso.

Estamos, portanto, diante de um projeto que, mesclando as sábias e bem humoradas palavras deste poeta maior com canções que, em muitos casos, são também sábias e bem humoradas, pode ser apreciado no Teatro das Artes. Com elenco formado por Laila Garin e Osvaldo Mil, "Eu te amo mesmo assim" chega à cena com direção de João Sanches, supervisão de João Falcão e adaptação de Jô Abdu - também participam do espetáculo os músicos Tássio Ramos, Ricco Viana, Rick de La Torre e Toninho Van Ahn.

Dividida em três segmentos, no primeiro a montagem nos mostra o que fazer para conquistar o coração amado; no segundo, como preservar uma relação; e finalmente, caso esta relação termine, como devemos agir para esquecer um grande amor. Diante disto, algumas conclusões se impõem. A primeira delas diz respeito à ótima adaptação de Jô Abdu, que fez pouquíssimas alterações no original. A segunda é o perfeito casamento entre o texto e a ótima seleção musical, ao que me parece feita em parceria por João Falcão, Jô Abdu e João Sanches. E este último quesito merece especial destaque, pois promove eventuais e imprevistas quebras no tom do espetáculo - em dados momentos, por exemplo, quando o texto discorre "seriamente" sobre uma questão amorosa, entra uma música cafonérrima, mas em total sintonia com as emoções em causa. Realmente, um achado maravilhoso.

Quanto ao espetáculo, João Sanches impõe à cena uma dinâmica ao mesmo tempo sóbria e divertida, valendo-se de marcações que traduzem de forma exemplar os conteúdos em jogo. Mas isso só se torna possível graças à ótima atuação dos atores/cantores. Tanto nas passagens em que o texto predomina, quanto naquelas em que o canto é o foco, Laila Garin e Osvaldo Mil formam uma dupla de desempenho irretocável. Trabalham tanto o humor quanto os momentos mais sofridos com a mesma eficiência. E além disso, exibem ótima contracena e uma cumplicidade que só se materializa quando os intérpretes confiam plenamente um no outro e na proposta que protagonizam. Possivelmente ainda não muito conhecidos do grande público carioca, tenho absoluta certeza de que, através deste espetáculo, logo atingirão o lugar de destaque que merecem.

Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta empreitada teatral imperdível - Alexandre Elias (direção musical), Duda Maia (direção de movimento), Kika Lopes (figurinos) e João Sanches (iluminação). Cabe ainda destacar o projeto de sonorização de Branco Ferreira, pois, ao contrário do que muitas vezes ocorre em nossos musicais, aqui a excelente banda toca em um volume que não cobre a voz dos intérpretes.

EU TE AMO MESMO ASSIM - Texto de Ovídio. Adaptação de Jô Abdu. Supervisão de João Falcão. Direção de João Sanches. Com Laila Garin e Osvaldo Mil. Teatro das Artes. Terça e quarta, 21h. Quinta, 17h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário