quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Teatro/CRÍTICA



"A prostituta respeitosa"



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Libelo contra a segregação






Lionel Fischer


"Texto do consagrado autor francês, expoente do Existencialismo, 'A prostituta respeitosa' conta um caso de segregação racial nos Estados Unidos na década de 40. Lizzie é uma prostituta branca que deixa Nova York para tentar vida nova numa cidade do sul. Na viagem de trem testemunha o assassinato de um negro cometido por um branco, sobrinho do ilustre senador Clark. A partir daí, a família deste vai fazer de tudo para comprar seu falso testemunho".

Este fragmento, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o tema central da peça, ora em exibição no Centro Cultural da Justiça Federal. Silvio Guindane assina a direção do espetáculo, que tem elenco formado por Anita Terrana, Nill Marcondes, Daniel Marinho, Antonio Estevan, Iran Malfitano e Sergio Fonta.

Escrita em 1946 e baseada num fato real, a peça retrata obviamente o horror de Sartre pela moral e ética americanas da época, mas também pode ser encarada em termos metafóricos - a prostituta Lizzie simbolizaria a França, inteiramente dividida, em termos ideológicos, entre os alemães e os aliados. Mas fiquemos com a obra em seu sentido mais imediato.

A prostituta Lizzie sabe que foi um branco o autor do crime e chega até mesmo, em alguns momentos, a abrigar o acusado negro em sua casa. E realmente tenta resistir a todos os subornos que lhe são oferecidos pela família do assassino. No entanto, seu encontro com o senador Clark - extremamente simpático, supostamente justo e na aparência ferrenho defensor da verdade, quando não passa de uma síntese perfeita de tudo aquilo que de mais abominável imperava na sociedade americana da época - acaba sendo decisivo para compactuar com a abjeção perpetrada por seu sobrinho, que assim escapa incólume ao crime que cometera. Cabe ainda registrar que, não encontrando o negro que procuravam, a elite branca acaba ateando fogo a um outro negro, tão inocente quanto o primeiro.

Verdadeiro libelo contra a segregação racial, "A prostituta respeitosa" também pode e deve ser entendida como uma obra que investe furiosamente contra todos os abusos cometidos por aqueles que detêm o monopólio do poder. Neste sentido, permanece autalíssima - ou será que alguém acredita que esta abjeta prática foi banida de nosso curioso ploaneta?

Com relação ao espetáculo, Silvio Guindane impõe à cena uma dinâmica correta, investindo no que a obra possui de mais essencial: o embate de idéias entre os personagens, e a conseqüente exposição de seus conflitos. Mas, ainda que louvável, sua intenção não chega a se materializar de forma totalmente satisfatória e isto em função da atuação de parte do elenco, que obviamente contou com seu aval.

Na pele da protagonista, Anita Terrana se entrega totalmente à personagem, isto é inquestionável, mas o faz quase sempre valendo-se de um tom de voz excessivamente alto, beirando a histeria, assim como de um ritmo por demais acelerado, o que contribui para minimizar o grave dilema que vive. Não quero dizer que devesse assumir uma postura interiorizada, intelectual, pois isso fugiria à personalidade da personagem. Mas acredito que um grau menor de sofreguidão contribuiria para ressaltar bem mais o dilema da protagonista.

Em contrapartida, Sergio Fonta exibe um ótimo trabalho na pele do senador Clark, conseguindo explicitar suas principais e nocivas características, já mencionadas acima. Daniel Marinho também apresenta ótima performance na pele do sobrinho do senador, um indivíduo totalmente adepto da moral e ética vigentes mas que, ao mesmo tempo, nutre pela prostituta uma atração que contraria por completo os valores que defende. Vivendo o personagem negro, Nill Marcondes trabalha bem o medo do personagem, mas acredito que também poderia valorizar mais sua revolta, sua indignação com a perseguição de que está sendo vítima. Antonio Estevan e Iran Malfitano exibem atuações pouco expressivas.

Na equipe técnica, destaco a ótima tradução de Miroel da Silveira. João Gomes assina uma cenografia que atende a todas as necessidades da montagem, sendo corretos os figurinos de Marcelo Marques, a mesma correção presente na iluminação de...de quem mesmo? No programa consta o seguinte: Design de Luz (João Gomes); Iluminador (Arthur). Afinal, quem responde pela luz? À primeira vista, João Gomes. Mas então o sr. Arthur teria que ser nomeado "operador de luz" e não "iluminador". E aproveito a ocasião para manifestar minha sorridente repulsa por estas recentes denominações, que atualmente constam de quase todos os programas: design de luz, design de som, design de movimento etc. Será que chegaremos a um ponto em que o ator, por exemplo, deixará de interpretar um personagem e o "desenhará"?

A PROSTITUTA RESPEITOSA - Texto de Jean-Paul Sartre. Direção de Silvio Guindane. Com Anita Terrana, Nill Marcondes, Daniel Marinho, Antonio Estevan, Iran Malfitano e Sergio Fonta. Centro Cultural da Justiça Federal. Quarta e quinta, 19h.





2 comentários:

  1. Concordo com o crítico,em relação ao comentário sobre o ator Daniel Marinho,gostei demais da peça e principalmente da atuação do referido ator.

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