terça-feira, 27 de outubro de 2009

O credo do crítico

H. Clurman


Todo tipo de talento, por menor que seja, deve ser sempre levado a sério, principalmente os que estão perto de nós. Não sugiro que sigamos a recomendação de Herman Melville: "A América deve primeiro exaltar suas crianças medíocres, antes de elogiar...as crianças de mérito de outros países". Admito, no entanto, que é insensato deixar passar ou subestimar fatores como uma percepção do presente e de presença. Mas a aptidão crítica não consiste somente em reconhecer o talento: também tem que ter capacidade de avaliá-lo. O teatro americano está ricamente suprido de talentos, mas quase sempre de talentos insuficientemente grandes para serem bem aproveitados.

Isto nos mostra um aspecto da crítica de teatro que decididamente somos culpados. Nossos elogios são normalmente a resposta de um efeito, um registro de estímulo. Aplaudimos a pessoa que produz o efeito, com uma aclamação que vai de um elogio à engenhosidade até uma declaração de genialidade. Mas o que conta no talento é a sua seriedade própria, seu significado, como e de que maneira nos afeta, o sustento humano que nos oferece. Cianeto de potássio é tremendamente eficaz, mas não é alimento...

Tudo, mesmo o condenável, deve ser expresso no teatro. Não posso ter certeza de nada, a não ser que seja testado pelo seu oposto. Preciso das negações de Beckett, mesmo que seja só porque elas fortalecem minhas afirmações. Preciso da "deteorização" de Genet para manter minha saúde. Aceito a loucura em certos dramaturgos modernos para encontrar meu equilíbrio. Existe um discurso não convencional autêntico e a sua imitação da moda; é obrigação do crítico diferenciá-los.

Ele deve peneirar a substância que compõe cada talento, em relação a ele mesmo como uma pessoa representativa de um certo público. Expressões como "interessante", "uma boa peça", "uma beleza" não são suficientes. Temos que saber o que estas qualidades realmente produzem, como funcionam. O trabalho mais importante do crítico, repito, não é falar do que gosta ou não gosta, como se existisse apenas agrado ou desagrado, mas definir com exatidão a natureza do que ele analisa.

O que falei sobre julgamento de textos se aplica igualmente à situação e aos elementos que fazem parte da produção de uma peça de teatro. Hoje em dia a maioria das críticas refere-se muito menos à atuação, direção e cenários do que a avaliação dos textos. O valor da atuação é medido principalmente pelo grau de atração que ela exerce. Raramente o ator é julgado pela sua relevância na peça como um todo, pois, para começar, o significado da peça raramente é especificado. Falando em atuação, o crítico deve julgar a textura e composição do papel, na medida em que o ator o molda através de seu dom natural e do domínio de sua arte.

Talvez não se devesse ser tão rigoroso com o crítico, quando é negligente ou omisso em relação à atuação, direção etc., já que a maior parte das atuações e direções nos nossos palcos hoje, por razões que não vêm ao caso comentar no presente contexto, raramente pode ser considerada melhor do que competente. Em tais casos, uma reflexão "profunda" torna-se supérflua, quando não pretenciosa.
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Este artigo, aqui bastante resumido, está publicado na íntegra na revista Cadernos de Teatro
nº 119/1988. Extraído de Encore. 11. 2. 1964. Tradução de Maria Cristina F. Barros. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio.

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