quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Palavras na brisa noturna"
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Bela e expressiva montagem
Lionel Fischer
O autor, ator e diretor Fábio Porchat tem apenas 25 anos e até agora, salvo monumental engano de nossa parte, todas as suas atividades - ou praticamente todas - estiveram voltadas para o humor. No entanto, e certamente para surpresa de todos, resolveu escrever e dirigir um espetáculo de grande dramaticidade. Livremente inspirado no livro homônimo, da autora chinesa Xinran Xue, o texto se baseia nos depoimentos verídicos de cinco mulheres, colhidos por Xinran, em especial no período em que a China vivia a Revolução Cultural. E embora os cinco relatos sejam diferentes, possuem a perda como tema predominante.
Em cartaz no Teatro dos Quatro (terças e quartas, 21h), Palavras na brisa noturna exibe cinco monólogos, interpretados por cinco atrizes diferentes: Patrícia Vazques (A mosca), Regina Gutman (A esperança), Cristina Rudolph (Quarenta e cinco anos), Pollyana Rocha (O pai) e Fernanda Maia (Terremoto).
Quando nos referimos à perda como tema principal, isto deve ser entendido de forma abrangente, pois em todas as histórias as personagens perdem algo, seja por circunstâncias alheias à sua vontade, seja por imposição de alguém ou mesmo de algum fenômeno natural. Em
A mosca, ambientada em um hospital, uma menina fala, ainda que metaforicamente, de um abuso sexual por ela sofrido. A esperança gira em torno de uma mulher madura que não consegue rever o filho. Já em 45 anos, a personagem relata o que se passou com ela, durante esse tempo, após ter sido abandonada pelo marido. Em O pai, uma jovem nos conta como foi violentada por três homens - ou teria sido seu próprio pai? Finalmente, Terremoto é centrada na leitura que uma jovem faz do que lhe aconteceu durante um tremor de terra que destruiu sua cidade - e este é o segmento, digamos, mais poético e menos realista.
Como não lemos o original, não sabemos em que medida Fábio Porchat o recriou. Mas o que importa ressaltar é a qualidade do material ao qual temos acesso, invariavelmente impregnado de dor, perplexidade, amargura, desesperança e mais alguns sentimentos análogos. Trata-se, sem a menor dúvida, de um texto de grande qualidade, que permite ao espectador não apenas acompanhar as histórias com emoção, mas também refletir sobre o conteúdo das mesmas.
Fábio Porchat faz, aqui, uma bela estréia como autor dramático.
Com relação ao espetáculo, este se desenvolve em um atmosfera ritualística, quase sempre em um ritmo lento, mas nem por isso monótono. Isto se deve não apenas à expressividade do desenho cênico, mas também às ótimas atuações de todas as atrizes. Cada uma delas consegue extrair todo o potencial de seus monólogos, sem lançar mão de expedientes facilitadores, cabendo ressaltar a paixão com que se entregam à tarefa de materializar conteúdos tão dolorosos.
Na equipe técnica, destacamos com entusiasmo os belíssimos figurinos de Samuel Abrantes, a despojada e expressiva cenografia de Cláudio Torrres Gonzaga e Mayra Renna, a sensível e soturna iluminação de Russinho e a surpreende trilha sonora de Paulo Carvalho, que mescla canções e depoimentos de personalidades ou artistas congrados, em projeção sonora propositadamente "arranhada e suja", como a sugerir um tempo passado que já deveria ter desaparecido de nossa memória, mas que volta e meia retorna, dificultando o iniciar de novas caminhadas guiadas por renovadas esperanças.
PALAVRAS NA BRISA NOTURNA - Texto e direção de Fábio Porchat. Teatro dos Quatro. Terça e quarta, 21h.

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