segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"A janela e o jardim"

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Pertinências e oscilações


Lionel Fischer


No release que nos foi enviado, em dado momento o autor e diretor Paulo Biscaia diz o seguinte: "O eixo conceitual desta investigação cênica gira em torno da relação fenomenológica do ser humano com a memória e o tempo". Tal formulação me remeteu, de imediato, à de uma tese de mestrado. Já no programa distribuído ao público, o mesmo Paulo Biscaia fala de seu texto e do espetáculo numa linguagem bem menos acadêmica, não isenta de humor e de pertinentes reflexões sobre os temas abordados. Então, pensei: afinal, o que irei assistir?

Ainda no mesmo release, chega a informação de que a companhia paranaense Vigor Mortis, fundada por Biscaia em 1997, em Curitiba, segue uma linha de atuação baseada na tradição do Grand Guignol - "leva cena, texto e interpretação ao limite entre a linguagem teatral e audivisual". E embora tal definição me pareça questionável, seja como for não foi exatamente isto o que vi, pelas razões que apresentarei mais adiante. Mas por ora registremos que "A janela e o jardim" está em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, com elenco formado por Clara Serejo (Carmella, maquiadora) e Mônica Bassan (Catarina, cirurgiã plástica).

Fundada em Paris, em 1895, por Oscar Métenier, a companhia Théâtre du Grand Guignol ficou célebre por apresentar peças de terror, que contribuíram para fixar um gênero próprio associado ao nome da companhia. "Guignol" era o nome original de uma personagem de fantoche, de comportamento violento e satírico, protagonista de espetáculos de fantoches na França do século XVIII. Mais adiante, os bonecos foram substituídos por atores, que representavam pequenos enredos violentos, macabros e repletos de crimes horrendos, sendo Le jardin des suplices (1899), de Octave Mirbeau, uma peça referência do gênero.

Entretanto, e como já foi dito acima, nada no texto ou no espetáculo remete ao Grand Guignol - ao menos no sentido que a ele atribuo. O enredo gira em torno de duas amigas, filhas de mães suicidas, cujas profissões de certa maneira têm algo em comum - a maquiadora impõe aos rostos transformações provisórias, enquanto a cirurgiã molda faces, mas nenhuma das duas consegue alterar o que de fato importa: a essência de suas clientes. Isto, por sinal, é dito por Paulo Biscaia em seu ótimo texto do programa.

Estaríamos, portanto, diante de um tema com grande potencial dramático. E não resta dúvida de que muitas passagens contêm observações pertinentes sobre sobre a insatisfação humana e nossa relativa impotência em empreender transformações significativas. Mas a estrutura narrativa é não raro um tanto confusa, sobretudo quando a ação é interrompida para a maquiadora, por exemplo, explicar para a platéia a suposta eficácia de seus métodos.

E quanto à encenação - esqueçamos o Grand Guignol - Paulo Biscaia consegue muitas vezes criar uma atmosfera bastante instigante, um tanto surreal e alucinatória, pois a cena é trabalhada de tal forma que jamais chegamos a ter certeza sobre a natureza do encontro entre as duas amigas, interpretadas com segurança e sensibilidade por Clara Serejo e Mônica Bassan. Este encontro pode ser real ou fictício, ou quem sabe estar ocorrendo tanto no presente como na memória de cada uma delas. Ou até mesmo podemos especular que ambas não passam das faces de uma mesma moeda. Enfim...cada espectador fará a sua leitura.

Com relação à equipe técnica, Carla Berri assina uma cenografia em sintonia com o material dramatúrgico, sendo correta a iluminação de Paulo César Medeiros, a mesma correção aplicando-se aos figurinos criados pelas duas atrizes e à trilha sonora de Maurício Benghi.

A JANELA E O JARDIM - Texto e direção de Paulo Biscaia. Codireção de Cesar Augusto. Com Clara Serejo e Mônica Bassan. Centro Cultural Justiça Federal. Sexta a domingo às 19h.

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