Afetos
Lionel Fischer
"Deus, Oh Deus! Aonde estás que não respondes?
Em que mundo, em que estrela Tu te escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito..." (Castro Alves)
O divino poeta, falecido aos 24 anos, procurava por Deus, como fica evidente neste fragmento acima reproduzido. Não sei se O encontrou. Mas imagino que, se vivesse hoje em dia, talvez endereçasse suas dúvidas à questão dos Afetos.
Posso estar enganado - e aqui cumpre registrar que tenho a singular propriedade de me enganar com desconfortável freqüência, ao menos sobre determinados assuntos -, mas me parece que cada vez mais as pessoas estão tendo enorme dificuldade de lidar com algo que, ao menos teoricamente, não deveria gerar tantas controvérsias. Estou me referindo aos Afetos.
Como não sou psicanalista, sociólogo, antropólogo etc., não me considero capaz de formular teorias a respeito do tema. Mas posso tentar reproduzir, na forma que se segue, o pensamento masculino médio atual, já advertindo que não se trata de um esquete ou um esboço de uma peça. Dois Personagens, amigos de longa data, estão conversando. O personagem EU sou eu mesmo. O outro, ELE, sintetiza a forma de pensar da maioria dos muitos e queridos amigos que possuo, que nada têm de debilóides.
A cena se passa num bar ou em qualquer lugar afeito a conversas e confissões. E acontece, digamos, no dia seguinte àquele em que, hipoteticamente, conheci um mulher interessante.
ELE - E aí?
EU - Trocamos telefones.
ELE - Os aparelhos?
EU - Você está cada vez mais engraçado...
ELE - Desculpa. É que eu não resisto a uma piada.
EU - Maravilhosa, por sinal...
ELE - Continua.
EU - Já esqueci o que estava falando...
ELE - Deixa de bancar a criança ofendida. Você deu pra ela o número do seu celular e ela deu pra você o número do celular dela.
EU - Estou espantado com a tua perspicácia...
ELE - E aí? Qual foi o passo seguinte?
EU - Me deu vontade de ligar pra ela cinco minutos depois de nos despedirmos.
ELE - Mas você não fez isso...
EU - Não, não fiz.
ELE - Ainda bem.
EU - Por quê?
ELE - Porque seria ridículo.
EU - Ridículo? Por que, se foi esse o meu desejo?
ELE - Tem que dar um tempo.
EU - Quanto tempo?
ELE - No mínimo, três dias.
EU - Por que três dias e não dois ou quatro?
ELE - Três dias é um tempo legal. Se ela também se interessou por você, vai sentir tua falta.
EU - Ou vai achar que eu não vou ligar nunca.
ELE - É uma hipótese.
EU - É mais do que uma hipótese: é praticamente um risco idiota que eu estaria correndo, sem a menor necessidade.
ELE - Se você ligar antes de três dias, ela vai te considerar invasivo.
EU - Palavra linda, essa...invasivo...
ELE - Ela vai ter certeza de que você é do tipo que "gruda".
EU - Mas eu não sou, nem nunca fui assim!
ELE - Mas ela vai achar.
EU - Problema dela.
ELE - Problema teu. Vai por mim.
EU - Tudo bem: eu vou por você. Espero os tais três dias, me corroendo de saudades dela. Daí eu ligo e...
ELE - Fala qualquer coisa, menos que teve saudades dela, que gostaria muito de revê-la etc.
EU - Mas foi isso que eu senti!
ELE - Tudo bem, mas não precisa declarar.
EU - E falo o quê? Do tempo, da Bolsa de Valores, que o mico leão dourado está em vias de extinção...
ELE - Não precisa ser tão evasivo, né?
EU - Linda essa palavra: evasivo...
ELE - Você pode, por exemplo, perguntar o que ela vai fazer na próxima sexta-feira.
EU - E se estivermos na sexta? Pergunto o que ela vai fazer na seguinte?
ELE - Não, aí você pode perguntar se ela tem algum programa pro dia seguinte, sábado.
EU - E se ela já tiver?
ELE - Você se mantém impassível e deixa a entender que, sendo o Rio de Janeiro praticamente uma aldeia, mais cedo ou mais tarde vocês se esbarrarão por aí...meio que por acaso, pecebe?
EU - Não, não percebo. Eu não quero ficar esperando que o acaso me contemple com suas bênçãos. Quero que ela saiba que adorei nosso primeiro encontro e que, se ela também sentiu o mesmo, seria ótimo que nos reencontrássemos. Há algum crime em ser claro?
ELE - Há. Mulher tem horror à clareza. Elas sempre priorizam o mistério. Em se tratando de sentimento, se você for logo muito objetivo com uma mulher ela vai achar que você é um homem fácil, que está disponível e...
EU - Mas eu estou disponível!
ELE - Mas ela não pode ter essa certeza! Se tiver, some!
EU - Então que suma! Estaria, por sinal, me fazendo um grande favor, já que não seria quem eu pensei que era!
ELE - Você só esteve com ela uma vez. Não pode ter pensado nada de tão especial. Não deu tempo.
EU - Escuta aqui, amigo queridíssimo: eu posso perfeitamente ter um encontro de 15 minutos com uma mulher e ter absoluta certeza de que gostaria de escrever uma história com ela!
ELE - Uma história de 15 minutos...
EU - Talvez, mas que pode ser mais intensa do que outra que dure 15 anos!?
ELE - Você é realmente uma cara do século dezenove...
EU - E você é realmente um cara do século vinte e um!
ELE - Você tá zangado comigo?
EU - Não, muito pelo contrário. Nossa conversa está sendo ótima.
ELE - Fico aliviado.
EU - E está sendo ótima porque resolvi ligar agora mesmo pra ela!
ELE - E se cair na secretária?
EU - Deixo um recado.
ELE - Que tipo de recado?
EU - Que não posso mais viver cinco minutos sem ela!!! Que tive a certeza de que ela não é deste planeta, que provavelmente nasceu em Vênus, a primeira estrela!
ELE (Após gargalhar de forma quase obescena) - Você nunca vai ter essa mulher...
EU - E talvez acrescente que tive a impressão de que seu coração - o dela, não o teu - é como um jardim de fadas, onde até o vento caminha de mansinho!
ELE - Aí ela vai achar que você é gay...
EU (Após expressiva pausa) - Vamos pedir a conta?
ELE - Mas ainda é cedo!?
EU - Não, é tardíssmo!
ELE - Você está com sono? Acorda cedo amanhã?
EU - Não...não estou com sono, nem acordo cedo amanhã. É que estou louco pra chegar em casa e escrever um poema de amor.
ELE - E vai mandar pra ela?
EU - Certamente.
ELE - Mensagem ou e-mail?
EU - Carta! Sou um homem do século dezenove...
ELE - Você sabe o endereço dela?
EU - Não. Mas descubro.
ELE - Ela vai contar pras amigas. Você vai virar motivo de piada...
EU - Que ótimo. É sempre bom quando conseguimos fazer com que as pessoas riam...
ELE - Há risos e risos...
EU - De fato. E há homens e homens...
ELE - Você não existe, cara...
EU - Graças a Deus!
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quinta-feira, 7 de julho de 2011
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