sexta-feira, 29 de julho de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Rosa"

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Comovente relato no Leblon


Lionel Fischer


"Rosa é uma senhora judia de aproximadamente 80 anos que, durante o shivah (período de luto judaico), relembra sua vida, como sua infância em Yultishka - cidadezinha perdida no meio da Ucrânia, de estradas de terra batida e de casinhas minúsculas - até seus dias atuais, em Miami Beach, na América que lhe acolheu.

Rosa também se recorda de vários outros momentos marcantes, como sua mudança para Varsóvia, a invasão da Polônia pelos nazistas, o sonho da Palestina - a terra dos antepassados, que Deus havia prometido - sua passagem por Jerusalém, Atlantic City e Connecticut. Clandestina num navio, em Sete, na França, Rosa também viu o mar pela primeira vez e achou que era uma alucinação. Com leveza, emoção e uma pitada de ironia, a personagem nos conduz para quase um século de histórias - suas e do mundo".

Extraído do release que me foi enviado, o texto acima resume o enredo de "Rosa", em cartaz na Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon. De autoria do norte-americano Martin Sherman (o mesmo de "Bent"), "Rosa" chega à cena com direção de Ana Paz e interpretação a cargo de Debora Olivieri.

Estruturado de forma confessional, o monólogo efetivamente nos conta, como dito no release, as histórias da protagonista e as do mundo em que viveu. E que histórias são essas? Certamente, as de Rosa; mas estas transcendem a singularidade da personagem e nos oferecem um amargo painel de todos os horrores impingidos aos judeus com o advento do nazismo. 

Em sua primeira parte, escutamos relatos tenebrosos de momentos que gostaríamos que não tivessem existido. Mas existiram e lembrá-los é sempre oportuno, ainda que doloroso, pois o neonazismo está mais vivo do que nunca. E não apenas ele, mas toda uma série de correntes políticas ou religiosas que, estruturadas no fanatismo e na intolerância, sustentam que a felicidade só pode se materializar com o aniquilamento de todos aqueles que não rezam a mesma cartilha.

Ou seja: nesta ou em qualquer outra esfera, se nos recusamos a refletir sobre nosso passado estamos condenados a repeti-lo. E obviamente que só mentes completamente doentias desejam que se repita algo parecido com o abominável massacre de que foi vítima o povo judeu.

Já em sua segunda parte, quando a protagonista está na América, aí o texto torna-se mais leve, com o autor permitindo-se exibir, em muitas passagens, o deliciosamente crítico humor judaico. Mas ainda assim as reflexões de Rosa não deixam de conter aspectos melancólicos, muitas carências, perplexidades e dúvidas. E a soma de tantas peculiaridades converte a protagonista numa personagem impregnada de comovente humanidade.

Quanto ao espetáculo, a diretora Ana Paz criou uma dinâmica cênica que prioriza de forma admirável os principais conteúdos deste texto belíssimo. Renunciando a inúteis mirabolâncias formais, a encenadora mantém a protagonista sentada, na maior parte da montagem, o que obriga o público a concentrar-se na riquíssima narrativa. E este singelo detalhe certamente contribuiu para que conseguisse extrair de Debora Olivieri uma atuação maravilhosa.

Compondo uma idosa sem valer-se de recursos óbvios, como um corpo encurvado, maquiagem pesada ou voz trêmula, Debora Olivieri não representa uma idosa, mas a vive - sei que os verbos "representar" e "viver" podem soar muito parecidos, mas um olhar atento sobre a cena permitirá a qualquer espectador mais sensível perceber a sutil diferença entre ambos.

Entregando-se por completo à personagem, valorizando tanto as passagens mais amargas quanto aquelas em que o humor predomina, Debora Olivieri extrai o máximo do extraordinário papel criado por Martin Sherman e sua performance é, sob todos os aspectos, uma das mais marcantes da atual temporada.

Na equipe técnica, Manuel Mendes Silva responde por fluente tradução, sendo absolutamente irretocáveis as expressivas  contribuições de Hélio Eichbauer (cenografia), Paulo César Medeiros (iluminação) e Ana Monteiro de Castro (figurinos).

ROSA - Texto de Martin Sherman. Direção de Ana Paz. Com Debora Olivieri. Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 18h.

Um comentário:

  1. ME SINTO PRIVILEGIADA POR TER TIDO UMA CRITICA TAO ESPECIAL E TAO SENSÍVEL COMO ESSA. QUE DELICIA SER ATRIZ E PODER ASSISTIR DE CAMAROTE ATE ONDE CHEGO AOS OUVIDOS DAS PESSOAS. COM CARINHO DEBORA OLIVIERI

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