Teatro/CRÍTICA
"Turbilhão"
................................................................
Montagem imperdível no Ginástico
Lionel Fischer
Já escrevi, em diversas ocasiões, que considero Domingos Oliveira o autor nacional que mais entende de amor - aí incluindo-se, naturalmente, as paixões, em suas infinitas variantes. Pois bem: aqui o tema está de novo presente. Desiludida com suas relações afetivas, uma psicanalista resolve dar um tempo e canaliza todas as suas energias para o trabalho. Ocorre, porém, que tal resguardo já dura três anos e então, inesperadamente, ela recebe a visita de seu pai, já falecido! E o fantasma a encoraja, de forma veemente, a renunciar a uma castidade que considera quase imoral.
A partir daí, a psicanalista baixa a guarda e se apaixona. Não por um homem, mas por dois. Um bem jovem, o outro mais velho. Após um tempo em que este curioso triângulo a satisfaz, chega o momento em que ela se vê obrigada a fazer uma opção. Fica com o mais jovem? Fica com o mais velho? Ou renuncia a ambos?
Eis, em resumo, a trama principal de "Turbilhão", peça escrita e dirigida por Domingos Oliveira, que acaba de estrear no Teatro Sesc Ginástico. No elenco, Luana Piovani, Jonas Bloch, Pedro Furtado, Duaia Assumpção, Fernando Gomes, José Roberto Oliveira, Moisés Bittencourt. Estes são os intérpretes do palco. Intérpretes do palco...como assim? Existem outros? E onde atuam?
Sim, existem outros, que integram a equipe do cinema - mais adiante esclareço melhor do que se trata. São eles: Camilla Amado, Tatiana Muniz, Luiz Machado, Cecília Lage e as crianças Bernardo Maia, Diogo Ariel, Gabriel Alexandre, Jorge Alessandro, Juca Peres e Yuri Sousa Conceição. E temos também a participação de Paulo José, que faz as narrações em off.
Como dito no parágrafo acima, cabe uma explicação no tocante às duas equipes de atores que integram o espetáculo. Isto se deve à forma concebida por Domingos Oliveira para materializar "Turbilhão". Aqui, teatro e cinema convivem - ou se confrontam - o tempo todo. Personagens contracenam no palco, personagens contracenam na tela, personagens do palco e da tela interagem e, muitas vezes, os personagens da tela invadem o palco, sem a menor cerimônia.
Ou seja: desprezando totalmente o realismo, Domingos cria uma nova linguagem, que, não podendo ser encaixada em nenhuma outra, afigura-se como uma mescla de poderosíssima fantasia com, digamos, uma total disponibilidade para permitir o aflorar dos mais variados impulsos do inconsciente.
Com isto quero dizer o seguinte: quando, por exemplo, a psicanalista conversa com seu falecido pai, eu, enquanto espectador de teatro, assistindo a uma peça de teatro, posso achar perfeitamente natural que alguém converse com um fantasma, ao invés de supor que esteja tendo um surto. Por que não?
Ao que me consta, quando Hamlet se encontra com o fantasma do pai, ninguém acredita que tenha enlouquecido. E se acredita, então também deveria acreditar que os amigos que o avisam da presença do espectro teriam igualmente surtado...
E para encerrar este tópico: em "Valsa nº 6", Nelson Rodrigues faz de uma menina morta sua protagonista. E quando indagado sobre a validade de tal expediente, respondeu : "Coloquei uma morta em cena porque não vejo obrigação para que uma personagem seja viva. Para o efeito dramático, essa premissa não quer dizer nada".
Continuemos, portanto.
Já mencionei a trama principal, que vem mesclada a outras tantas. Mas aqui me vejo diante de um impasse: se por um lado gostaria de explicitar mais o enredo, por outro me acossa a certeza de que, se o fizer, estarei privando a platéia de inesperadas e deliciosas surpresas. Sendo assim, opto pelo silêncio, me permitindo no máximo dizer que a peça comporta mais um fantasma, um burguês atormentado com sua agenda, um funcionário indeciso, um corruptor, uma cantora decadente - personagens do palco - e outros tantos que atuam na tela.
Com relação ao texto, este é sem dúvida um dos melhores já escritos por Domingos Oliveira - que contou com a colaboração de Tatiana Muniz tanto na escrita quanto na concepção do espetáculo. Divertida, comovente, profundamente sábia em seu olhar sobre múltiplas contradições humanas, contendo ótimos personagens e diálogos impecáveis, "Turbilhão" reúne todas as condições para se tornar um dos eventos teatrais mais marcantes da atual temporada.
Quanto ao espetáculo, já deve ter ficado implícito que adorei a inédita e corajosa proposta de Domingos Oliveira, posto que impõe à cena uma dinâmica que, dentre seus muitos méritos, talvez o maior resida no convite que faz ao espectador para sonhar junto, para libertar sua imaginação e fantasia de estéries racionalizações ou conceitos acadêmicos de irritante anacronismo.
No teatro, tudo é possível. Desde que, naturalmente, seja teatro, o espaço sagrado onde, há três mil anos, o homem discute suas questões essenciais. E aqui estamos diante de muitas questões essenciais, trabalhadas de forma brilhante por um artista de exceção.
No que diz respeito ao elenco, torno a repetir o que já disse tantas vezes: este país pode carecer de tudo, menos de ótimos intérpretes.
E todos que participam desta deliciosa e inusitada empreitada teatral/cinematográfica exibem desempenhos absolutamente convincentes, tanto nas passagens mais dramáticas como naquelas em que o humor predomina. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo, e aproveito para pedir aos sempre caprichosos deuses do teatro que facultem longa e vitoriosa trajetória para este inesquecível "Turbilhão".
Na equipe técnica, ocorre o mesmo, merecendo todos os aplausos as participações de Fernando Mello da Costa (cenografia), Elisa Faulhaber (figurinos), Cadu Fávero (iluminação), Bruno Ribeiro (vídeos), Paulo José (narração), Tatiana Muniz (colaboração no roteiro cinematográfico), Wladimir Pinheiro (pianista), Gui Campos e André Miranda (direção de fotografia), Pedro Moreira (som direto), Marcelo Pedrazzi (montagem) e Bernardo Gebara (edição de som).
TURBILHÃO - Texto e direção de Domingos Oliveira. Com Luana Piovani, Jonas Bloch, Pedro Furtado, Duaia Assumpção, Fernando Gomes, José Roberto Oliveira, Moisés Bittencourt e muitos, muitos outros intérpretes. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a domingo, 19h.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário