A POÉTICA TEATRAL DE LORCA: A
ESPANHA, OS GITANOS E A MORTE
Federico Garcia Lorca foi um
dos maiores representantes do teatro poético do século XX. Seu interesse pela
arte dramática é, inclusive, muito precoce, e já aos vinte e dois anos de
idade, em Madri, fazia ele encenar "El malefício de la mariposa" à
qual se seguiram outras. Já na edição do "Libro de Poemas" já se
encontra poemas como "Santiago", escrito em 1918, à época com 20
anos, por Lorca (1989:55), onde já se encontra os diálogos cênicos.
Com a existência do grupo La
Barraca, conjunto de amadores dirigido por Lorca e que levou às cidades de seu
país espetáculos culturais de grande importância, "transformando-se
num esplêndido veículo difusor das mais legítimas representações clássicas do
teatro espanhol" (Cavalheiro, apud Lorca 1975). A sua plenitude como
dramaturgo só foi alcançada com a trilogia, essencialmente trágica, formada por
"Bodas de Sangue", "Yerma" e "A casa de Bernarda
Alba", esta última, a sua única peça escrita inteiramente em prosa e
talvez a sua obra dramática suprema. Para Lorca: "O teatro é o barômetro
de um povo".
Nesse sentido, observa Mota (1989)
que a produção dramatúrgica lorquiana, iniciada muito cedo, apoia-se na sua
alta capacidade de superar o mimetismo e recriar personagens, cujo sentido trágico
e às vezes patético faz delas irrequietos anjos ou demônios, porém marcadas
pelo profundo traço de humanidade e, por conseguinte, mais próximas da própria
vida, herança do teatro clássico grego. Nessas peças, paralelamente às
expressões secas e profundas, o poeta justapõe deliciosas glosas populares,
quadras espirituosas, enfim, filões do tesouro oral espanhol. O teatro
lorquiano apresenta-se impregnado de poesia, numa demonstração do quanto ele
soube louvar-se nos recursos da poética diretamente ligada à essência da
iberidade.
Yerma,
poema trágico, aborda o sofrimento de uma mulher estéril de forma a lhe
conferir a maior densidade. Em plena vida do campo, em meio a costumes a que
não faltam a poesia e as notas comuns de um cotidiano em que se inserem
personagens simples, desenrola-se esse pungente drama de maternidade frustrada.
"Não há em Yerma desperdício de
vocábulos, quadros secundários. As palavras são essenciais, caem da boca dos
personagens dolorosas como cutiladas em carne viva" (Cavalheiro, apud
Lorca, 1975)
Dona
Rosita, a Solteira ou A Linguagem das
Flores, é um poema granadino do novecentos, dividido em vários jardins com
cenas de canto e dança. Dessa comédia levemente irônica, o próprio Lorca (1975)
diria: "Escrevo quando sinto prazer. Não sou desses autores que seguem a
teoria de um livro todos os anos. Minha última comédia eu a concebi em 1924.
(...) No entanto, não escrevi até 1935. Foram os anos que bordaram as cenas e
puseram versos à história da flor..."
A
Casa de Bernarda Alba apresenta um Lorca que se despojara aos 36 anos de
idade, de quaisquer elementos não substanciais para oferecer, com
impressionante realismo, uma das suas obras-primas. Peça de forte intensidade e
vigor, sentimentos e emoções. A Casa de
Bernarda Alba faz sentir, com efeito, o que ainda era lícito esperar do
autor, não o colhesse a morte trágica pouco depois de a ter concluído. É o
drama das mulheres nos povoados de Espanha, onde se conserva todo o realismo
vibrante na pujança da linguagem lorquiana. A respeito mencionou Barata
(1979:75): “(...) uma encenação da Casa
de Bernarda Alba, em que Bernarda era representada por um ator, procurando
o encenador vincar o aspecto repressivo e machista do clima que se vive no
universo fechado e andrógino criado por Lorca".
Bodas
de Sangue é uma tragédia em 3 atos desenvolvidos em 7 quadros, onde o autor
deixa claro que seu teatro é poesia, referindo-se às bodas pela dupla morte dos
personagens e como a parte instintiva e vital do homem que aproxima impulsiva e
incontrolavelmente, Leonardo e a noiva, fazendo-os esquecer as posições sociais
e deveres assumidos, e o sangue que explode rompendo com todas as convenções
derramando-se nas mortes finais, envolvendo um noivo que casara mas não
desposara e uma noiva que foge com o ex-noivo após a cerimônia do casamento.
O texto percorre a trajetória
de uma mãe que havia perdido o marido e filhos assassinados pela navalha de
inimigos e que se encontra com o seu único filho que irá se casar com uma jovem
moça, que se encontrava largada de um noivado e que, por isso, abre a
premonição de que seu filho também será assassinado. A noiva que se casa e foge
com o ex-noivo que é assassinado. Ela procede para junto da sogra, pedindo-lhe
perdão e pretendendo viverem juntas. O noivo se casa com a jovem que durante as
festas das bodas foge com o ex-noivo Leonardo. Leonardo que já se encontrava
casado, abandona a mulher e foge com a noiva após a cerimônia do casamento,
sendo encontrado pelo noivo em renhida luta, matando-se um ao outro. Com o
homicídio de ambos os litigantes, a mãe passa a odiar a noiva que provocou a
morte do seu filho.
No texto, a morte é uma mendiga
que atravessa toda a trama, insinuando seu desejo de carregar almas inocentes.
Além desses personagens, constam a mulher de Leonardo que já desconfiava da
paixão recôndita do marido pela noiva, constatando com a fuga de ambos, após o
casamento dela; a sogra de Leonardo, que desconfia dele e protege a filha; a
criada que menciona à noiva, as aparições noturnas de Leonardo pelas cercanias;
a rapariga, o pai da noiva, a lua, o lenhador e rapazes. Para Castagnino
(1970:139) Lorca cultivou uma poesia de cunhagem própria e um teatro de feição
inovadora com "Bodas de Sangue".
O título Bodas de sangue é saturado de poesia; portanto, ambíguo,
ambivalente. Pode-se pensar de início que ele se deve ao fato de as bodas
terminarem em dupla morte, com o derramamento de sangue, mas pode-se entender
por sangue a parte instintiva e vital do homem, que aproxima impulsiva e
incontrolavelmente Leonardo e a noiva, fazendo-os esquecer as posições sociais
e deveres assumidos. É o sangue, este impulso refreado, que, não mais podendo
ser sufocado, explode rompendo com todas as convenções, derramando-se nas
mortes finais. Bodas de sangue, no sentido literal; mas também bodas dos instintos
que, manifestando-se tardiamente, levam à morte.
As personagens, dentro de seus
papéis sociais, obedecendo às normas da sociedade, impedem ou querem impedir
Leonardo de dar livre curso às suas tendências e impulsos. Leonardo é o indivíduo
que não aceita a limitação do próprio
ser à mera função social: daí ser dotado de nome. Lorca, como todo bom andaluz,
está aderido à sua terra, valendo-se sempre da natureza animal e vegetal.
Para Lorca, a representação dramática
é a poesia que se levanta do livro e se faz humana. E, ao fazer-se humana, fala
e grita, e chora e se desespera". O drama Bodas de sangue é a representação de fortes paixões que estão
enraizadas na raça espanhola, composta pelo cruzamento de vários povos de
sangue quente: andaluzes, árabres, mouriscos. O amor leva à paixão desenfreada,
a traição, a vingança e esta leva à morte. O clima trágico percorre o drama de
ponta a ponta. A entrega da noiva ao ex-namorado é o impulso da carga
biopsíquica da teoria determinista, que tolhe ao indivíduo o livre-arbítrio.
A falta de coragem de enfrentar
tempestivamente a opinião pública, pois na sociedade espanhola o sentimento de
honra gritava mais forte do que o direito à felicidade. O código social, pelo
casamento de um e pelo noivado da outra, encontra-se irremediavelmente violado
e a desonra tem que ser lavada com sangue.
Para Castagnino
(1970, p. 41) o teatro para Lorca é poesia, mas poesia dramática. Seu caráter
poético não consiste apenas no valor lírico dos versos ou formas intercalados
em sua obra, mas também na substância dramática - recriação ou invenção de
vidas apresentadas em sua dimensão estética: "A lírica, pela voz de
Federico Garcia Lorca, igualou o Tempo ao Duende; ao duende, demônio do
instante. (...) Da luta entre duende e anelo de transcender, nasce o canto
perdurável e se elevam os estranháveis paradoxos que a lírica plasmou em todos
os tempos”. Também Ortega y Gasset (1958) assinala que “é indizível quanta
fruição extrai o andaluz de seu clima, de seu céu, de suas manhãzinhas azuis,
de seus crepúsculos dourados. Seus prazeres não são interiores, espirituais,
bem fundados em supostos históricos (...) o andaluz tem um sentido vegetal da
existência”.
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Extraído
de www.luizalbertomachado.com.br
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