Teatro/CRÍTICA
"Dueto para um"
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Salvação através da arte
Lionel Fischer
Considerada uma das maiores violoncelistas do século XX, a inglesa Jacqueline du Pré (1945-1987) foi forçada a interromper sua carreira aos 28 anos, quando constatou-se que era portadora de esclerose múltipla. Aqui a personagem - inspirada em du Pré - é uma violinista extraordinária que padece da mesma e incurável doença. Forçada a locomover-se em uma cadeira de rodas, por insistência do marido (excelente e renomado compositor) Stephanie passa a fazer terapia com o psiquiatra Feldmann. Através de seis sessões, os dois travam verdadeiros embates abordando variados temas, dentre eles a dificuldade de lidar com a perda e a possibilidade da transcendê-la, substituindo o desamparo por uma inesperada pulsão de vida.
Eis, em resumo, o enredo de "Dueto para um", do dramaturgo inglês Tom Kempinski. Em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc, o espetáculo tem direção assinada pela atriz Mika Lins, estando o elenco formado por Bel Kowarick e Marcos Damigo.
Em belo e comovente texto que consta do programa, o maestro João Carlos Martins, que abandonou o piano em função de um acidente, estabelece emocionado paralelo entre sua história e a da personagem, chegando à conclusão de que o artista só encontra salvação através da arte - no caso de Stephanie, ela dedicou-se ao magistério até onde lhe foi possível.
É óbvio que o maravilhoso texto de Kempinski trata de uma situação específica, mas nada nos impede de alargar seu alcance, pois muitos de nós, em dados momentos, quando temos a impressão de que não existe uma saída, somos levados a crer que só nos resta desistir, inclusive apelando para o suicídio, como cogita a personagem. Mas o autor sustenta, e nisso acredito piamente, que é sempre possível ao menos tentar transcender os males que eventualmente nos atingem e buscar alternativas para seguir em frente, usufruindo na medida do possível esta dádiva que é o ato de viver.
Escrito com maestria, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e constante alternância de climas emocionais, "Dueto para um" recebeu excelente versão cênica de Mika Lins. Estruturando a cena de forma sóbria, elegante e despojada, a encenadora exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações dos intérpretes.
Na pele de Stephanie, Bel Kowarick exibe performance irretocável, valorizando tanto o desespero da protagonista quanto seu cáustico humor e eventuais explosões de agressividade. Evidenciando total domínio vocal e corporal, a atriz também impressiona por sua capacidade de escuta, pela forma como reage em silêncio às observações mais contundentes do psiquiatra. Sem dúvida, uma das mais brilhantes performances da atual temporada. Em papel de menores oportunidades, ainda assim Marcos Damigo convence plenamente dando vida ao psiquiatra que, normalmente contido, carinhoso e educado, quando se faz necessário não hesita em renunciar ao distanciamento típico de sua profissão e deixa aflorar as emoções que o acossam.
Com relação à equipe técnica, destaco com especial entusiasmo os figurinos criados pela encenadora. Ao invés de usarem roupas comuns, os personagens estão vestidos como concertistas - o médico, em especial. Ou seja: sem deixar de ser um psiquiatra, o Dr. Feldmann passa também a sugerir, em termos simbólicos, a figura de um maestro, talvez capaz de convencer sua paciente de que existe a possibilidade de uma nova partitura, da criação de uma insuspeitada música que servirá de antídoto ao desespero de Stephanie.
Cássio Brasil assina uma cenografia sofisticada e original, que atende a todas as necessidades da montagem, sendo muito expressivas a música original de Marcelo Pellegrini e a iluminação de Caetano Vilela, cabendo ainda registrar a ótima tradução de Ana Saggese.
DUETO PARA UM - Texto de Tom Kempinski. Direção de Mika Lins. Com Bel Kowarick e Marcos Damigo. Sala Multiuso do Espaço Sesc. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 18h.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
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