PEDAGOGIA
Michel Foucault
Por meio de uma análise histórica inovadora, o
filósofo francês viu na educação moderna atitudes de vigilância e adestramento
do corpo e da mente
Michel
Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de
médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale
Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista.
Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade
de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e
Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu
origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou
o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra
começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969
na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos
Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com
longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de
Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da
Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em
1984.
Poucos pensadores da segunda metade do século 20 alcançaram repercussão tão rápida e ampla quanto o francês Michel Foucault. Por ter proposto abordagens inovadoras para entender as instituições e os sistemas de pensamento, a obra de Foucault tornou-se referência em uma grande abrangência de campos do conhecimento. Em seus estudos de investigação histórica, o filósofo tratou diretamente das escolas e das idéias pedagógicas na Idade Moderna. Além disso, vem inspirando uma grande variedade de pesquisas sobre educação em diversos países. “Foi Foucault quem pela primeira vez mostrou que, antes de reproduzir, a escola moderna produziu, e continua produzindo, um determinado tipo de sociedade”, diz Alfredo Veiga-Neto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em vez de tentar responder ou discutir as questões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios de questionamento e crítica ao modo como elas são encaradas. A primeira conseqüência desse procedimento é mostrar que categorias como razão, método científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a sistemas circunscritos historicamente. Para ele, não há universalidade nem unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. O peso das circunstâncias não significa, no entanto, que o pensador identificasse mecanismos que determinam o curso dos fatos e os acontecimentos, como o positivismo e o marxismo.
Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o iIuminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra ou de um lugar para outro, dependendo de suas interações.
Disciplina e modernidade
Foucault
concluiu, no entanto, que a concepção do homem como objeto foi necessária na
emergência e manutenção da Idade Moderna, porque dá às instituições a
possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se
inclui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, a
disciplina – um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou
domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo que o
iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e
proteção aos cidadãos – como família, hospitais, prisões e escolas –, também
inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição.
Esses mecanismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com
poderes de manejar espaço, tempo e registro de informações – tendo como
elemento unificador a hierarquia. “As sociedades modernas não são
disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos
igual e irremediavelmente presos às disciplinas”, diz Veiga-Neto.
O filósofo não
acreditava que a dominação e o poder sejam originários de uma única fonte –
como o Estado ou as classes dominantes –, mas que são exercidos em várias
direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula Microfísica
do Poder). Esse exercício também não era necessariamente opressor, podendo estar
a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas
instituições e idéias uma teia complexa, em que não se pode falar do
conhecimento como causa ou efeito de outros fenômenos. Para dar conta dessa
complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele,
não há relação de poder que não seja acompanhada da criação de saber e
vice-versa. “Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra
aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em
que vivemos”, explica Veiga-Neto.
Arqueologia do saber
A contestação e
a revisão de conceitos operadas por Foucault criaram a necessidade de refazer
percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra
seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a
medicina etc. Três fases se sucederam em sua obra. A da arqueologia do
conhecimento é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo
com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi
sistematizado. A genealógica corresponde a um conjunto de investigações das
correlações de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na
passagem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado.
Finalmente, a fase ética centra o foco nas práticas por meio das quais os seres
humanos exercem a dominação e a subjetivação, conceito que corresponde,
aproximadamente, a assumir um papel histórico.
A docilização do corpo no espaço e no tempo
Para Foucault,
a escola é uma das "instituições de seqüestro", como o hospital, o quartel e a prisão. "São aquelas
instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou
social mais amplo e os internam, durante um período longo, para moldar suas
condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam
etc.", diz Alfredo Veiga-Neto. Com o advento da Idade Moderna, tais
instituições deixam de ser lugares de suplício, como castigos corporais, para
se tornarem locais de criação de "corpos dóceis".
A docilização do
corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este
enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos
produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico,
idealizado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832): uma construção de
vários compartimentos em forma circular, com uma torre de vigilância no centro.
Embora não tenha sido concretizado imediatamente, o panóptico inspirou o
projeto arquitetônico de inúmeras prisões, fábricas, asilos e escolas. Uma das
muitas "vantagens" apresentadas pelo aparelho para o funcionamento da
disciplina é que as pessoas distribuídas no círculo não têm como ver se há
alguém ou não na torre. Por isso, internalizam a disciplina. Ampliada a
situação para o âmbito social, a disciplina se exerce por meio de redes
invisíveis e acaba ganhando aparência de naturalidade.
Para pensar
É comum a
educação ser encarada como um valor único, invariável e redentor. Mas Foucault
a via enredada em seu contexto cultural. Por isso, o ensino que em uma época é
considerado a salvação do ser humano, em outra pode ser visto como nocivo. Você
já pensou nas implicações políticas e sociais da educação atual, com base em
sua experiência? O professor brasileiro leva em conta as conclusões ao planejar
o trabalho em sala de aula?
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