(1889-1937)
T. Cole e H. K. Chitnoy
Richard Boleslavsky foi o primeiro a ensinar aos atores americanos, de maneira formal, as técnicas de Stanislavsky e do Teatro de Arte de Moscou. Poucos eram mais qualificados que este artista polonês para transmitir o sistema do modo como Stanislavsky o havia desenvolvido nas primeiras décadas deste século.
Boleslavsky tornou-se membro do Teatro de Arte de Moscou em 1906 e durante três anos frequentou a escola do Teatro de Arte. Ele participou de algumas das primeiras produções em que Stanislavsky testou sua nova abordagem: A month in the country, de Turguenev, e The living corpse, de Tolstoi. Em 1911, era um dos assistentes de Gordon Craig na famosa produção de Hamlet para o Teatro de Arte de Moscou.
Naquele mesmo ano, Boleslavsky passou a integrar o First Studio, organizado por Stanislavsky para experimentar os novos princípios que se tornariam mais tarde o seu Sistema de interpretação, e foi o responsável pela direção de sua primeira produção, The good hope, de Hejerman. Stanislavsky disse que essa produção "revelou em todos que dela participaram uma simplicidade especial, até então desconhecida, e uma profundidade na interpretação da vida do espírito humano". Boleslavsky trabalhou com o First Studio até 1920, quando ele dexou a Rússia.
Ele veio para os Estados Unidos em 1922, e recebeu Stanislavsky e os membros do Teatro de Arte, em sua turnê de 1923. Com Maria Ouspenskaya, que ficou nos Estados Unidos depois que o restante da trupe retornou à Rússia, fundou o American Lab Theatre. Aqui, atores e diretores norte-americanos tiveram a oportunidade de estudar pela primeira vez o Sistema de Stanislavsky.
Boleslavsky deu uma série de palestras sobre interpretação teatral no Teatro Princess, de Nova York, em 1923, e no mesmo ano começou a publicar suas aulas na Thatre Arts Magazine, através das quais muitos puderam conhecer a "concentação", a "memória das emoções" e outras facetas do Sistema. Ao apresentar estes conceitos numa série de aulas práticas, ele fez com que novos estudantes de teatro tivessem acesso à nova abordagem.
Boleslavsky e seus colegas planejaram para o American Lab Theatre um currículo que treinaria tanto o que ele chamava de "meios externos de expressão" do ator - seu corpo e sua voz - quanto seus "meios internos de expressão" - sua imaginação, suas emoções e seu potencial cultural e intelectual, em termos gerais. Após alguns anos a escola já possuía um teatro de repertório, ao qual Boleslavsky dedicou-se muito, como também ao trabalho de estudantes mais adiantados.
Seu laboratório atraiu muitos professores e estudantes interessantes: entre os primeiros estavam John Mason Brow, Mikhail Mordkin, Douglas Moore (o compositor), e Francis Fergusson; e entre os segundos, alguns viriam a dominar o ensino do teatro nos 40 anos seguintes - Lee Strasberg, Harold Clurman e Stella Adler. o "Método" desenvolvido por estes professores deve muito a Boleslavsky, que, diretamente e através de seus alunos, transformou a interpretação teatral americana.
Após a crise de 1929, Boleslavsky mudou-se para Hollywood, onde trabalhou como roteirista de cinema e diretor. Em 1933, a Theatre Arts publicou seus artigos sob o título de "Interpretação: as seis primeiras lições", o primeiro texto na América sobre o sistema de Stanislavsky.
(Agora vou omitir uma parte significativa deste artigo e dele extrair dois tópicos - escritos por Boleslavsky - que ainda tiram o sono de muita gente) - Lionel Fischer
O que é Memória espiritual ou afetiva?
Foi o psicólogo francês Ribot quem a mencionou pela primeira vez, há cerca de 40 anos. De acordo com a sua terminologia, "memória afetiva" é a capacidade que o organismo humano tem de armazenar, inconscientemente, diversas emoções e choques psicológicos vivenciados e de revivê-los em situações exteriores, fisicamente idênticas.
Por exemplo: uma moça, ao voltar para casa carregando um buquê de lírios que acabara de colher, fica sabendo da morte trágica de seu noivo. No momento em que soube da notícia ela estava sentindo o perfume das flores. Muitos anos se passaram depois daqueles momentos, mas a moça, apesar de casada e feliz, experimentava o mesmo nervosismo do dia da tragédia cada vez que sentia o cheiro de lírios, sem se dar conta do fato. Além disso, cada vez que ela via aquelas flores, seus olhos, inconscientemente, enchiam-se de lágrimas, formando-se um hábito do qual ela nunca conseguiu se livrar.
Como usar a memória afetiva
na preparação de um papel?
O ator, após decidir qual o sentimento necessário ao seu papel, tenta achar em sua "memória afetiva", recordações que o lembrem daquele sentimento. Ele pode utilizar todos os meios para revivê-lo, começando pelo próprio texto e terminando por sua própria existência de vida, pela lembrança de livros e, finalmente, usando a sua própria imaginação. Depois, através de uma série de ensaios e exercícios graduais, o ator chega ao ponto em que basta só pensar no sentimento para conseguir senti-lo ao máximo e por quanto tempo for necessário.
Um ator que vai interpretar Othelo, por exemplo, chega à conclusão de que o ciúme faz parte de seu personagem. Então ele procura em seu "cofre dourado de sentimentos" algumas lembranças relacionadas ao ciúme e descobre possuir várias que, direta ou indiretamente, têm a ver com ele; por exemplo, ao ler no jornal uma crítica excelente sobre um colega seu, ele havia se sentido muito enciumado de modo parecido com o ciúme do personagem. Ficou excessivamente irritado e ao mesmo tempo foi muito amável com seu colega.
Outra lembrança foi a da ocasião em que sua esposa recebeu uma carta cujo envelope vinha escrito com uma letra muito estranha. Por alguma razão ela não lhe disse o teor da carta e ele, por sua vez, não quis lhe fazer perguntas sobre o assunto. O incidente despertou nele vários sentimentos: uma luta interna entre o desejo de ler a carta e descobrir o que ela dizia, e o respeito pela vontade da mulher de que ele não e lesse.
A simples lembrança de um sentimento pode, às vezes, levar o ator a revivê-lo inteiramente, como nos casos narrados, e seu coração começa a bater mais rápido . Neste caso, a única coisa que ele tem a fazer é desenvolver aquele sentimento através de repetidos vivenciamentos daquela lembrança até familiarizar-se com ela a ponto de controlá-la a qualquer momento, segundo sua vontade.
Mas há casos em que a simples lembrança não basta para acionar a "memória afetiva", e o ator tem que lançar mão de recursos puramente físicos. Por exemplo: ver sua esposa ler qualquer coisa o levaria a ter o sentimento que experimentou ao vê-la ler a carta misteriosa.
Em outras palavras, este trabalho consiste em achar e desenvolver os sentimentos internamente, e não, na sua reprodução externa. Podemos chamá-lo de "dever de casa" do ator - preparo da paleta e o fornecimento das cores a serem utilizadas.
No decorrer de seu trabalho, ele não deve pensar em como vai reproduzir um certo sentimento - mas somente como vai achá-lo, senti-lo em todo o seu corpo, acostumar-se a ele, e deixar que a própria natureza encontre meios de expressá-lo.
A próxima fase do trabalho de ator é quando, após ter descoberto e desenvolvido os sentimentos necessários, ele começa a aplicá-los ao texto do autor. Este é um dos momentos mais bonitos de nosso trabalho. Após colecionar todas as cores conhecidas de ciúmes, e desenvolvê-las a ponto de torná-las mais próximas e reais, o ator que até então não ousasse tocar no texto de Shakespeare pode começar a fazê-lo agora.
O ator, elevando-se ao nível da exaltação e controlando totalmente as nuances de seu novo sentimento, começa a proferir, na solidão de seu estúdio, as palavras imortais do autor. Tímido no começo, como se não ousasse tocá-las, ele começa a dar às palavras novas formas, pontuadas não pelas regras de elocução, mas pela grande mente criativa do autor em comunhão com seu próprio espírito criativo.
A esta altura o ator sabe perfeitamente o seu papel e as palavras vêm a ele facilmente, como se fossem fruto dos sentimentos. Ele nunca toca nas palavras sem estar movido por seus sentimentos. Nunca lê ou repete suas falas - ele as vivencia...
Se o autor tiver se expressado de modo correto, o ator não pode mudar ou adicionar uma só palavra ao texto, pois seus sentimentos devem estar em harmonia e seus corações devem bater no mesmo compasso. Se isto não acontecer, é dever do diretor percebê-lo e corrigir a um ou outro, de acordo com o sentimento que for mais valioso.
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Artigo extraído - e aqui reduzido, como já foi dito - da revista Cadernos de Teatro nº 130/1992, edição já esgotada.
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