sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"Gorda"

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Divertida crítica ao preconceito

Lionel Fischer


Como todos sabemos, vivemos acossados por múltiplas tiranias - sociais, econômicas, políticas etc. Mas também por outras, digamos, menos atreladas à dinâmica da História, mas sem dúvida de caráter extremamente nocivo. Nos tempos que correm, a imagem é tudo. E no caso específico da mulher, ela pode reunir dezenas de qualidades - morais, espirituais, intelectuais, dentre muitas outras - mas estará a um passo da desgraça se não for magra.

Trata-se, evidentemente, de uma completa estupidez, posto que oriunda da bizarra crença de que a magreza seria uma espécie de passaporte para a felicidade. E o modelo a ser seguido seria o das manequins, em sua maioria anoréxicas, deprimidas e de curta sobrevida em uma profissão que impõe medicamentos que aniquilam a saúde.

No presente caso, estamos diante de uma gorda assumida e feliz, que se apaixona por um jovem e belo executivo - sendo plenamente correspondida - e com ele inicia um romance, certa de que ele é diferente de todos os homens, já que despido de preconceitos quanto ao conceito de beleza em voga. E a platéia também embarca nessa ilusão, pois o dito executivo tinha um caso com uma colega de trabalho perfeitamente enquadrada nos padrões vigentes - bonita e MAGRA! - e a troca pela gordinha. No entanto, ele acaba não resistindo às pressões e piadas dos amigos, assume sua fraqueza e o romance naufraga.

Eis, em resumo, o enredo de "Gorda", do norte-americano Neil Labute, em cartaz noTeatro das Artes. O argentino Daniel Veronese assina a direção do espetáculo, Kledir Ramil a tradução e a adaptação, estando o elenco formado por Fabiana Karla (Helena, a gorda), Michel Bercovitch (Tony, o jovem e belo executivo), Fávia Rubin (Joana, a magrinha) e Mouhamed Harfouch (Caco, colega de trabalho de Tony).

O presente texto pode ser definido como uma comédia e como tal desperta muitos risos. No entanto, acreditamos que tais risos não são apenas fruto das muitas piadas e passagens realmente engraçadas, mas de uma espécie de manifestação do inconsciente coletivo da platéia, que, embora torça pela Gorda, certamente compactua com os preconceitos de que ele é vítima. Se assim não fosse, todos ririam menos e se indignariam mais. E quando se chega a um final melancólico, certamente a platéia fica triste, mas no fundo deve acreditar que o desfecho não poderia ser outro. Ou seja: somos todos, ou quase todos, descaradamente preconceituosos e certamente não aprovaríamos que um filho nosso, belo e bem sucedido, se unisse a uma mulher que norteia sua vida a partir de valores que não podem ser aferidos numa balança.

Quanto ao espetáculo, Daniel Veronese impõe à cena uma dinâmica simples, basicamente centrada na relação entre os personagens. E tal escolha se revela totalmente adequada, pois aqui o que realmente interessa está muito mais ligado às palavras do que a marcações mirabolantes. E os conteúdos propostos pelo autor afloram de forma irrepreensível, graças ao ótimo rendimento que Veronese extraiu do elenco.

Na pele da Gorda, Fabiana Karla exibe performance irretocável, plena de humor e humanidade. A mesma excelência está presente na atuação de Michel Bercovitch, que materializa com grande sensibilidade um caráter não isento de impulsos salutares, mas essencialmente fraco. Mouhamed Harfouch também brilha encarnando aquele americano típico - brincalhão, aparentemente parceiro e solidário, mas no fundo um canalha inteiramente dominado por abjetos preconceitos. Finalmente, Flávia Rubin também apresenta uma performance em total sintonia com a idiota a quem dá vida.

Na equipe técnica, consideramos de bom nível o trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada - Kledir Ramil (tradução e adaptação), Graciela Platek (direção musical), Alberto Negrin (cenografia), Vanessa Lopes (figurinos) e Gonzalo Cordova (iluminação, aqui adaptada e operada por Marcelo Andrade).

GORDA - Texto de Neil Labute. Direção de Daniel Veronese. Com Fabiana Karla, Flávia Rubin, Michel Bercovitch e Mouhamed Harfouch. Teatro das Artes. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.

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