segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Teatro/CRÍTICA

"O bem do mar"
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O bem que nos faz um gênio
Lionel Fischer
Como se sabe, existem discussões tolas e pertinentes. Dentre as primeiras, uma delas diz respeito à conceituação do que é ou deixa de ser "teatro". E aqui chegamos aos musicais isentos de qualquer texto. Para certos sábios ou especialistas, não seria teatro, posto que renuncia à palavra. No entanto, em minha modesta opinião, "palavra" não se limita a algo articulado em um determinado idioma, mas também a uma narrativa (ainda que simples) que pode ser apreendida através das letras das canções. Ou será que tais letras não constituem palavras, não abordam sentimentos, não geram reflexões? É evidente que sim. E por isso julgamos TEATRO o presente espetáculo, estruturado a partir de 68 canções de um gênio chamado Dorival Caymmi.
Em cartaz no Teatro do Leblon, "O bem do mar" chega à cena com concepção e direção de Antonio De Bonis, direção musical e arranjos vocais de Ricardo Rente, arranjos de Ricardo Rente (Parte I - Bahia, lembranças), Wagner Tiso (Parte II - Copacabana by night, anos 50) e Leandro Braga (Parte III - Histórias de pescadores) e elenco formado por Ana Velloso, Dandara Mariana, Daúde, Dério Chagas, Fábio Ventura, Fael Mondego, Flavia Santana, Gabriel Tavares, Izabella Bicalho, Lilian Valeska, Marcelo Capobianco, Marcelo Vianna, Patrícia Costa e Thiago Thomé, além dos músicos Alfredo Machado (violão), Fernando Pereira (bateria), Firmino (percussão), Flávia Chagas (violoncelo), Luiz Flavio Alcofra (violão), Ricardo Rente (sopros) e Rodrigo Villa (contrabaixo).
Como já foi dito, a presente montagem leva a assinatura de Antonio De Bonis, que embora já tenha encenado musicais com texto, como "Dolores" e "Orlando Silva, o cantor das multidões", também fez várias e bem-sucedidas incursões em musicais desprovidos de palavras, tais como "Lamartine pra inglez ver" (1989), "Lamartine II - o resgate" (1991) e "É no toco da goiaba" (1995), dentre outros. Portanto, nada mais natural que retome um formato tão teatral quanto qualquer outro. E que o faça de forma brilhante.
É claro que os invejosos de plantão, sempre atentíssimos ao sucesso alheio e incapazes de refrear sua inveja patológica, poderão argumentar: "Ah, mas qual a dificuldade de se montar um musical tendo por base canções de um gênio?". Todas, eu diria. Porque uma coisa é você colocar em cena cantores (ou atores/cantores, que seja) apenas cantando. Aí seria um show. Outra coisa, completamente diversa e que acontece nesta irrepreensível montagem, é você conseguir criar uma dinâmica cênica em que os atores/cantores estabeleçam relações com a platéia e entre eles em total sintonia com os conteúdos das letras e a força das melodias, que também contribuem para enfatizar os múltiplos climas emocionais propostos pelo compositor - ou será que existe alguém tão desprovido de neurônios que ainda acredite que a palavra cantada tenha menos força do que quando apenas falada?
Enfim...tais considerações eu as fiz apenas para reforçar minha certeza absoluta de que estamos diante de um espetáculo maravilhoso - um espetáculo TEATRAL maravilhoso -, repleto de humor, fantasia, lirismo e dramaticidade. E que exibe marcações sensíveis e criativas, executadas com paixão e competência pelo excelente elenco, todo ele empenhado em valorizar ao máximo as 68 canções deste verdadeiro patrimônio nacional que é Caymmi.
Com relação à equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o trabalho de todos os profissionais envolvidos, além dos já mencionados arranjadores e músicos - Duda Maia (direção de movimento), Débora Garcia (preparação vocal), Jaime Arôxa (coreografias das músicas "Saudade da Bahia", Samba da minha terra" e "Acontece que eu sou baiano"), Sérgio Marimba (cenografia), Ney Madeira (figurinos) e Aurélio de Simoni (iluminação), cabendo registrar que as coloaborações destes três últimos estão certamente dentre as melhores que já realizaram em suas carreiras, sendo de fundamental importância para o êxito indiscutível desta montagem imperdível. E finalizamos fazendo um singelo apelo àqueles que, a exemplo das viúvas machadianas, pouco fazem além de ficar se corroendo de inveja pelos cantos: dêem uma passada no Teatro do Leblon e é possível que um milagre se produza, levando-os a adotar uma postura bem mais salutar e produtiva do que esta que mantêm ferrenhamente e a nada conduz.
O BEM DO MAR - Concepção e direção de Antonio De Bonis. Músicas de Dorival Caymmi. Com grande elenco. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.

Um comentário:

  1. Nunca duvidei de sua sensibilidade e capacidade para perceber tantas nuances num mesmo espetáculo. A discussão que você levanta quanto a ser ou não um espetáculo teatral por não ter um texto convencional de teatro, e sim, um texto à partir das letras das musicas, é sem dúvida de alguém que assistiu a todos os meus espetáculos. Com o olhar de quem entende do riscado. Minha procura por um espetáculo musical com uma linguagem brasileira, foi seguida por você desde o meu primeiro "Lamartine Para Inglez Ver". Logo, essa crítica foi feita por uma pessoa que realmente conhece meu trabalho e minha busca. Obrigado Lionel Fischer.

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