terça-feira, 18 de maio de 2010

O teatro de Jean-Paul Sartre

León Mirlas


Em seu teatro, como em seus romances, Jean-Paul Sartre expôs os ângulos essenciais de seu existencialismo. Naturalmente, o exame de suas teorias está fora de lugar aqui; mas sua concepção do homem e do mundo impregna a tal ponto seus dramas, que não poderíamos deixar de abordá-la. Em sua tragédia "As moscas", por exemplo, Sartre não apela simplesmente ao mito para infundir-lhe um espírito moderno, como Anouilh, ou para recriá-lo, como Cocteau. Ele pega o mito clássico de Orestes, que regressa para vingar a morte de seu pai Agamenón, como pretexto para explicitar sua visão trágica do mundo.

Mais que tudo, trabalha aqui o conceito da liberdade, fundamental em Sartre. O povo de Argos, apesar de ser inocente de qualquer delito, tem a obsessão de compartilhar a culpa de Egisto, porque este havia cultivado durante muitos anos, na alma de seus súditos, a idéia de que são participantes de seu delito. Na realidade, são mais livres que ele, só que não o sabem; são atormentados pelo remorso de uma culpa inexistente, esses remorsos materializados pelas negras nuvens de moscas que são as vingadoras Erineas que os acossam.

Orestes venceu, precisamente, para libertá-los. Como libertador se coloca diante de Júpiter e se rebela, reivindicando sua condição humana. O rei dos deuses poderá reinar sobre as estrelas e os mares; mas ele, o homem, escapa a esse domínio. Ele é livre, orgulhosamente livre. É verdade que sua liberdade é ao mesmo tempo sua miséria, essa miséria do homem de que fala Pascal; mas isso já não interessa a Júpiter, esse é o segredo de Orestes que o filho de Agamenón levará orgulhosamente para o túmulo.

O mesmo conceito desempenha um papel crucial no drama "As mãos sujas". Aqui Sartre enfoca outro ângulo do mesmo tema: o da liberdade de escolha. O protagonista é um intelectual que milita em um partido extremista, que quer agir e não limitar-se a escrever e que se debate em sua impotência. Ele é encarregado de matar um dos dirigentes do partido e Hugo se sente incapaz de cometer um delito destituído de motivo, eliminar um homem a quem não só não odeia como por ele até nutre simpatia e admiração.

Aparece aqui a idéia do ato gratuito que formula André Gide em sua novela "Les caves du Vatican": a do ato sem motivo, totalmente desinteressado. Acossado pela necessidade de matar, o Hugo de "As mãos sujas" vacila, se detém, se frustra. Seu oposto, o homem de ação, pode agir sem inibições porque, como ele mesmo diz, submerge suas mãos sem temor nem repulsa na imundície humana, coisa que o intelectual puro jamais poderá fazer. Hugo não se rende a este crime gratuito e, finalmente, se mata.

"Entre quatro paredes" é uma das peças mais representativas do teatro moderno e, ao mesmo tempo, do pensamento de Sartre. O dramaturgo apresenta aqui uma imagem pessoal do inferno: uma casa sem janelas, de luz eternamente acesa, aonde se encontram pessoas que não podem suportar-se mutuamente e que dizem toda a verdade sobre elas mesmas. Entra aqui em jogo uma dupla idéia sartriana: por um lado, a da solidão irremediável dos homens, reclusos em si mesmos, sem esperanças de sair de si, donos de uma liberdade paradoxal que não podem usar; e, por outo lado, a idéia tão típica em Sartre de que o olhar dos outros, que nos persegue e acossa, é ao mesmo tempo nosso único alívio, já que só esse olhar nos valora, e também nosso castigo.

Quando o Garcin de "Entre quatro paredes" quer fazer amor com Estela, o detém o olhar de Inês, que é o olhar da multidão, como ela mesma diz, o olhar de todos os outros. "O inferno são os outros", diz Sartre com essa frase terrivelmente precisa. O dramaturgo nos encarcera na jaula mais terrível de nossa verdade; nos desnuda uns dos outros, sem a menor possibilidade de fuga. Neste caso trata-se de um desertor, uma infanticida e uma lésbica. E a peça é uma imagem terrível da personalidade humana, que se debate em um céu de quatro paredes.

O importante é o dantesco tormento de estarmos sós e reclusos a nós mesmos, sem que nada possa ajudar-nos, e, sem dúvida, de não podermos ficar sós, de ter que suportar o espetáculo dos outros. Há aqui a negação mais contundente da liberdade: não podemos estar sozinhos e isso basta para que não possamos ser livres.

Em "A prostituta respeitosa", uma peça de intenso laconismo dramático, Sartre apresenta outro caso de liberade condicionada, de falseio da liberdade, ao nos mostrar uma mulher a quem obrigam a calar a verdade que ela quisera gritar desesperadamente. Em "Os mortos sem sepultura" joga com o mesmo conceito nihilista da vida: estamos inseridos em uma sociedade sem esperanças e condenados a uma liberdade que não nos serve de nada, já que entre os homens não existe solidariedade, e todos os seres humanos são mortos em vida, mortos sem sepultura. A morte não dá sentido à nossa vida, pois morremos como temos vivido: sem nenhum motivo.
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Texto extraído do livro "Panorama do Teatro Moderno/ Editorial Sudamericana, Buenos Aires, 1956. Tradução de Lionel Fischer.

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