segunda-feira, 10 de maio de 2010

Teatro profético

Christian Gilloux

1919

Gropius:

Em sua origem, o teatro nasceu de uma nostalgia metafísica...A seção teatral da Bahaus busca possibilidades novas que possam satisfazer essa nostalgia mística; ela deseja dar ao seu trabalho não só satisfações estéticas mas criar essa alegria primitiva perceptível a todos os sentidos.

1932

Artaud:

Dsejamos introduzir a natureza inteira no teatro, tal como queremos realizá-lo. Por mais vasto que seja esse programa, ele não ultrapassa o próprio teatro, que parece identificar-se com as forças da antiga magia.

1936

Artaud:

Queremos ressuscitar uma idéia do espetáculo total, em que o teatro retomará ao cinema, ao music hall, ao circo e à própria vida o que sempre lhe pertenceu. A sala será fechada por quatro paredes, sem qualquer espécie de ornamento e o público sentado, no meio da sala, em baixo, em cadeiras móveis que lhe permitirão acompanhar o espetáculo que se passará ao redor dele. De fato, a ausência de palco no sentido comum da palavra convidará a ação a desdobrar-se nos quatro cantos da platéia.

Não haverá cenário; bastará para esse ofício personagens-hieroglifos, trajes rituais, manequins de 10 metros de altura. Um teatro de sangue. Um teatro que, a cada representação, fará ganhar corporalmente alguma coisa àquele que representa como àquele que vem ver representar, pois não se representa: age-se. O teatro é, na realidade, a gênese da criação.

1969

J. Beck:

Nós pensávamos que o teatro e a vida eram duas coisas separadas, mas isso era uma bela mentira. Living Theater (teatro vivo - teatro da vida) - porque queremos fazer do teatro uma realidade em que possamos acreditar e que contenha, para os sentidos, essa espécie de violência concreta que toda sensação verdadeira comporta. No ponto de desgaste a que chegou nossa sensibilidade, é certo que necessitamos de um teatro que desperte nervos e coração.

* * *

O Oriente: fonte de alimento dos últimos 50 anos de renovação teatral. Em 1930, a representação do teatro de Bali, por ocasião da Exposição Internacional. Para Artaud, é a revelação; sua visão de um teatro metafísico se delineia. Ele compreende esse teatro oriental em que "os temas que faz vibrar não são dele, mas dos deuses. Ele vêm - parece - das junções primitivas da Natureza que um Espírito double favoreceu. O que ele resolve é o Manifestado, uma espécie de Física primeira da qual o Espírito nunca se desprendeu".

Teatro em contato permanente com o original. Teatro da identificação, da unidade enfim reencontrada. Do concreto e do abstrato. Teatro do absoluto. Artaud acentua seu ataque contra o teatro ocidental da palavra - compreendido como gênero literário pela abusiva importância dada ao texto, e que em nada utiliza a expressão cênica: o movimento no espaço, a terceira dimensão do gesto e da voz - contra as formas estáticas de uma arte petrificada, formas que aprisionam as forças cósmicas, que dissociam a cultura da vida, o espírito da matéria.

Artaud invoca, então, o poder liberador e salutar do teatro. Se quisermos evitar os piores conflitos, devemos por fim a essa ruptura dentro de nós e "acreditar no sentido da vida renovada pelo teatro e em que o homem se torna senhor daquilo que ainda não é e o faz nascer. Isso leva a rejeitar as habituais fronteiras do homem e de seus poderes e a tornar infinitos os limites daquilo que se chama realidade" para que essas formas possam explodir.

A cena se torna um perigoso lugar de destruição, semelhante ao caos antes da criação. Mas o ator, esse feiticeiro que grita, dança, invoca, e o diretor, este demiurgo de um mundo renascente, devem aceitar o risco. Devem aproximar-se o mais possível da criação, "discutir não só todos os aspectos do mundo objetivo e descritivo exterior, mas também o mundo interno, isto é, o homem considerado metafisicamente".

Eles devem, como o alquimista, remontar ao seio da matéria para transmutá-la, no drama essencial em que se encontram os conflitos necessários aos Princípios primitivos; dramatizar, pela explosão da forma que os contém, as duas forças que cada um é o double inverso do outro, como positivo e negativo, e cuja resultante nada mais é que a própria vida em perpétuo devenir (daí essa crueldade) através de outras formas.

Eles devem fazer do teatro uma forma dinâmica que se destrói à medida que ultrapassa toda a significação da realidade em primeiro grau: as palavras, os gestos adquirem um valor intrínseco, significantes se tornam significados; eles não são mais o decalque da realidade, mas a própria realidade condensada.

A ilusão dá lugar a uma concretude além da linguagem articulada, além das formas mortas e estereotipadas do intelecto, do pensamento racional (daí a importância da herança do sonho surrealista), a uma linguagem concreta dirigida aos sentidos e que não se detém, por isso, nesse contato, até atingir as camadas mais profundas de nosso espírito: a expressão é total no espaço e no tempo.

A mise en scène é uma linguagem prática e uma prática de linguagem: a pantomima, a música, a dança, a entonação, o grito, os ruídos, as luzes desestruturam a consciência e se tornam os verdadeiros sinais dessa liberdade catártica. Sinais hieroglíficos "que evocam ao espírito imagens de intensa poesia natural", deixando à distância a psicologia sumária e as racionalizações intelectais.

A peça não mais sofre a ditadura do texto; ela vive do que lhe é próprio no aqui e agora, daquilo que é especificamente teatral: a encenação, expressão ideológica, "projeção ardente de tudo que pode ser obtido de conseqüências objetivas de uma palavra, de um som, uma música e de sua combinação recíproca", no espaço e no tempo, materialização simbólica do mito arcaico, em formas evolutivas de conteúdo intemporal e absoluto.

O objeto do teatro é (re) criar mitos, "traduzir a vida em seu aspecto universal, imenso e extrair desta vida imagens sob as quais gostaríamos de nos encontrar". Em outras palavras, viver efetivamente a identificação do espírito na matéria e da matéria no espírito. O teatro é o momento crucial da Criação a partir da "anarquia formal" da matéria, e da "integração da idéia".
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Artigo extraído, e aqui reduzido, da revista Cadernos de Teatro nº 52/1972 - edição já esgotada. O original foi publicado em Planète/1971.

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