quarta-feira, 26 de maio de 2010

Teatro/CRÍTICA

"A carpa"
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Temperando o entendimento
Lionel Fischer
Duas épocas, dois países (Rússia e Brasil), duas personagens que se revezam em quatro papéis. Como eixo central da ação, a preparação do peixe tradicional a ser saboreado no dia seguinte, a páscoa judaica (Pessach). Enquanto temperam a carpa, mãe e filha se destemperam, pois a primeira defende ardorosamente a preservação das tradições e a segunda as contesta, tendo inclusive se casado com um goy (um não judeu).
No entanto, mais do que os embates entre duas diferenciadas visões de mundo, o que parece estar em jogo é o resgate de adormecidos afetos, quem sabe estremecidos por pontos de vista aparentemente inconciliáveis. Em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra), "A carpa", de autoria de Denise Crispun e Melanie Dimantas, chega à cena com direção de Ary Coslov e elenco formado por Ivone Hoffmann e Carolyna Aguiar.
Se por um lado me parece correto afirmar que um povo - qualquer que seja ele - não pode sobreviver sem suas tradições, por outro julgo um tanto perigoso a ferrenha prática de uma ortodoxia com relação a elas, pois isso pressupõe uma imobilidade contrária à dialética da vida. Ao mesmo tempo, trata-se de uma questão delicada: até que ponto as tradições podem ou devem ser mudadas, sem serem descaracterizadas em sua essência?
Mas a peça, como já foi dito, gira mais em torno do encontro afetivo entre mãe e filha - é evidente que ambas sempre se amaram, mas tal amor fora constantemente abalado por suas diferentes posturas. E aqui reside o principal: o que as autoras deste belo, irônico, amargo e finalmente otimista texto sustentam, em última instância, é a possibilidade de entendimento, desde que as partes envolvidas consigam perceber que não existe uma verdade absoluta, que todos os conceitos são passíveis de alguma maleabilidade. Quando a ortodoxia prevalece, o abismo torna-se intransponível.
Com relação ao espetáculo, Ary Coslov impõe à cena uma dinâmica simples e eficiente, totalmente centrada nas relações entre as personagens. E estas são interpretadas de forma irretocável por Ivone Hoffmann (Mãe) e Carolyna Aguiar (Filha), cabendo ressaltar a forte contracena que estabelecem e a verdade com que defendem seus pontos de vista, quase sempre diametralmente opostos.
Na equipe técnica, são de excelente nível a cenografia de Marcos Flaksman, a iluminação de Aurélio de Simoni, os figurinos de Kalma Murtinho e a trilha sonora do diretor.
A CARPA - Texto de Denise Crispun e Malanie Dimantas. Direção de Ary Coslov. Com Ivone Hoffmann e Carolyna Aguiar. Teatro do Leblon. Terça e quarta, 21h.

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