quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Hedwig e o Centímetro Enfurecido"

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O amor em tempos de fúria


Lionel Fischer


Nascido em Berlim Oriental, Hansel conhece o militar Luther, por quem se apaixona. Este último, ainda que simulando idêntico sentimento, impõe a Hansel que troque de sexo, pois do contrário não o levará consigo para os Estados Unidos. A operação é feita, mas falha, e Hansel (agora Hedwig) é abandonada por Luther num trailer em Kansas City. Mais adiante, se apaixona pelo músico Tommy Speck, que rouba suas canções e se converte numa estrela do rock. Mais uma vez descartada, Hedwig passa a perseguir Tommy em sua turnê mundial, apresentando-se em restaurantes perto dos estádios onde ele toca. Durante seus shows, dá especial ênfase ao amor e à busca por sua cara-metade.

Eis, em resumo, o enredo do musical "Hedwig e o Centímetro Enfurecido", de John Cameron Mitchell, que conta com letras e músicas assinadas por Stephen Trask. Exibido com sucesso nos Estados Unidos e em muitos países, o musical chega ao Brasil com direção e adaptação de Evandro Mesquita, tradução de Jonas Calmon Klabin e elenco formado por Paulo Vilhena e Pierre Baitelli (ambos interpretam o papel de Hedwig) e Eline Porto (Yitzhak), que dividem o palco com os músicos Alexandre Griva (bateria), Fabrizio Iorio (teclado), Patrick Laplan (baixo) e Pedro Nogueira (guitarra).

Estruturado na forma de monólogos e números musicais, o espetáculo propõe à platéia, através da trágica história da protagonista, uma série de reflexões, com especial ênfase, como já foi dito, no amor. Mas este, em função do contexto, é abordado em múltiplos de seus aspectos, o que confere grande atualidade ao tema, visto que, em nossa época, as relações amorosas vem passando por constantes transformações. O conceito de "amor ideal" já há muito deixou de existir, assim como certas fronteiras foram abolidas. Seja como for, o que permanece inalterado é o desejo que todos sentimos de encontrar nossa alma gêmea, sem o que a plena felicidade torna-se impossível - ao menos em minha opinião.

Estamos, pois, diante de um texto bastante pertinente, que mescla a todo momento doses equivalentes de ironia e dor, e cuja única ressalva é sua extensão - acredito que, se um pouco reduzida, a peça atingiria ainda mais o espectador. Mas tal ressalva é amplamente compensada por uma produção impecável, materializada na cena sob o comando de Evandro Mesquita.

Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com as propostas do autor, Evandro Mesquita nos põe em contato com um universo decadente e desesperador, mas ainda assim não isento de alguma esperança. Esta deve ser atribuída à tenacidade com que a protagonista insiste em perseguir seus principais objetivos, quais sejam o de tornar-se uma artista reconhecida e encontrar alguém que a ame sem reservas, e a quem possa entregar-se totalmente, assim objetivando escrever uma nova história. Valendo-se de marcas debochadas, patéticas e ao mesmo tempo furiosas, o encenador consegue aproximar o delirante universo da protagonista da platéia, que se torna cúmplice de um ser que, em princípio, tenderia a rejeitar - ou, no máximo, encarar com uma certa piedade.

No elenco, Paulo Vilhena e Pierre Baitelli exibem performances irretocáveis, tanto nas partes cantadas quanto naquelas em que "contracenam" ou se relacionam diretamente com a platéia, entregando-se por completo à nada fácil tarefa de encarnar uma personalidade tão complexa. Aliás, com relação a Paulo Vilhena, gostaria de fazer o seguinte registro: acho admirável a postura adotada pelo ator, que jamais traz para os palcos personagens semelhantes aos que interpreta com tanto sucesso na TV, assim visando garantir, ao menos em teoria, um maior núnero de espectadores. Completando o elenco, Eline Porto canta e dança com a mesma eficiência, também se saindo muito bem nos momentos em que contracena com os protagonistas.

Com relação à equipe técnica, destacamos a direção musical de Danilo Timm e Evandro Mesquita, a brilhante atuação dos músicos, os maravilhosos figurinos de Marta Reis, a expressiva iluminação de Luiz Paulo Nenen e a "roqueira" (não encontrei termo melhor) cenografia de Suzane Queiroz. Cabe ainda registrar a preparação vocal de Danilo Timm, a edição de imagens de Alice Grillo, a bela programação visual de Tania Grillo, o abrangente release que me foi enviado e, finalmente, a eficiência dos profissionais que operam a luz (Marcelo Andrade), o som (Edson Barbosa) e as projeções (Rafael Mose).

HEDWIG E O CENTÍMETRO ENFURECIDO - Texto de John Cameron Mitchel. Direção de Evandro Mesquita. Com Paulo Vilhena, Pierre Baitelli e Eline Porto. Teatro das Artes. Quarta e quinta, 20h; sexta e sábado, 23h30.

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