terça-feira, 21 de junho de 2011

Precursores do Teatro Moderno Brasileiro (1915-1943)

 O texto que se segue foi extraído da Apostila 9 do curso de História e Dramaturgia do Teatro Brasileiro I , ministrado na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) pela professora Elza de Andrade, maio de 2001.

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BRASIL / 1914 - 1ª Guerra Mundial. As temporadas das companhias estrangeiras são interrompidas por causa da guerra. Em cartaz no Rio de Janeiro apenas: revista, comédia ligeira, teatro popular. Urgente necessidade de conquistar a plateia burguesa, pois não existia, em atividade regular, um teatro profissional que satisfizesse à classe média ou à elite. Elite impossibilitada de viajar para a Europa devido à guerra.

TRIANON - A Comédia Nacional - 1915

Somente o povo frequentava as nossas salas de espetáculo, que se resumiam aos teatros de revista, na Praça Tiradentes, ou então, ao único teatro estável da comédia que era o TRIANON, situado na Avenida Rio Branco ao lado do atual Teatro Glauce Rocha. Seus espetáculos se dirigiam a uma plateia popular e numerosa (aproximadamente mil lugares), frequentadora assídua que ia ver seus atores favoritos, representando histórias que fantasiavam, apimentavam ou simplesmente copiavam o cotidiano. O que determinava a qualidade do espetáculo era a bilheteria - o critério artístico ou de qualquer outra espécie, se houvesse, não passaria de um item secundário. As companhias em geral partenciam ao primeiro ator. Alguns autores do Trianon:

Gastão Tojeiro (1880-1965) - O tenente era porteiro (quando aparecem os primeiros edifícios), Minha sogra é da polícia (quando as mulheres começam a trabalhar). Os dois maiores sucessos do Trianon são de autoria de Gastão Tojeiro: O simpático Geremias, que Leopoldo Fróes remontou várias vezes e Onde canta o sabiá, que a conta a história de um rapaz que vai morar fora do país e desdenha as coisas nacionais. Ao retornar se apaixona por uma suburbana, uma brasileirinha provinciana.

Oduvaldo Viana (1892-1972) - um dos primeiros autores a escrever "em brasileiro", abolindo a prosódia portuguesa. Estreou em 1917. Maior êxito: Amor.

Armando Gonzaga (1884-1953) - Ministro do Supremo (crítica à distribuição de favores políticos, a tentativas de ascensão social através do casamento), Cala boca Etelvina - fez tanto sucesso que o título acabou virando expressão popular.

Enredos - pequenos problemas sentimentais e domésticos das famílias modestas, moradoras no subúrbio.

Personagens - mocinha costureira, chefe de família, funcionário público, marido bilontra, chefe da estação da Central, chofer, português, dono do armazém, empregadinha mulata etc.

Atores - Procópio Ferreira, Leopoldo Fróes, Jaime Costa, Lucília Peres.

Esse teatro girava em torno de seus primeiros atores, os únicos que podiam ocupar o proscênio e o centro do palco - as áreas nobres. Os primeiros atores, em geral, não ensaiavam. Cada peça ficava em cartaz no máximo uma semana. Com duas sessões diárias, de segunda a segunda, e mais vesperais de domingo. Ia-se ao teatro depois do trabalho, com uma frequência que podia variar de uma a quatro vezes por semana.

O Teatro da Natureza - 1916

Algumas tentativas de se aproximar o teatro brasileiro do teatro que se fazia nas grandes capitais européias:

Itália Fausta (1887-1951) - paulista. Uma de nossas maiores atrizes trágicas. Como intérprete sempre apresentou um repertório que procurava fugir do banal e do popularesco de seu tempo. Mulher de rara inteligência, estava sempre bem informada sobre o que se fazia em teatro pelo mundo. A partir de 1916 torna-se a primeira atriz do Teatro da Natureza, companhia que fazia apresentações ao ar livre, como acontecia na Europa. O local escolhido é o Campo de Santana, na Praça da República. O espetáculo de estréia foi Orestes, de Ésquilo, em 23 de janeiro de 1916. 

O vasto anfiteatro comportava 70 camarotes, mil lugares distintos, mil cadeiras e mil populares, havendo espaço para dez mil pessoas de pé.

Outros espetáculos foram apresentados sem muito sucesso, devido às chuvas do mês de janeiro.

Gomes Cardim, diretor do Conservatório Dramático de São Paulo, comvida Itália Fausta para estrelar a Companhia Dramática de São Paulo, que estreia em 16 de março de 1917, com sucesso. Essa companhia se reorganiza com diferentes nomes: Cia. Dramática Nacional (1918-1922), Cia. Dramática Itália Fausta (1922-1932). Em 1932, Gomes Cardim morre e a companhia é desfeita. Em 1937, Pachoal Carlos Magno a chama para dirigir Romeu e Julieta, espetáculo inaugural do Teatro do Estudante, onde a figura do diretor constituía a grande inovação.

Renato Viana (1894-1953) - carioca, autor, diretor e professor. Organiza vários grupos teatrais. Foi o fundador da Escola de Arte Dramática de Porto Alegre (1942) e diretor da Escola de Teatro Martins Penna. Numa época em que o teatro funcionava à base da improvisação, Renato Viana batalhava pela importância da escola. Possuía um sólido conhecimento literário.

Admirador de Ibsen, Stanislavski e Copeau, é influenciado por eles. Estréia em 1918 como autor em Voragem - montada pela Cia. Dramática Nacional, dirigida por Gomes Cardim, com Itália Fausta.

Em 1922 funda a Batalha da Quimera, grupo que procurava mostrar pela primeira vez no Brasil "o teatro de síntese, de aplicação de luz e do som com valores dramáticos, da importância dos silêncios, dos planos cênicos e da direção".

Outros grupos dirigidos por Renato Viana: Colmeia (SP / 1927), Caverna Mágica (RJ / 1928), Teatro de Arte (Teatro João Caetano / 1932) e Teatro-Escola (1934), que pretendia organizar uma espécie de Conservatório para a formação de atores.

A Semana de Arte Moderna - São Paulo, 1922

Nomes expoentes da Semana de Arte Moderna:

Música - Villa-Lobos
Pintura - Tarsila do Amaral / Di Cavalcanti / Anita Malfati
Literatura - Mario e Oswald de Andrade.
Teatro - ...

Um crítico teatral importante, Alcântara Machado, profeta de uma nova era estética, escreve artigos doutrinários. Começa por atacar os três pilares básicos da cultura oficial brasileira em matéria de teatro: a ópera, as temporadas francesas, e as companhias vindas de Paris. Valoriza a revista e o circo:

Para descobrir uma imagem não enganosa, não 'bovarysta' do Brasil, a única saída seria recorrer aos gêneros menores, bastardos, despreocupados com o próprio brilho, inconscientes do que são e do que exprimem.

Afirma que a nossa dramaturgia tem de nascer de baixo para cima.. Chama a atenção para o palhaço Piolim - surrealista sem o saber, admirado por todo o grupo modernista.

Se a Semana de Arte Moderna tivesse acontecido no Rio de Janeiro, o teatro de revista teria sido incluído:

A salvação pelo popular é o que se pode tentar no teatro brasileiro. Que venham a farsa grosseira, a comédia de costumes, os galãs de pé no chão, as ingênuas de subúrbio, o folclore, o samba, o carnaval, a feitiçaria, o vernáculo estropiado, os dramas do sertão, flores de papel nos lustres, carapinhas, dentes de ouro, a fauna e o ambiente, graças e desgraças da descivilização brasileira. (Alcântara Machado)

Teatro de Brinquedo - 1927

Nomes principais: o casal Eugênia e Álvaro Moreyra. Sua casa é o centro de encontro de intelectuais e artistas.

O Teatro de Brinquedo não pode ser confundido com o teatro de profissionais, e não pode nem quer fazer concorrência a este. Primeiro porque a qualquer teatro que tenha cunho comercial seria impossível dar espetáculos como os nossos, que não prendem nem podem agradar ao público habitual dos outros. Depois, o nosso teatro só tem duzentos lugares. (...) Não temos nenhum profissional. São, não quero dizer amadores, mas amorosos do teatro. A mise-en-scène é de brinquedo, como tudo lá. (...) Chamo moderno a um velho autor do século XVII, ao qual lendo-o hoje daremos uma interpretação de hoje. De maneira que podemos interpretar algumas obras-primas - interpretar errado, naturalmente...(...). Quanto às marcações, estavam sendo feitas pelo Luiz Paixoto, que entende de teatro. Mas como estava saindo tudo muito "certinho", achamos melhor acabar com a marcação. Cada um fica e faz como entender, mesmo que atrapalhe a companhia. (Álvaro Moreyra).

Em 10 de novembro de 1927, estreia o texto de Álvaro Moreyra - Adão e Eva e outros membros da família - na Sala Renascença do Cassino Beira-Mar. Foi sucesso de público e de crítica. O seu segundo trabalho é constituído de alguns esquetes improvisados e foi um fracasso. Um terceiro trabalho não chega a estrear.

Teatro de Experiência - 1933

Um participante da Semana de Arte Moderna, o arquiteto Flávio de Carvalho, tentou levar as teorias do movimento de 22 para o palco, organizando o denominado "Teatro de Experiência". Uma peça de sua autoria - Bailado do deus morto - é apresentada em 1933, por três dias, num pequeno espaço onde se levantou um palco, no Clube dos Artistas Modernos, em São Paulo.

Os elementos participantes do espetáculo usavam máscaras de alumínio e vestiam camisolas brancas, movendo-se num palco destituído de qualquer recurso cenográfico e apenas iluminado por efeitos coloridos em flashes rápidos. Pelo relato dos que puderam assistir tais espetáculos, tem-se a impressão de que havia uma influência ainda remota do teatro surrealista, numa visão, entretanto, muito procurada do verdadeiro amarelismo.

Fazendo jus à aura pitoresca que durante muito tempo cercou a Semana, Bailado do deus morto acabou se transformando num caso de polícia. Alegando o acontecimento de tumultos, a polícia vetou as apresentações, fechou o teatro e ficou um bom tempo patrulhando a área.

Teatro do Estudante - 1938

O Teatro do Estudante foi o responsável pela formação da primeira geração de atores modernos. O seu principal nome foi Paschoal Carlos Magno. Em 1929 cria a Casa do Estudante do Brasil. Em 1933 viaja até a Inglaterra e volta com a idéia de criar no Rio de Janeiro o modelo teatral existente nas universidades inglesas e na Sorbonne. Estréia no Teatro João Caetano em 28 de outubro de 1938 - Romeu e Julieta, direção de Itália Fausta, com Paulo Porto e Sonia Oiticica. Viaja pelo Brasil e faz surgir o movimento do teatro amador estudantil por todo o país, através de festivais.

Tudo isso é possível porque a partir dos anos 30 viveremos o êxodo rural, o crescimento das cidades, a expansão da classe média, o fortalecimento da universidade brasileira, e a formação de uma elite estudantil.

Nomes surgidos no Teatro do Estudante:

Sonia Oiticica, Paulo Porto, Cacilda becker, Milton Carneiro, Maria Fernanda, Luiz Linhares, Sergio Britto, Fregolente, Pernambuco de Oliveira, Barbara Heliodora, Silvia Ortof, Adaury Dantas, Miriam Pires, Beatriz Veiga, Agildo Ribeiro, Paulo Francis etc.

Os Comediantes - 1940

A Associação de Artistas Brasileiros promovia exposições, concertos, palestras no Palace Hotel (onde hoje é o edifício Marquês do Herval). O diretor dessa Associação era Celso Kelly, que se interessava muito por teatro. Resolve promover um concurso de teatro amador para peças em um ato, cujo prêmio seria a montagem em temporada regular no Teatro Regina (hoje Dulcina). O espetáculo vencedor teve sucesso e Celso Kelly resolve criar um grupo teatral.

Surge Os Comediantes, cujo objetivo principal era fazer um teatro diferente de tudo o que existia e que não possuía nenhum conteúdo artístico.

Consultores: Eugênia e Álvaro Moreyra.

Repertório inicial:

A verdade de cada um (Assim é se lhe parece, de Pirandello)
Uma mulher e três palhaços (de Marcel Achard)
A escola de maridos (de Molière)
Um capricho (de Alfred de Musset)

Estréia em 10 de janeiro de 1940 no Teatro Ginástico, com boas críticas. Em 1941, Ziembinski, ator e diretor polonês, judeu, refugiado, de passagem pelo Rio de Janeiro, interessa-se pelo trabalho dos comendiantes, passando a ser uma espécie de consultor.

Ziembinski apaixona-se pelo texto do jornalista Nelson Rodrigues - Vestido de noiva - e resolve dirigi-lo com o grupo amador Os Comediantes. A estréia acontece em 28 de dezembro de 1943, no Teatro Municipal, espetáculo histórico, marco inicial do moderno teatro brasileiro.
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