Teatro/CRÍTICA
"Arte"
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Muitos risos e pertinentes reflexões
Lionel fischer
"Não acredito que o ser humano seja pacífico. Penso que ele não evoluiu desde a Idade da Pedra e que o verniz social que nos protege da selvageria é inquietantemente suave e sempre pronto a estourar. Eu escrevo um teatro de tensão, porque as tensões nos governam. Meus personagens são pesssoas educadas que pretendem manter a compostura. Mas como são também impulsivos, não conseguem manter as regras que impuseram a si mesmos. E é precisamente essa luta contra si mesmos que me interessa. Minhas obras sempre foram consideradas comédias, mas penso que são tragédias divertidas. Mas, tragédias, ao fim...".
O trecho acima, extraído do ótimo relase que me foi enviado pela assessora de imprensa Daniella Cavalcanti, leva a assinatura da francesa Yasmina Reza, autora de "Arte". E, pelo que pude apreender, não se refere apenas a este texto, mas a sua dramaturgia, de uma maneira geral.
Estamos diante de três amigos de longa data. Um deles, Sérgio, compra um quadro totalmente branco, pelo qual paga
R$ 200 mil. Inconformado com a aquisição, Marcos a contesta, a princípio com suavidade. Chamado a opinar, Ivan fica indeciso, temeroso de tomar partido. Aos poucos, porém, a suavidade vai dando lugar a questionamentos mais ácidos, não apenas sobre conceitos estéticos ou gostos pessoais, mas também - e sobretudo - sobre a relação dos três personagens e a aparentemente inabalável amizade que os unia.
Em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra), "Arte" chega à cena com tradução e direção de Emilio de Mello e elenco formado por Claudio Gabriel (Sérgio), Marcelo Flores (Marcos) e Vladimir Brichta (Ivan).
Em total sintonia com as premissas expostas no parágrafo inicial, Yasmina Reza construiu um texto de exepcional qualidade, pois a partir de um fato absolutamente prosaico faz emergir muitos e graves conflitos, mágoas, ressentimentos e sobretudo a intolerância, que todos possuímos, em maior ou menor grau. E o mais extraordinário é que, valendo-se de refinadíssimo humor, nos leva a empreender pertinentes reflexões sobre as relações humanas - caso seu humor não fosse agudo e refinado, o resultado poderia até ser muito engraçado, mas jamais atingiria sua profunda dimensão.
Explorando com inteligência e sensibilidade diálogos brilhantes e personagens solidamente construídos, o diretor Emilio de Mello impôs à cena uma dinâmica precisa e despojada, irretocável no tocante aos tempos rítmicos e cuja expressividade advém do fato de o diretor priorizar o que realmente interessa: os conflitos entre os personagens e as múltiplas variações de tom que marcam os embates entre eles. E certamente pelo fato de ser um ator magnífico, Emilio de Mello conseguiu extrair atuações brilhantes do elenco.
Na pele de Sérgio, Claudio Gabriel consegue valorizar ao máximo um personagem que parece ser simples, já que amante das artes, do livre arbítrio, muito afetuoso etc. Mas aos poucos vamos percebendo que ele não é exatamente assim, ou, pelos menos, não somente assim: à medida que vai sendo contrariado, revela uma virulência e um sarcasmo que não poderíamos imaginar que possuísse. E esta gradual passagem de um estado a outro é materializada com brilhantismo pelo ator.
Marcelo Flores dá vida a um personagem também muito difícil de construir. Nas passagens iniciais, tenta desesperadamente não confessar ao amigo que acha uma nulidade o quadro que ele adquirira, ainda mais por uma soma tão alta - e aqui o ator está engraçadíssimo. Mais adiante, porém, Marcos revela sua intolerância, uma série de mágoas e ressentimentos, assim como um autoritarismo que também não imaginávamos que fizesse parte de sua personalidade. E então o ator expõe, de maneira irrepreensível, aspectos mais soturnos do caráter do personagem.
Quanto a Vladimir Brichta, seu Ivan se insere naquela galeria especial de desempenhos inesquecíveis. Tímido, simplório, extremamente amoroso e conciliador, dominado e manipulado pelos amigos, o personagem cativa totalmente o espectador, pois sua doçura e ingenuidade são aos mesmo tempo patéticas e muito engraçadas. Assim como absolutamente verdadeira e visceral é a sua explosão na parte final do texto, quando assume sua mediania mas, ao mesmo tempo, sua comovente capacidade de amar. É possível que, com este personagem, Vladimir Brichta tenha realizado o melhor desempenho de sua carreira no teatro.
Com relação à equipe técnica, são igualmente irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Emilio de Mello (tradução), Aurora de Campos (cenário), Marcelo Olinto (figurinos), Tomás Ribas (iluminação), Marcelo Alonso Neves (trilha musical). Cabe também destacar a ótima preparação dos atores feita por Valéria Campos - mas, neste quesito, cumpre ressaltar que não sei exatamente a dimensão desta preparação, pois a mesma, ao menos em princípio, caberia ao diretor. Será que fizeram uma parceria?
ARTE - Texto de Yasmina Reza. Tradução e direção de Emilio de Mello. Com Claudio Gabriel, Marcelo Flores e Vladimir Brichta. Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
quarta-feira, 13 de junho de 2012
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