segunda-feira, 18 de junho de 2012

Teatro/CRÍTICA

"K - uma leitura d'O Castelo"

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Original versão de obra-prima


Lionel Fischer


Como explicitado em seu título, a presente montagem não objetiva fazer uma mera adaptação do romance de Franz Kafka (1883-1924), mas uma leitura do mesmo, priorizando os aspectos políticos. Do release que me foi enviado, consta o seguinte: "A encenação de Moacyr Góes elege uma leitura política sobre O Castelo. O diretor foi motivado pelo desejo de refletir sobre a batalha desigual entre o Estado e o indivíduo, entre a opressão de um Estado com características totalitárias e a supressão da liberdade individual".

Sendo o teatro, como todos sabemos, a mais libertária das artes, pode abrigar adaptações de contos, romances, novelas, filmes ou o que seja. Assim, nada mais legítimo do que a Cia Escola 2 Bufões ter optado por apresentar sua adaptação desta obra de Kafka, a ela imprimindo uma leitura política. Quanto ao maior ou menor êxito desta inciciativa, em seguida teço algumas considerações sobre ela.

Em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Marília Pera), "K - uma leitura d'O Castelo" tem adaptação assinada por Weydson Leal e elenco formado por Leon Góes (topógrafo K.),  Carla Rosa Guidacci (dona do albergue/ Frieda/ Pepi/ Mizzi/ Olga), Sérgio Kauffman (Momus/ Barnabás/ Arthur), Ricardo Damasceno (dono da estalagem/ gerente da estalagem dos senhores/ prefeito), Daniel Carneiro (Shwarzer/ Jeremias) e Daniel Villas (professor).

"A peça, assim como o livro, conta a história de um topógrafo chamado K., que é contratado por um conde de uma aldeia (não especificada) para prestar seus serviços. Porém, a recepção dos aldeões revela-se um tanto sinistra. Depois de chegar e se instalar num albergue barato, K. decide ir ao Castelo comunicar sua chegada. Essa simples tarefa torna-se um tormento. Por mais que tente, não consegue se aproximar do Castelo. Os personagens que cruzam o caminho de K. desmentem-se, fornecem informações contraditórias, apresentam variadas interpretações de um mesmo fato, provocando um clima de confusão e névoa que acaba por lançar o topógrafo num labirinto instranponível".

Extraído do release, o trecho acima sintetiza o essencial do enredo desta obra não terminada por Kafka. Mas, como em praticamente todos os textos do genial autor tcheco, estão presentes temas como solidão, incomunicabilidade, a impotência do indivíduo frente à burocracia e o absurdo da existência humana. Aqui, como já dito, o encenador dirige seu foco para as relações entre o Estado e o indivíduo - o Estado estaria representado pelo onipotente e misterioso Conde West-West, proprietário do Castelo, que jamais é visto, e o indivíduo, naturalmente, pelo cada vez mais perplexo e angustiado topógrafo.

Trata-se de uma premissa interessante e válida, ao menos em princípio? Sem dúvida. No entanto, fiquei com a sensação de que, ao valer-se de símbolos que remetem à Alemanha nazista (uma foto de Eichmann, a estrela amarela que apontava os judeus etc.), o encenador minimizou, ao menos em alguma medida, o caráter filosófico e atemporal da obra. Não resta dúvida de que o nazismo de Hitler foi uma das mais atrozes formas de opressão de que se tem notícia, mas não a única, tampouco a primeira e, degraçadamente, também não me parece ter sido a última... Seja como for, trata-se apenas de uma opinião, que pode ou não ser compartilhada pelos espectadores. Mas certamente estes haverão de usufruir os méritos de um espetáculo absolutamente sério e digno.

Valendo-se de marcas diversificadas e expressivas, excelente manipulação dos tempos rítmicos e inventiva exploração da ótima cenografia de José Dias - uma estrutura de metal vazada onde ficam pendurados não apenas objetos de cena, mas também bonecos que tanto podem simbolizar a apatia dos moradores da aldeia quanto vítimas de algum tipo de violência -, Moacyr Góes materializa os principais conteúdos propostos pelo autor. Mas acredito que a angústia do personagem, envolto em uma atmosfera cada vez mais incompreensível e sufocante, poderia ser ainda mais exasperante - tanto para o personagem quanto para a plateia.

Com relação ao elenco, Leon Góes exibe atuação impecável na pele do topógrafo K., valorizando com vigor e sensibilidade as principais características do personagem. Carla Rosa Guidacci está simplesmente notável em todas as personagens que interpreta, com os demais atores exibindo performances seguras e convincentes.

No complemento da equipe técnica, Carol Lobato responde por figurinos irrepreensíveis, a mesma eficiência presente no visagismo de Beto Carramanhos, na direção musical de Ary Sperling, na preparação corporal de Felipe Koury, na ilumninação de Cézar Moraes e na belíssima programação visual de Dely Bentes, cabendo ainda destacar a ótima adaptação de Weydson Leal.

K - UMA LEITURA D'o CASTELO - Texto de Franz Kafka. Direção de Moacyr Góes. Com a Cia 2 Bufões. Teatro do Leblon. Terça e quarta, 21h.
    

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