Teatro/CRÍTICA
"Pai"
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Ajuste de contas no Midrash
Lionel Fischer
Como todos sabemos, nada pode ser mais nefasto do que conduzir nossa vida em função de expectativas alheias. No entanto, é normal que durante um tempo - mas apenas durante um tempo - tentemos agradar nossos pais, familiares, professores etc., pois aí temos a sensação de sermos amados e, tão importante quanto, evitamos dolorosos conflitos. Mas é claro que chega um momento em que se torna vital romper todos os cordões umbilicais, sob pena de nos tornarmos seres destituídos de uma história própria. No entanto, tais rompimentos não são nada fáceis, especialmente os relativos aos nossos pais.
No presente caso, a personagem está diante de um pai moribundo que, durante toda a sua vida, tiranizou sua família, ao que parece por nutrir brutal aversão por qualquer sintoma de felicidade. Educada para agradar a todos, Alzira finalmente se dá conta de que nada mais fez a não ser se anular, boicotar seus anseios mais legítimos, tudo para conseguir o amor e a aprovação paterna, que jamais obteve. Então, aproveitando-se de que o pai se encontra em um estado que lhe impossibilita reagir, ela parte ferozmente para um almejado ajuste de contas.
Eis, em resumo, o enredo de "Pai", de autoria de Cristina Mutarelli. Em cartaz no Midrash, o texto chega à cena com direção de Cristina Elias e Rita Elmôr, supervisão de Cristina Mutarelli e interpretação a cargo de Rita Elmôr.
Diante do exposto, torna-se evidente a pertinência do tema central do texto - afinal, quem não teve problemas com pai ou mãe e, mais ainda, quem poderia a afirmar que, ao menos durante um bom tempo, não permaneceu indeciso entre seguir seu próprio caminho ou aquele sugerido por seus pais? Ainda assim, durante e após a sessão que assisti, tive algumas dúvidas, que passo a partilhar.
Se por um lado é inegável que muitas acusações formuladas pela filha soam pertinentes e justas, como o pai não aparece em cena e, mesmo que ali estivesse, sua condição de moribundo o impediria de se defender, não sei até que ponto os fatos narrados são reais ou inventados pela personagem. E isto faz toda a diferença.
Se o pai, moribundo ou não, presente em cena ou não, é de fato merecedor de todas as queixas, mágoas e rancores que lhe são dirigidos, então estaríamos diante de uma mulher que teria todo o direito de imputar ao pai a responsabilidade por uma vida parcialmente arruinada - digo "parcialmente" porque acredito piamente na real possibilidade de transcendermos qualquer mal que nos acosse, sobretudo através de uma terapia, seja ela qual fôr.
No entanto, se nada do que é dito realmente aconteceu; se tudo não passa de um somatório de delírios persecutórios; se a personagem, enfim, é portadora de gravíssima patologia, então o texto teria que ser encarado de maneira diversa. E talvez tenha sido essa a intenção da autora: deixar o espectador na dúvida e instigá-lo, quem sabe, a fazer sua própria leitura. É possível. Assim sendo, e mesmo não estando plenamente convicto, minha opção recai sobre a loucura da personagem. E o que se segue se baseia nesta conclusão.
Se tudo, efetivamente, não aconteceu como explicitado e a personagem é efetivamente uma desequilibrada, então o espetáculo está em sintonia com o material dramatúrgico. Os figurinos de Benjamin Elmôr são excelentes, plenos de fantasia e teatralidade, a trilha de Leandro Lapagesse reforça os desvairados e múltiplos climas emocionais em jogo, e as marcas criadas pelas diretoras Cristina Elias e Rita Elmôr materializam de forma muito expressiva os conflitos de uma mulher dilacerada, cabendo também registar a expressividade da coreografia (ao que me parece, de autoria de Cristina Elias) e da iluminação de Elisa Tandeta.
Quanto a Rita Elmôr, trata-se de uma das melhores atrizes de sua geração e em nada me surpreende a excelência de sua performance. Possuidora de ótima voz, rico universo gestual, forte presença e inegável inteligência cênica, a intérprete valoriza ao máximo os conteúdos propostos pela autora. Mas caso tenha me enganado quanto ao real propósito de Cristina Mutarelli, aí toda a minha análise teria sido outra. O teatro, no entanto, só existe no aqui e no agora. A crítica também. Logo...
PAI - Texto de Cristina Mutarelli. Direção de Cristina Elias e Rita Elmôr. Com Rita Elmôr. Midrash. Sábado, 21h. Domingo, 20h.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
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