quarta-feira, 30 de maio de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Não sobre rouxinóis"

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Ótima montagem inaugura teatro

 

Lionel Fischer


Um dos maiores representantes do drama psicológico-realista dos Estados Unidos dos anos 40 e 50, Tennessee Williams (1911-1983) foi claramente influenciado por O'Neill, Ibsen e Strindberg. Após escrever algumas peças que não obtiveram maior repercussão, estreou o grande sucesso "O zoológico de cristal", considerada uma de suas melhores obras, na qual aparecem seus temas prediletos: o choque entre a realidade e a ilusão, a frustração, a solidão e a fragilidade humana. Mais adiante, produziu outras peças notáveis, como "Um bonde chamado desejo", "A rosa tatuada", "Gata em teto de zinco quente", "O doce pássaro da juventude" e "A noite do iguana".

Curiosamente, a presente empreitada traz para o palco uma peça que, embora escrita em 1938, só seria apresentada pela primeira vez - e na Inglaterra! - em 1998, graças à iniciativa da atriz Vanessa Redgrave. Qual seria a razão deste bizarro esquecimento? Dizem os sábios que um texto de autor consagrado, quando jamais é montado, é porque não é bom. Mas os sábios costumam cometer enganos com espantosa freqüência, como ocorre com "Não sobre rouxinóis", que acaba de inaugurar o Theatro Net Rio.

Com tradução assinada por Eduardo Rieche e direção a cargo de João Fonseca e Vinícius Arneiro, a montagem chega à cena com elenco formado por Nilvan Santos, Adriana Maia, Júlia Marini, Eduardo Rieche, Thelmo Fernandes, Cleiton Rasga, Éber Inácio, Alexandre Mofati, Sérgio Ricardo Loureiro, Alex Nader e César Amorim.

Escrita a partir de um fato real, o texto de Williams gira em torno das atrocidades perpetradas contra os detentos de uma penitenciária, o que finalmente os leva a fazer uma greve de fome, daí resultando  trágicas conseqüências. Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "Não sobre rouxinóis" é um vigoroso libelo contra o sistema carcerário, cuja função seria a de reabilitar os condenados, mas na prática - desde sempre, em todos os países e seja qual for o regime - nada mais faz do que torná-los indivíduos incapazes de voltar a conviver com a sociedade que os excluiu.

Impondo à cena uma dinâmica que, ao priorizar o realismo, contribui decisivamente para acentuar os tenebrosos conflitos em jogo, João Fonseca e Vinícius Armeiro materializaram uma montagem de extrema crueza, não raro claustrofóbica, que obriga o espectador não tanto a identificar-se com os dramas vividos pelos personagens, mas a refletir sobre os horrores de uma instituição que parece fadada a se perpetuar, ainda que todos saibamos que este "modelo" de re-educação já nasceu falido.

Quanto ao elenco, em função do grande número de atores, torna-se literalmente impossível fazer uma análise detalhada de cada atuação. Ainda assim, seria por demais injusto não me deter ao menos em duas performances: a de Eduardo Rieche e a de Thelmo Fernandes. O primeiro, na pele de "Canário" Jim, consegue traduzir, de forma sensível e comovente, a exasperante dualidade de um personagem que, para encurtar sua pena, resolve colaborar com o diretor do presídio na qualidade de alcagüete. 

Com relação a Thelmo Fernandes, trata-se de um ator que, por razões que a razão desconhece, ainda não obteve o reconhecimento que de há muito merece. Mas espero que esta realidade possa mudar a partir de agora, pois sua atuação como Chefe Whalen, diretor do presídio, é simplesmente magnífica - o ator consegue valorizar tanto a extrema violência e intolerância do personagem quanto a ternura que sente por sua filha, o que evidencia sua incontestável psicopatia. Sem dúvida, um desempenho que se insere entre os melhores da atual temporada.

Mas é óbvio que o impacto desta mais do que oportuna montagem também está atrelado ao seguro desempenho de todos os profissionais que estão em cena. Assim, parabenizo com grande entusiasmo as atuações de Adriana Maia (Sra. Bristol), Nilvan Santos (Guia do Lorelei/Reverendo Hooker), Júlia Marini (Eva Crane), Cleiton Rasga (Schultz), Bruno Ferrari (Butch), Éber Inácio (Queen), Alexandre Mofati (Joe), Sérgio Ricardo Loureiro (Oliver), Alex Nader (Swifty) e César Amorim (Capelão).

Na equipe técnica, Nello Marrese e Natália Lana assinam uma cenografia altamente expressiva, cabendo destacar a alusão feita a câmaras de gás. Igualmente irrepreensíveis os figurinos de Mauro Leite, a iluminação de Dani Sanchez, o visagismo de Uirandê Holanda e a tradução de Eduardo Rieche.

NÃO SOBRE ROUXINÓIS - Texto de Tennessee Williams. Direção de João Fonseca e Vinícius Arneiro. Com Eduardo Rieche, Thelmo fernandes e grande elenco. Theatro Net Rio. Quinta, sexta, sábado e segunda, 19h. Domingo, 18h

  

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