Teatro/CRÍTICA
"Abram-se os histéricos!"
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O inconsciente em cena
Lionel Fischer
Médico e cientista francês, Jean-Martin Charcot (1825-1893) alcançou fama no terreno da psiquiatria na segunda metade do século XIX. Foi um dos maiores clínicos e professores de medicina na França e, juntamente com Guillaume Duchenne, o fundador da moderna neurologia. Sua maior contribuição para o conhecimento das doenças do cérebro foram o estudo da afasia, a descoberta do aneurisma cerebral e das causas da hemorragia cerebral. Afora issso, Charcot concluiu que a hipnose era um método que permitia tratar diversas perturbações psíquicas, em especial a histeria, tema central do presente espetáculo.
De autoria de Antonio Quinet e Regina Miranda, "Abram-se os histéricos!", baseada na obra "A lição de Charcot", aborda as aulas públicas ministradas por Charcot no Hospital La Salpêtrière, em Paris, quando valia-se de suas pacientes para demonstrar que a histeria era não apenas uma doença séria, mas supostamente teria uma causa orgânica. Dentre seus muitos alunos célebres, um deles aparece no espetáculo: Sigmund Freud. Joseph Babinski também está em cena, não tanto como aluno, ao que me pareceu, mas sobretudo como colaborador e entusiasta das idéias de Charcot.
Com direção assinada por Regina Miranda, "Abram-se os histéricos!" está em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal. No elenco, Lourival Prudêncio, Marina Salomon, Patrícia Niedermeier, Aline Deluna, Berenice Xavier, Marina Magalhães, Jano Moskorz e Evandro Manchini.
Propondo uma relação com a platéia como se esta fosse parte integrande da ação, ou seja, os espectadores estariam assistindo a demonstrações públicas das teorias de Charcot, o texto pode ser encarado, num primeiro momento, como uma tentativa de recriar o ambiente em que tais encontros se davam, e as objeções de Freud serviriam para pontuar o momento em que estaria nascendo uma irremediável disputa, digamos assim, entre a psicanálise e a neurociência - a primeira sustenta que a histeria pertence ao inconsciente e a segunda, por negá-lo, a atribuiria a componentes físicos.
Mas creio que a pretensão maior dos autores foi a de trazer essa discussão para os tempos atuais, pois até hoje não se chegou a um acordo sobre o tema. Neste sentido, torna-se inegável o caráter extremamente oportuno do texto, que certamente facultará aos espectadores relevantes informações sobre a histeria. Ainda assim, me parece que os autores poderiam ter investido um pouco mais no retrato dos personagens principais, pois os debates que travam, por mais interessantes que sejam - e são de fato muito interessantes - o seriam ainda mais se oriundos não apenas de pontos de vista antagônicos, mas também de personalidades mais bem definidas.
Quanto ao espetáculo, este se torna particularmente interessante e expressivo nas passagens em que várias manifestações histéricas se materializam. Excelente coreógrafa, Regina Miranda cria uma espécie de balé que parece ter nascido de irrefreáveis impulsos do inconsciente das personagens, traduzindo gritos que não podem ser expressos através das palavras. Aqui, realmente, os corpos falam -pena que na vida, sendo ou não histéricos, nossos corpos em geral insistam em permanecer mudos...
Com relação ao elenco, as quatro atrizes que encarnam as histéricas - Patrícia Niedermeier, Marina Salomon, Marina Magalhães e Aline Deluna - exibem grande expressividade corporal e um trabalho vocal não menos notável. Quanto aos demais intérpretes, Lourival Prudêncio (Charcot), Jano Moskorz (Babisnki) e Evandro Manchini (Freud) apresentam performances seguras e convincentes, o mesmo ocorrendo com Berenice Xavier no papel de uma enfermeira.
Na equipe técnica, são eficientes e expressivas as contribuições de Regina Miranda (cenografia), Luiza Marcier (figurinos) e Dani Sanchez (Iluminação), cabendo destacar a bela e instigante trilha sonora a cargo de José Eduardo Costa Silva (compositor e diretor musical), Marcus Neves (desenho de som), Herbert Baioco (pesquisa de material sonoro), Ernesto Hartmann (piano) e Márcia Lyra (soprano).
ABRAM-SE OS HISTÉRICOS - Texto de Antonio Quinet e Regina Miranda. Direção de Regina Miranda. Com Lourival Prudêncio, Marina Salomon, Patrícia Niedermeier, Aline Deluna, Marina Magalhães, Berenice Xavier, Jano Moskorz e Evandro Manchini. Centro Cultural Justiça Federal. Quarta e quinta, 19h.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
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