terça-feira, 22 de maio de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Uma noite na lua"

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Paixão e criação no Jockey


Lionel Fischer


Levada à cena em 1998, "Uma noite na lua" arrebatou público e crítica - Marco Nanini, em atuação deslumbrante, ganhou o prêmio de melhor ator do ano da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) e João Falcão levou o Shell de melhor autor, além do Sharp de melhor espetáculo. Agora, passados quase 15 anos, o texto ganha nova versão, em cartaz no Teatro do Jockey, assinada pelo mesmo autor/diretor e tendo como intérprete Gregório Duvivier, um dos mais talentosos atores de sua geração.

Embora ainda me recorde de várias passagens da montagem anterior, recusei-me a ler o que escrevi na época. E minha recusa se deve ao fato de que tenho plena consciência de que certas comparações não são nem um pouco salutares, pois ainda que o texto permaneça o mesmo, os atores não pertencem à mesma geração (quando Nanini fez a peça devia ter em torno de 50 anos, enquanto Gregório, ao que imagino, deve estar na casa dos 30), o momento atual é diferente daquele e, sobretudo, as dinâmicas cênicas são totalmente díspares.

Na montagem anterior, João Falcão criou uma encenação apoiada em um cenário grandioso e repleta de efeitos visuais, enquanto que esta dispensa toda e qualquer cenografia, sendo a iluminação o recurso expressivo predominante. Portanto, o que se segue tentará traduzir apenas e tão somente o que senti agora ao assistir "Uma noite na lua".

Estamos diante de um escritor/dramaturgo que ainda não teve uma linha publicada, tampouco uma peça encenada. Ele está sozinho em um palco e tenta pensar. Tenta escrever um texto teatral que deverá estar pronto no dia seguinte - pouco antes, numa festa, ele garantiu a um ator famoso que tinha uma peça que o agradaria. Mas não consegue iniciar e muito menos desenvolver o texto, já que acossado por constantes lembranças de Berenice, a mulher que o abandonara.

À medida que o tempo passa, algumas coisas vão ficando claras. Uma delas, talvez a principal, é a necessidade obsessiva do personagem de atender a supostas expectativas da mulher que o deixou, como se, no caso de atendê-las, pudesse reconquistá-la. Ou seja: está completamente preso ao passado, que é uma das principais características do neurótico. 

Ao mesmo tempo, recorda momentos felizes de seu casamento, algumas encantadoras miudezas do cotidiano que são, como todos sabemos, um dos pilares de qualquer relação - ao contrário do que sustentam românticos utópicos e desvairados, que acreditam que um relacionamento amoroso só possa existir desde que pontilhado, com o máximo de freqüência, por arroubos operísticos de paixão.

E também está em causa um tema vital: o da criação artística. Como criar? Por quê criar? Para quem criar? Como se chega ao sucesso? Este é realmente necessário? E as horas vão passando e o personagem não consegue materializar coisa alguma, o que me faz pensar que esta não-materialização talvez seja o tema central do texto.

Para tais perguntas, naturalmente, cada espectador encontrará sua resposta. A minha é que João Falcão produziu um texto de altíssima relevância, impregnado de humor, poesia, solidão e dilaceramento, e cuja atualidade permanece inalterada. Quanto à encenação, ainda que considerando-a original e instigante, me permito algumas ressalvas. A principal delas diz respeito àquilo que imagino que o encenador considera um de seus principais trunfos: a iluminação.

Ainda que belíssima, a luz de Cesar Ramires me deu sempre a sensação de não existir enquanto recurso expressivo capaz de enfatizar os múltiplos climas emocionais em jogo, mas de praticamente determiná-los, o que é completamente diferente. Um exemplo: num dado momento, o personagem manipula uma bola de tênis imaginária; um foco se fecha sobre sua mão, o personagem atira a bolinha para o alto, o foco some, depois retorna etc.

O efeito é interessante? Sem dúvida interessantíssimo. Mas será que esta passagem ficaria pior na inexistência do tal foco e do dito efeito? Seriam realmente necessárias tantas alterações de luz ao longo de toda a montagem? E mais: tive sempre a sensação de que essa aposta neste mar de efeitos traduziria não necessariamente - ou exclusivamente - uma proposta estética, mas um desejo de, digamos, conferir uma versão mais contemporânea ao texto. Sei que disse acima que a montagem anterior exibia muitos efeitos visuais; ocorre que os mesmos, se bem me lembro, estavam intrinsicamente ligados ao contexto, soavam reais em sua irrealidade, ao passo que agora me pareceram excessivos, um tanto forçados - mas trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos. 

Efeitos luminísticos à parte, é inegável que João Falcão extrai de Gregório Duvivier uma atuação com muitos méritos, sendo o maior deles a capacidade do ator de materializar, com absoluta sinceridade, sua dependência e amor pela mulher que o largara, assim como sua fragilidade. Ainda assim, acredito que certas passagens poderiam ser trabalhadas com maior tragicidade, como aquela em que o personagem, vestido inadequadamente, é alvo de comentários desabonadores na festa em que oferece seu texto ao ator.

Em minha opinião, esta passagem é dilacerante, aterradora, e da forma como está realizada senti apenas uma certa pena do personagem, quando o normal seria que carpisse como uma lavadeira grega - tudo bem, cada um sente como pode, e não estou pretendendo insinuar que a única reação válida seria aquela que imaginei que teria. Mas acredito que o trágico e o poético, que me parecem ser dois componentes fundamentais deste ótimo texto, não atingiram aqui sua máxima dimensão.

Com relação ao restante da equipe técnica, considero de ótimo nível a direção musical de Dani Black e Maycon Ananias, cabendo também destacar a excelente preparação corporal a cargo de Gilvan Gomes.

UMA NOITE NA LUA - Texto e direção de João Falcão. Com Gregório Duvivier. Teatro do Jockey. Sexta a domingo, 21h.  
  

 

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