Um alento aos tímidos
Lionel Fischer
Embora já tenha dado cursos e promovido seminários em várias instituições, meu foco aqui se limita às aulas de Improvisação que dou no Tablado há 14 anos. E o objetivo principal deste breve artigo, como indica o título, é fazer com que os iniciantes que são - ou acreditam que são - excessivamente tímidos compreendam, por um lado, que timidez não é defeito, e muito menos um entrave para futuras realizações de altíssimo nível.
Como principal exemplo, posso citar o de Rubens Corrêa, um dos maiores atores que este país já teve. Em seus primeiros tempos de aprendizado com Maria Clara Machado - inicialmente no extindo Conservatório Nacional de Teatro e depois no Tablado -, Rubens era tão retraído e tímido que, segundo Maria Clara Machado me contou, mal se ouvia o que ele falava em cena. Rubens não tinha, efetivamente, uma voz privilegiada, mas em contrapartida teve a sapiência de perceber isso e estudou voz a vida inteira. A primeira vez que o vi em cena, para que se tenha uma idéia, foi interpretando o Marquês de Sade na peça "Marat Sade", de Peter Weiss, no Teatro João Caetano. Pois bem: me sentei na última fila do balcão superior e mesmo assim consegui escutar, com absoluta clareza, tudo que Rubens falava, mesmo quando optava pelo sussurro.
Mas citei Rubens Corrêa não tanto como exemplo de um profissional consciente de que precisava dominar inteiramente seus recursos expressivos, estando a voz aí incluída, naturalmente. Meu objetivo é falar sobre timidez, o que também me obriga a estabelecer um contraponto entre os alunos tímidos e os desinibidos - ou que se julgam desinibidos. Comecemos, então, por estes últimos.
Em uma turma de iniciantes, existem sempre aqueles mais descontraídos, que não perdem a menor oportunidade de subir ao palco e, uma vez nele instalados, falam o tempo todo, não escutam ninguém - e, portanto, não contracenam -, sempre tentam conduzir a improvisão segundo seus desejos e, graças a tais predicados, acreditam piamente que têm "facilidade para representar". E, efetivamente, alguns até a possuem, mas invariavelmente caem na seguinte cilada: por acreditarem que "facilidade" basta, não estudam, não prestam atenção no desempenho dos colegas e invariavelmente esperam que o professor elogie - sem reservas - sua notável desinibição.
É claro que ter "facilidade" para o que quer que seja é melhor do que não possuí-la. Mas isso não significa absolutamente nada, pois a "facilidade" se esgota em si mesma e muito rapidamente. E assim, e por algumas razões apresentadas no parágrafo anterior, tais alunos (ou alunas, evidentemente), são capazes de ficar 10 anos no Tablado e não avançar um metro - é claro que, depois desses 10 anos, estarão ainda mais desinibidos...mas apenas isso.
Em contrapartida, temos os tímidos, aqueles que sobem pouco no palco, que pouco opinam, que relutam por algum tempo - às vezes excessivo, não resta dúvida - em vencer a barreira que os impede de se expor publicamente aos olhares de uma "multidão" - sim, pois 40 olhares, para um tímido, é quase uma platéia de Fla-Flu. Mas sempre chega o momento em que os tímidos começam a encarar de frente a própria timidez e resolvem enfrentá-la. Então, se dispõem a subir no palco - inicialmente aterrorizados, sem dúvida - mas o fazem, que é o que interessa. É o primeiro e grandioso passo. E se pouco falam - quando o tema comporta palavras - ou praticamente ficam estáticos, quando as mesmas são vetadas, o fundamental é que, ao voltarem para seus lugares na platéia, constatam, com enorme surpresa, que não desmaiaram, não surtaram, não tiveram o desejo de falecer em cena - no máximo, podem ter desejado que a dita cena não se prolongasse muito.
E com o passar do tempo e a progressiva confiança no professor, na turma e, fundamentalmente em si mesmos, os tais tímidos começam a evoluir muito mais do que os simpáticos - às vezes, nem tanto - desinibidos, que no fundo talvez sejam mais inseguros do que aqueles que não se empenham em escamotear a própria insegurança e timidez. E é então que se verifica um curioso fenômeno: os desinibidos (normalmente possuidores de uma personalidade narcísica) se vêem obrigados a constatar, com profundo assombro e algum desconforto, que aquele carinha tão calado e retraído que parecia nada ter para oferecer de interessante como ator, já atingiu um patamar muito superior ao seu, seja nas improvisações ou cenas decoradas.
Nesse momento, os "desinibidos" só têm duas opções: admitir o óbvio - ou seja, que o retraimento incial de alguns nada tem a ver com talento - e então calçar as sandálias da humildade e passar a estudar, a se envolver realmente com colegas em cena e sobretudo renunciar à bizarra opinião que possuíam de que constituíam o centro do universo, ou então insistirem na mesma e lamentável postura, que, como já foi dito, não os conduzirá a lugar algum.
Como todos sabemos, tudo na vida é uma questão de escolhas. Às vezes acertamos, às vezes nos equivocamos. Faz parte do jogo. Mas ter a capacidade de reconhecer um engano é sinal de grandeza. Insistir nele, é mera idiotice e perda de tempo.
Asssim, se você é timido e retraído, não encare isso jamais como um entrave, desde que você se disponha, obedecendo ao seu tempo interior e aos seus limites, a superar a própria timidez e retraimento. E se você pertence ao grupo dos desinibidos, não se culpe por sua própria desibinição. Mas tenha com ela uma relação cautelosa, pois do contrário o seu talento - se de fato você o possui - jamais aflorará, se perderá em uma das muitas curvas dessa longa e sinuosa estrada que constitui a dificílima arte de representar.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
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Já o tinha assistido versar sobre o ssunto. Mas aqui você, não sei como é possível, conseguiu se superar. Obrigada por tão precisas e preciosas colocações, que com toda certeza só nos ajudam nesta caminhada: a arte de representar.
ResponderExcluirAproveito e acrescento uma palavras de Rubens Corrêa sobre o ofício de atuar, quando numa palestra a estudantes de teatro.
"Cada ator tem obrigação de zelar e desenvolver o seu instrumental – sua voz, seu corpo: seu cavalo. Devemos transformar nosso corpo num grande arquivo de imagens com possibilidades de serem utilizadas em nossos futuros personagens; nossa voz deve poder miar, rugir, gemer, uivar – nossas mãos podem ser galhos de árvores, garras de feras, folhas secas ao vento – nossos pés, colunas de um templo, patas de animais. Nossos olhos devem poder reproduzir o enigma do olhar da esfinge, e a clareza cristalina de um poema de Brecht.
E mais, devemos nos preparar para poder receber com artística mediunidade a alma do mundo, as grandes interrogações do nosso tempo, a voracidade deste universo em constante transformação.
Devemos ser suficientemente fortes para poder reproduzir simultaneamente a maravilha e o horror do ser humano, a criatividade e a autodestrutividade de nós todos, homens, através desta difícil caminhada da vida.
O nosso cavalo deve então se preparar para poder assumir todas estas formas, e por isso ele tem de ser constantemente reabastecido e renovado.
O cavalo é também o estimulador de nossa energia, o conservador de nosso entusiasmo e de nossa fé; quando as crises vierem (e não tenham dúvida de que elas virão), nada melhor do que trabalhar na fortificação do cavalo, porque no mínimo estaremos crescendo durante a crise, estaremos trabalhando e temperando novas energias, adquirindo novas técnicas, novos conhecimentos. Podem ter certeza de que um bom cavalo torna o ator indestrutível."
Faço das palavras da Marcia, as minhas.
ResponderExcluirÉ muito bom poder ouvir as coisas que você comenta no palco, mas é tão bom quanto poder ler o que você escreve.
Eu não sei bem onde eu me encontro, mas acho que tenho um pouco de cada um. Na minha cabeça tenho que não sou uma pessoa tímida no palco, mas quando olho minha tragetória no Tablado, vejo que poderia ter feito MUITO mais.
Obrigado por todos os conselhos, e nunca deixe de escrever, seja para as 40 pessoas que hoje te seguem, mas acredito que sao realmente QUARENTA seguidores fiéis.
Lionel,
ResponderExcluirEu também não sei em que lado estou e assim como o Thiago acho que possuo um pouco de cada e ainda tenho muito o que evoluir e muito o que descobrir sobre esses dois lados. Quando leio tudo o que você posta aqui me bate uma vontade imensa de ser sua aluna no Tablado. Estou muito tentada em me matricular na sua turma de domingo e poder apreciar de perto toda essa sua inteligência e bagagem profissional.
Parabéns por mais um belo texto!
Obs: COM CERTEZA 40 SEGUIDORES FIÉIS (checo o blog todos os dias atrás de novos posts).
Adorei Lionel!
ResponderExcluirTenho muitas saudades das suas aulas.
Aprendi e continuo aprendendo muito com vc.
Adorei te ver semana passada no tablado.
Bjkas!
Mais uma tímida acaba deler sua publicação e com certeza estarei levando suas palavras comigo e tentando aplicar tudo em meu dia-a-dia principalmente em minhas aulas já que eu me encaixo no perfil das alunas tímidas que quase não sobem ao palco rs
ResponderExcluirbjx
Amados (as),
ResponderExcluirainda que com 11 anos de atraso, agradeço as palavras tão gentis de você..
beijos,
eu