segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Um diretor fala sobre atores

Erwin Axer


Erwin Axer, nascido em 1917, é diretor, professor, foi diretor-executivo do Teatr Wspólcesny, em Varsóvia, de 1949 a 1981. Depois de três anos em Lódz, trabalhou em teatros em Viena, Leningrado, Zurique, Berlim, Munique e Hamburgo.

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Como muitos de meus colegas, eu também prefiro tabalhar com grandes atores, ou pelo menos bons, do que com atores fracos. Na medida em que o padrão da arte da interpretação possa depender da platéia, tenho muito prazer em trabalhar em teatros que são frequentados por um público sofisticado e experiente, com gostos bastante definidos. Também prefiro trabalhar em teatros com um elenco permanente, que se modifica lentamente acompanhando um ritmo "biológio". Ainda há uma série, talvez até grande, de companhias assim na Europa, que desenvolvem um estilo próprio e uma linguagem comum. Elas também têm gostos e idéias semelhantes.

O diretor nutre e cuida do elenco aos mesmo tempo em que é inspirado e cultivado, principalmente, pelos atores mais talentosos desse elenco. Mais cedo ou mais tarde, esse procedimento leva a um método de trabalho comum aos diretores e atores. Eu também estaria inclinado a dizer que emprego um método que aprendi com meus professores, os atores com quem trabalhei e, de alguma maneira, comigo mesmo. Eu o aplico com flexibilidade e não o abordo dogmaticamente. Só poderia descrevê-lo em linha sgerais.

Confio muito na cooperação dos atores. A minha atitude com relação à essa cooperação é muito submissa, fato que estou pronto a admitir. Parto do princípio de que haverá cooperação até o momento em que percebo ter me enganado. Em outras palavras, que cometi um erro na escolha do elenco ou se eu for o convidado, que o autor e o diretor do teatro cometeram o erro. Nesse caso, substituo o ator, se isso for possível; caso contrário, faço o possível para que o ator siga as minhas instruções.

A confiança mútua é indispensável. Confio no ator porque o escalei para aquele determinado papel. Se não o conheço bem, ou só o conheço de ouvir falar, aposto nessa minha confiança. Claro que já aconteceu de eu perder a confiança e, em um determinado momento, geralmente tarde demais, me conscientizar de que o problema não foi falta de talento por parte do ator, mas falta de paciência de minha parte.

Temos uma situação diferente com relação à confiança do ator no diretor. Ela é difícil de ser conquistada e difícil de ser perdida. Mesmo quando lido com atores que estão prontos a confiarem em mim, faço tudo para merecer essa confiança. Gosto quando os atores têm sua própria opinião, diferente da minha, especialmente quando eles a defendem com sugestões práticas, ou quando a manifestam nas suas atuações.

Como passar dos anos, perdi as esperanças no que se refere às longas discussões que precedem o trabalho em andamento. Gosto de confrontar sugestões que são dadas durante a atuação. Só não tolero conflitos que levam a discussões ou acusações.

Não sei mais do que ninguém. Ninguém sabe mais do que ninguém. Se soubesse tudo, não poderia jamais aceitar a iniciativa dos atores nem seria capaz de utilizá-la. No entanto, a postura de um ator em relação a um diretor assemelha-se à de um paciente em relação ao médico, à de um soldado com relação ao seu superior. Algumas vezes alguém tem que fingir saber mais do que o outro. Em casos exepcionais, uma discussão rápida e errada, mas que pode ser posteriormente corrigida, é melhor do que a falta de iniciativa.

Não há necessidade de referir à esfera do inconsciente. Ela simplesmente existe. A pessoa só precisa fornecer as condições exatas para que ela entre em ação. Acho que uma dessas condições é o planejamento consciente e racional dos papéis e da produção. O que pode mais tarde, e isso em geral acontece, sofrer uma mudança, resultado do incosciente ou de processos não totalmente conscientes. Acredito que Stanislavsky estivesse certo quando alertou para a introdução desses processos na consciência dos atores. O fato é que ela só precisa ser controlada.

Os melhores resultados nem sempre são atingidos com aqueles com quem o trabalho fui com facilidade ou de forma agradável, devido a algumas forças ou imprevistos artísticos ou individuais. Também há algumas personalidades marcantes que, como os alemãos dizem, "simplesmente não se dão bem com outras".

Em 1992, trabalhei em Hamburgo com um ator jovem, mas muito talentoso e criativo. Trabalhar com ele quase me levou à loucura. O ator estava cheio de idéias, mas sua noção de prioridade era abominável. Ainda por cima, ele logo se aborreceu com um companheiro e comigo. Ele entendia tudo mais rápido e melhor do que eu e os outros. Além disso, ele era (inconscientemente) arrogante e (conscientemente) contencioso. Muitos atores e diretores alemães consideram o conflito brutal e o jargão militar condições indispensáveis para se chegar ao sucesso.

Eu, assim como a maioria dos meus colegas poloneses, considero esse tipo de conflito uma completa perda de tempo e energia e acredito na cortesia como uma condição básica para a cooperação. Ainda assim, fomos até o fim. A produção foi um sucesso e o ator, também. Depois da noite de estréia, eu disse a ele, o que era de fato verdade, que trabalhar com ele tinha sido uma tortura, mas que ao mesmo tempo eu tinha aprendido muito com ele. "E eu que achei que não nos dávamos tão bem. Você não acha que nós nos completamos com perfeição?", o ator perguntou. Com essa tirada ele de repente mostrou-se encantador e bem-educado.
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O presente artigo, traduzido por Ana Claudia Negreiros, consta da revista Cadernos de Teatro nº 144/1996, edição já esgotada.

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